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Não é incomum que a primeira reação de muitas pessoas ao ver um palhaço guarde um certo temor, um medo inconsciente que pode desaparecer à luz da racionalidade ou não. Seja a mais terrível coulrofobia – nome específico para a fobia de palhaços – ou um receio moderado e intermitente, persiste a pergunta: como uma figura que deveria fazer rir provoca o efeito inverso e acaba por aterrorizar crianças e até adultos?

Sobre a reação dos pequenos, Ana Maria Serra, doutora em Psicologia e diretora do Instituto de Terapia Cognitiva (ITC), afirma que a interpretação do personagem pode ser equivocada por causa do exagero nas roupas, na maquiagem e nos gestos: "O pa­­lhaço é uma figura muito diferente da­­quela a que a criança está acostumada. Ela po­­de in­­terpretar aquilo como ameaçador e, caso se­­ja incapaz de fazer uma reinterpretação fu­­tura, vai sofrer de uma reação de an­­si­ edade ou pânico, o que caracteriza a fobia".

Esse registro traumático, que pode persistir na vida adulta, acontece por uma falta de conhecimento inerente aos primeiros anos de vida de uma pessoa. O psicanalista e escritor Contardo Calligaris explica isso: "A gente acha que as crianças têm um saber inato, mas um Auguste [veja a classificação dos palhaços no quadro da página ao lado], em particular, tem uma leitura muito complicada de expressão facial. Entre um Auguste que ri e um cachorro que mostra os dentes, a diferença é muito sutil para uma criança".

Boa parte das leituras que a criança faz do mundo, porém, está diretamente relacionada à maneira com que os pais o apresentam. "Existem pais que são extremamente preocupados e superprotetores, que estão constantemente transmitindo aos filhos a ideia – implícita ou explicita – de que o real é perigoso. É óbvio que esse filho, diante de uma aparência extravagante como a do palhaço, reagirá com medo", diz Ana Maria Serra. Esse medo pode guardar razões mais ocultas. Calligaris afirma que uma criança pode enxergar no palhaço uma figura adulta e temer que o mundo dos adultos não seja como ele imagine: "Em úl­­tima instância, a criança teme que seu pai seja um palhaço. Não um palhaço propriamente dito, mas um ser atrapalhado e ina­­dequado ao mundo, incapaz de protegê-la".

Ainda assim, o palhaço permanece como uma figura assustadora no imaginário de muita gente. Não são incomuns as associações entre o clown e o terror – associações essas que têm base no real e na ficção. Em 1988, o serial killer William Gacy, que se fantasiava de Pogo the Clown e animava festas infantis, foi acusado de molestar e matar perto de 30 crianças. No cinema, a figura do Coringa, vilão do super-herói Batman, ganhou contornos tragicômicos com Jack Nicholson e, posteriormente, monstruosos com a personificação do ator Heath Ledger. Porém, a maior contribuição para essa imagem talvez tenha sido o palhaço Pennywise, criação de Stephen King no livro It. A obra se transformou em um filme para a tevê, em 1990, e a figura tornou-se uma das mais horripilantes do terror cinematográfico.

Contardo Calligaris afirma que isso não é unicamente pela aparência distinta dos palhaços: "O Papai Noel, por exemplo, também é extravagante, e muitas crianças têm medo dele, mas o palhaço possui características que o colocam como um bom vilão. Sua personalidade anárquica é um fator forte, o torna imprevisível e sem lógica. Mas, principalmente, por ser um personagem preso em uma expressão facial – a do riso – implica que ele pode rir de qualquer coisa, inclusive da desgraça alheia". (YA)

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