• Carregando...
 | Osvalter Urbinati
| Foto: Osvalter Urbinati

O primeiro frio do ano é aquele que dói de madrugada. Há dúvidas sobre quando foi ou será sua estreia. Depois do primeiro frio do ano, amanhece um céu de azul inquestionável. De certo lembraríamos. Enquanto isso, especialistas que somos, preparamo-nos para o recolhimento, quartinho secreto e aconchegante dos curitibanos de sempre. É um rito de passagem anual: mudança na folhinha do calendário, enchentes de março, fim do horário de verão. Pois, afora o IPVA, são mesmo as coisas de outono.

E então o espiar na janela, que costumava perseguir as gentes de bermuda e regata a desviar das pedras soltas, está agora a mirar os chapeuzinhos panamás falsificados que, sem saber, interrompem o último dos sóis. Se o verão nem bem chega e já vai embora, como uma beijoca antes da saudade, o frio de outono é um remedo de eternidade. Passo certeiro rumo ao começo de tudo, de novo. O friozinho divide: para encarar a brisa dura do mais novo outono vale o bom e velho moletom com bolinhas?

A vontade é de fumar. De café. É que a fumaça ganha em espessura agora, na saideira de março, no parto de abril. O equinócio, então, é um troço estranho: retira o edredom de cima do guarda-roupas e o sofá transmuta-se em um Ligeirinho rumo ao paraíso, com aquele RECOLHE marcado para daqui a três meses.

Nas ruas, boinas de veludo e gorrinhos de lã fazem mais sentido, pois efetivamente esquentam as carecas. A quietude avança pela cidade cinza. Gestos diminuem em frequência. As mãos nos bolsos – defesa dos tímidos e dos roedores de unha – teimam em abandonar o quentinho. O sol é de ouro no primeiro frio do ano: todo o petit-pavé da Rua XV é uma quadra poliesportiva para um jogo só para adultos que consiste em fugir o mais rapidamente possível da sombra de tudo.

O primeiro frio do ano arranca fumaça da boca. Narcisista, pronuncia nas conversas de boteco o maior inverno de todos os tempos, existentes ou não, mais frio do aquele de 1928, terrivelmente mais congelante do que o julho de 1975, mesmo que a próxima estação esteja relativamente longe, ainda que o planeta esteja como que assando numa brasa de gás carbônico. Winter is coming. A chuva congelada de 2013 não há de ser nada perto do otimismo sadomasoquista do curitibano, de frio de bater beiço, de pantufas, de sopa de feijão. De pinhão na chapa.

Perceba que no dia do primeiro frio do ano ficamos incrivelmente mais orientais. Descrentes, estreitamos os olhos como se não acreditássemos que até ontem íamos comprar pão de bermuda, com os dedões ao vento. Friorentos, apertamo-nos todos por dentro com a força de um verão inteiro. Quase sensação de primeiro beijo lembrar bem do dia em que o frio chega de verdade.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]