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Veja a matéria publicada pela Gazeta do Povo em 2 de novembro de 1938 | Reprodução Gazeta do Povo
Veja a matéria publicada pela Gazeta do Povo em 2 de novembro de 1938| Foto: Reprodução Gazeta do Povo

Ousadia e fascínio

Setenta anos depois, a ousadia da transmissão ainda fascina estudiosos do rádio. Para o professor da UFSC, uma das razões do sucesso do programa foi sua impecável execução técnica. "Ele (Welles) usou com maestria todos os recursos técnicos disponíveis na época", afirma.

Apesar de Welles ser o diretor do Mercury Theatre on the Air, o crédito do programa também tem de ser dividido com Howard Koch, o roteirista. Koch era novato e recebeu a tarefa de adaptar o texto literário para o rádio em seis dias. Assim como ocorreu com Welles, o sucesso do programa catapultou o roteirista para o cinema, e em 1942 ele ganharia um Oscar pelo roteiro de Casablanca.

Em um depoimento de 1968, Koch conta que escolheu a localidade de Grovers Mills para a descida dos marcianos apontando para o mapa de olhos fechados, e que a confirmou porque o nome soava bem. A comunidade local deve agradecer até hoje, construiu um museu sobre a guerra dos mundos e fatura com turismo.

Saiba mais:

Para Ler:

# Wells, H G. A Guerra dos Mundos. Editora Alfaguara, Número de Páginas: 240

# Meditsch, Eduardo. Rádio e pânico: a Guerra dos Mundos, 60 anos depois. Editora Insular, Florianópolis, 1998. Número de páginas: 240

Para Ver:

# Guerra dos Mundos. Ano: 1952Direção: Byron Haskin Atores: Gene Barry , Ann Robinson, Less Tremayne. Paramount

# Guerra dos Mundos. Ano: 2005. Direção: Steven Spielberg. Atores: Tom Cruise, Dakota Fanning, Miranda Otto e Tim Robbins. Paramount

  • Ouça um trecho da versão de A Guerra dos Mundos de Orson Welles (em inglês)

Seis milhões de americanos ouviam o programa dominical Mercury Theatre on the Air, transmitido em rede nacional de rádio pela emissora CBS - Columbia Broadcasting System – na noite de 30 de outubro de 1938, quando por volta das nove horas a execução de La Cumparsita, pela orquestra de Ramon Raquello, direto do Hotel Park Plaza no centro de Nova York, foi interrompida por uma notícia que mudaria os rumos da humanidade. Uma nave extraterrestre havia pousado em uma fazenda nos arredores de Grovers Mill, uma pequena cidade de Nova Jersey, a cerca de 70 quilômetros de Nova York.

Os ouvintes que continuaram acompanhando a transmissão, agora feita diretamente do local, ficaram perplexos com a descrição das criaturas vindas de Marte feita pelo repórter e ficaram horrorizados quando os visitantes se mostraram hostis e fulminaram com um raio de calor policiais que tentavam fazer contato. Por cerca de 40 minutos, repórteres, militares, cientistas e pessoas comuns relataram os acontecimentos que se seguiram com a invasão de centenas de marcianos nos Estados Unidos e que resultaram na destruição e morte de milhares de pessoas.

A invasão marciana, porém, aconteceu apenas na mente de algumas das milhares de pessoas que ouviram o radioteatro protagonizado pelo então, quase desconhecido ator e diretor de cinema norte-americano Orson Welles (1915-1985) – diretor e protagonista de Cidadão Kane. O jovem diretor, na época com apenas 23 anos, apresentou naquela noite, véspera do Dia das Bruxas, uma adaptação da obra de ficção cientifica A Guerra dos Mundos, do inglês Herbert George Wells (1866-1946), publicada em 1889.

A brincadeira de Halloween de Welles causou pânico na população, provocou sobrecarga nas linhas telefônicas e congestionou as ruas de Newark e Nova York, que sofreram a invasão virtual de centenas de marcianos na história transmitida pela CBS.

O programa ficou marcado, ainda, na história do rádio por mobilizar grande contingente de pessoas. O veículo na época vivia sua adolescência com apenas dezoito anos de experiência desde a fundação da primeira emissora regular, a KDKA de Pittsburgh, nos Estados Unidos.

Na época, a CBS calculou que metade dos ouvintes, ou seja, cerca de três milhões de pessoas, passaram a sintonizar o programa quando já havia começado, perdendo a introdução que informava tratar-se do radioteatro semanal. Pelo menos 1,2 milhão tomou a dramatização como fato, acreditando que estavam mesmo acompanhando uma reportagem extraordinária. E, desses, meio milhão tiveram certeza de que o perigo era iminente, entrando em pânico.

O feito de Welles foi noticiado nos dias seguintes em jornais de todo o mundo. O New York Times de 1º de novembro 1938 estampou a manchete "Ouvintes de rádio em pânico tomam drama de guerra como verdade". Já a edição do Daily News publicou matéria intitulada "Guerra falsa no rádio espalha terror pelos Estados Unidos".

Os paranaenses souberam do programa produzido por Welles no dia 2 de novembro de 1938. O jornal Gazeta do Povo publicou na capa uma matéria intitulada "A Fantástica Força Impressionista do Rádio".

Entre os acontecimentos que marcaram aquela noite está um homem que entrou em uma sala de cinema e gritou aos espectadores, os quais se levantaram imediatamente e saíram a correr da sala de projeção. A matéria também informa que um hospital de Newark tratou 15 pessoas que estariam doentes em conseqüência do choque produzido pela irradiação. Já a central de policia de Nova York calcula em dois mil o número de telefonemas recebidos no espaço de 15 minutos.

A Confusão

A Guerra dos Mundos foi a 17ª obra literária adaptada por Welles para o Mercury Theatre on the Air. O programa da noite da véspera do dia das bruxas de 1938, porém, causou confusão nos ouvintes por misturar elementos tradicionais do radioteatro e do jornalismo. No programa uma transmissão musical é interrompida por um boletim noticioso informando a observação de explosões na superfície do planeta Marte. A cobertura jornalística ganha mais espaço com entrevistas de especialistas e repórteres trazendo informação diretamente dos locais onde estavam ocorrendo.

O momento histórico pelo qual os Estados Unidos passavam é apontado pelos estudiosos como um dos fatores que contribuíram para aumentar a tensão e provocar pânico na população. O professor de radiojornalismo Eduardo Meditsch, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), é organizador do livro "Rádio e Pânico – A Guerra dos Mundos, 60 anos depois", publicado em 1998. O professor lembra que naquele período os americanos já viviam sob a eminência da Segunda Guerra Mundial.

"A chamada crise de Munique ocorreu em setembro 1938, quando Hitler manifestou que era seu direito ter uma passagem para o mar pela Polônia. Outros países tiveram que ceder - o que criou uma tensão internacional muito grande. Isso havia sido noticiado pelo rádio um mês antes da transmissão de A Guerra dos Mundos", conta Meditsch.

Os próprios jornais da época já apontavam o contexto histórico como uma das causas da histeria em massa. "Os fisiologistas atribuem o pânico de ontem à noite aos recantes receios da guerra e a propensão de numerosas pessoas para interpretar erroneamente os fatos em conseqüência de uma audição imprópria e rápida", informou a reportagem da Gazeta do Povo.

Para o professor outro fator que deve ser levado em consideração é o nível cultural e de informação dos espectadores. "As pessoas que entraram em pânico eram aquelas que tinham menos informação e escolaridade, por isso não conseguiram distinguir a realidade da ficção", afirma.

Apenas no último terço da peça o roteiro começa a desfazer o engano provocado nos ouvintes, pelo abandono do formato de programa musical e jornalístico adotado desde o início, passando a uma narração típica do radioteatro. No final da transmissão o próprio Welles admite que a intenção era de pregar uma peça nos ouvintes. "Nós não poderíamos ensaboar todas as suas janelas e roubar todos os portões dos jardins até amanhã à noite. Então fazemos a segunda melhor coisa. Nós aniquilamos o mundo, diante de seus próprios ouvidos e finalmente destruímos a CBS", relata o diretor.

Pela trajetória de Welles, Meditsch acredita que a intenção do diretor era causar a maior repercussão possível, mas provavelmente ele não tinha a dimensão do impacto que sua transmissão provocaria no público, até porque a emissora não era a de maior audiência no horário. "Estava na segunda posição, com cinco vezes menos ouvintes que a primeira. Uma serie de coincidências, porém, fez os ouvintes do programa concorrente mudarem de estação no meio do programa. Aí pegaram justamente a parte onde o radioteatro já havia de transformado em uma transmissão com características do jornalismo", explica.

Repetição

Antes de Welles, outros programas de rádio na França e na Inglaterra já haviam testado os limites da ficção e realidade. Segundo Meditsch, o diretor americano tinha conhecimento e foi influenciado por estes programas. A irradiação de Welles, no entanto, teve maior repercussão porque na época os Estados Unidos já tinham uma rede nacional de rádio, que os outros países não possuíam. "Nestes países o efeito foi localizado enquanto lá teve efeito nacional", afirma o professor.

A versão do diretor americano, porém, não agradou o autor da obra. Da Europa, Wells escreveu desgostoso e acusou Welles de má utilização do texto. A matéria publicada pela Gazeta do Povo relata que Jacques Chambron, agente literário do escritor, disse que a "Columbia tinha obtido a permissão para dramatizar uma irradiação, mas que não fora explicado que a dramatização seria feita com uma liberdade que equivaleria a uma remodelação da obra, tornando-a diferente".

Depois da versão de Welles, A Guerra dos Mundos sofreu ainda mais adaptações pelo mundo. No Equador, conta Meditsch, uma rádio e um jornal, do mesmo grupo, reproduziram a obra de ficção científica como fato verdadeiro. A "brincadeira" provocou revolta popular e os veículos acabaram sendo depredados. Uma transmissão no mesmo estilo realizado no México teria levado até pessoas a cometerem suicídio.

No Brasil, há relatos de uma transmissão da obra de Wells no Maranhão e em Minas Gerais na década de 50. "A transmissão teria feito aviões da FAB (Força Aérea Brasileira) levantarem vôo para perseguir um disco voador", conta Meditsch.

O livro de H.G Wells também já ganhou duas adaptações para o cinema. A primeira em 1952 foi dirigida por Byron Haskin, com os atores Gene Barry e Ann Robinson. A mais recente, de 2005, foi dirigida por Steven Spielberg e estrelada por Tom Cruise e pela atriz-mirim Dakota Fanning.

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