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Muito antes de ler o livro de Domenico de Masi, O Ócio Criativo, eu já estava convencido de que as grandes criações literárias ou filosóficas, científicas ou sociais, tecnológicas ou artísticas, nasceram da mais generosa vagabundagem.

Há um exemplo anedótico que vale a pena citar. O caso da maçã que teria caído na cabeça de Isaac Newton, o que lhe sugeriu a ideia da gravitação universal. A história é fantasiosa, é claro. Mas é perfeita. Mais do que assinalar a maneira como Newton descobriu a gravitação, apresenta uma verdade definitiva: só no ócio o ser humano faz o melhor.

Os gregos sabiam disso. É claro que, vivendo numa sociedade escravocrata, usaram a necessidade de ócio para justificar a escravidão. Alegavam existir homens feitos para o trabalho servil e homens feitos para as grandes aventuras do espírito – eles, os gregos, é claro. Como no caso da maçã, há aí um equívoco. Mas há também um acerto notável: é no ócio que os homens criam.

Quando, em 1918, dez anos antes de escrever Macunaíma, Mário de Andrade escreveu o artigo "A Divina Preguiça", publicado no jornal paulistano A Gazeta, ele acertou na mosca: a preguiça era o móvel da cultura e da civilização. Em 1928, Macunaíma proclamaria: ai que preguiça! Tornava-se possível o Brasil moderno.

Suspeito ser esse um dos temas centrais do livro de João-Francisco Duarte Jr., A Montanha e o Videogame – escritos sobre educação (Papirus, Campinas, 2010), que li quando do lançamento, mas sobre o qual, por preguiça, só agora escrevo.

Sendo professor universitário conhecido por suas reflexões a respeito da arte, João-Francisco fica furioso com os burocratas que avaliam a produção acadêmica como se contassem sacas de arroz. Tantas sacas, tantos pontos. Ele está convencido de que essa produção acadêmica incentivada pelos burocratas do MEC produziu apenas um gasto assustador de papel e tinta nas tais revistas indexadas, onde encontramos raríssimas ideias novas, nenhum desafio, novidade alguma. De resto, ninguém as lê. São escritos sobre o mesmo – tanto que os tais artigos citam textos e autores com abundância e, não raro, resultam em meras colagens que se destinam apenas a marcar um ponto no currículo. Escritos circulares, terminam no ponto em que se estava ao começar. Qualquer professor universitário conhece pelo menos meia dúzia desses acadêmicos que reescrevem o mesmo artigo dezenas de vezes, mudando apenas o título, o primeiro e o último parágrafos, quando muito redistribuindo o texto do miolo em nova ordem.

No hilário ensaio que fecha o livro, "The Rotten Papers (Ou Adiós Que Yo Me Voy)", João-Francisco lembra que, diante de um livro publicado, os avaliadores de currículos acadêmicos torcem o nariz. O que conta para eles são os pontos que rendem os artigos publicados em revistas indexadas. Um deles chegou a sugerir em palestra pública que, ao invés de livros, fossem publicados os capítulos separadamente, como artigos. Talvez cada capítulo rendesse dois artigos, sugeriu o burocrata infame, fazendo cara de sabido. Isso renderia um bom número de pontos, sugeriam seus olhos espertos.

Essa obsessão com o mensurável é a origem do desastre a que assistimos na produção acadêmica. Coagidos por um sistema quantitativo e punitivo, que os obriga a produzir artigos a cada três meses e a fazerem pose de cientistas – o que de fato não são – seus autores nada criam, não inventam novas formas de nuvens e nem sabem dedilhar a melodia que canta o sabiá.

Os leitores já viram sabiá com partitura? Já toparam com duas nuvens iguais? Acaso algum cientista ou filósofo inovador escreve artigos a cada três meses? Henri Bergson publicou livros com intervalos de sete a doze anos – em 45 anos publicou sete obras, uma a cada seis anos e meio – e achava que escrevia demais.

Portanto, nossas homenagens à preguiça, ao ócio, à desocupação de nossas mentes. Camus dizia que era preciso imaginar Sísifo feliz. Eu digo: é preciso imaginar que Newton se espreguiçava debaixo de uma árvore quando lhe caiu uma maçã na cabeça, o que o levou à teoria da gravitação universal.

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