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O maior documentarista brasileiro, o cineasta Eduardo Coutinho, não veio à 11.ª edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), que vai até amanhã na cidade histórica fluminense, para exibir um de seus filmes. Mas para lançar um livro, que tem várias particularidades;Publicado pela Cosac Naify, O Olhar no Documentário, do qual foram impressas apenas 200 exemplares, tem apenas 94 páginas e é uma espécie de aperitivo de um volume muito mais extenso que chegará ao mercado pela mesma editora em outubro, durante a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, quando o diretor de Cabra Marcado para Morrer e Edifício Master terá toda a sua obra exibida em uma grande retrospectiva.

O livro que trouxe Coutinho à Flip, onde participa neste sábado de uma mesa em homenagem a seus 80 anos de vida, inclui um texto escrito em 1992, no qual o cineasta fala pela primeira (e única) vez a respeito de seu processo criativo, sobre o ofício de documentarista. Completam o volume críticas de cinema publicadas entre 1973 e 1974, quando o diretor, afastado das câmeras, trabalhava no Jornal do Brasil, onde exerceu a função de redator, a convite do jornalista Alberto Dines, de quem já havia sido companheiro de redação no passado. "Nunca fui repórter lá."Em entrevista realizada na tarde de sexta-feira na Pousada no Ouro, no Centro Histórico de Paraty, Coutinho conta que seus textos, falam de filmes os mais distintos. De Laranja Mecânica, clássico futurista de Stanley Kubrick, ao musical Cantando na Chuva, de Stanley Kramer, "um dos melhores filmes já feitos", disse Coutinho.

"Com eu já havia feito cinema e poderia voltar filmar, nunca me permiti escrever sobre filmes brasileiros, embora tenha, em meus textos, feito citações a cineasta nacionais, como José Mojica Marins [o Zé do Caixão] e Ozualdo Candeias, sem fazer críticas de seus filmes", conta.

O Olhar no Documentário traz algumas, mas não todas as 40 críticas escritas por Coutinho para o Jornal do Brasil, que estarão na íntegra na edição que será lançada em outubro. Sobre a experiência, ele diz preferir acreditar que escrevia muito mais como espectador comum do que como realizador, ou crítico, no sentido mais acadêmico, ou elitizado, do termo.

Para o diretor, cinema é uma manifestação de arte popular, de cultura de massa, conceito contra o qual ele diz não ter absolutamente nada. "Os brasileiros adoram as telenovelas e acho que sempre vão gostar. É uma tradição que já vem do gosto pelos folhetins do século 19. Não vejo por que as pessoas não podem achar a Carminha [antagonista da novela Avenida Brasil] maravilhosa. A música brasileira só se tornou popular quando as rádios passaram a se tornar rentáveis, veiculando comerciais."

A ironia de Coutinho estar em uma festa literária como a Flip para lançar um livro está também no fato de que há mais de 20 anos ele não escreve uma palavra sequer, pelo menos não com a intenção de que seja publicado. Salvo anotações para seus filmes.

Leitor ávido, hoje diz preferir os ensaios, já que obras de ficção, caso sejam mais longas, lhe dão insônia. "Se eu não terminar um romance, vou ficar acordado, pensando no que vai acontecer com os personagens", diz.

Sobre o momento político que o país atravessa, e toda a onda de protestos que tomou conta do país a partir de junho, Coutinho se mostra cauteloso. Diz que todas as imagens captadas nas ruas brasileiras, casos fossem bem montadas, dentro de uma proposta interessante de roteiro, poderiam render um bom filme, mas crê que seja muito cedo para arriscar um papite sobre os desdobramentos desses movimentos.

"Não acredito que a realidade seja isso ou aquilo, preto ou branco. Tudo é ao mesmo tempo. Nada é ‘ou’. A palavra mais importante da língua portuguesa é a conjunção "e", que soma, acrescenta, problematiza."

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