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 | Miguel Nicolau/Especial para a Gazeta do Povo
| Foto: Miguel Nicolau/Especial para a Gazeta do Povo

Diz a tradição que se come e bebe bem em Portugal. E os quilinhos que ganhei aqui dão peso a esta verdade.

Depois de uma vida hipercivilizada em Paris, o personagem Jacinto, de “A cidade e as serras”, do velho Eça, volta para a casa ancestral de Tormes, às margens do rio Douro, e se depara com a falta de conforto do país.

“...sobre a mesa uma travessa a transbordar de arroz com favas. Que desconsolo! Jacinto, em Paris, sempre abominara favas!... Tentou todavia uma garfada tímida [...]. Outra larga garfada, concentrada com uma lentidão de frade que se regala. Depois um brado:

– Ótimo!... Ah, dessas favas, sim! Oh que fava! Que delícia.”

O anfitrião então prognostica: “Aqui, o Sr. D. Jacinto também vai engordar e enrijar”. O jantar improvisado na lareira da sala previa ainda frango assado no espeto e salada da horta. E a jarra de vinho verde da quinta – “fresco, esperto, seivoso”.

É pela comida e pela bebida que Jacinto se converte em um novo (e velho) português, citando um verso de Virgílio: “Quem dignamente te cantará, vinho amável destas terras?”

É o que esta crônica tenta fazer, modestamente.

Estamos no Minho, região de origem do vinho verde, que pode ser branco ou tinto. Não há refeição em que ele não esteja à mesa, mesmo quando paga com dinheiro de instituições públicas, talvez por já ser considerado alimento.

Na primeira vez que tentei evitá-lo, dizendo que tinha ainda que voltar ao congresso na parte da tarde, e que o álcool poderia me dar sono, um amigo foi taxativo:

– Vinho verde não é álcool, é refresco.

Com teor alcoólico de até 12%, ele é produzido na maioria das quintas para consumo. Um conhecido de Penafiel reclamou que anualmente tem que fazer a vindima, produzir o vinho e guardar nos barris, porque a mãe de mais de 80 anos não admite não oferecer seu próprio vinho às visitas.

Em qualquer restaurante, podemos pedir uma jarra do vinho da casa, para comungar com a bebida que tanto encantou Jacinto, um refinado afeito aos melhores rótulos franceses.

Há tascas em que o verde é servido de maneira tradicional – que também vi na Galícia, região espanhola irmã de Portugal não apenas por proximidade de língua (o galego) mas também pela identificação a este produto. Tanto lá quanto cá, nos endereços mais autênticos, a bebida vem em malgas de cerâmica, pintadas a mão.

Nos restaurantes mais sofisticados, ele pode aparecer em baldes com gelo e também com uma capa fria de tecido. As duas grandes castas são o alvarinho, da região de Melgaço e Monção, divisa com a Galícia, e o loureiro, nas margens do rio Lima, no distrito de Braga.

Agora que o calor está de volta ao norte de Portugal, depois de um inverno extremamente úmido, é impossível dispensar este complemento.

– Você não acha que está bebendo muito? – reclama minha mulher.

– Vinho verde é refresco – revido, amoravelmente.

Miguel Sanches Neto tem 35 livros publicados. Ele vive em Braga e escreve a série “Cartas de Portugal” para a Gazeta.
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