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A capa : 11º álbum de Jorge Ben foi considerado o 6º melhor disco brasileiro de todos os tempos, segundo a revista Rolling Stone | Reprodução
A capa : 11º álbum de Jorge Ben foi considerado o 6º melhor disco brasileiro de todos os tempos, segundo a revista Rolling Stone| Foto: Reprodução

Análise

Tábua de Esmeralda é prova de que havia algo na água de 1974

No álbum Tábua de Esmeralda, em termos musicais, ainda hoje se sobressaem as sofisticações nos arranjos, os corais cósmicos e a métrica ousada, que "estica sílabas e dobra vogais", como relembra o crítico André Barcinski no livro Pavões Misteriosos.

Para além disso, o disco é samba, rock, funk e jazz, às vezes numa música só. O álbum esbanja elegância e coerência mesmo em tempos de exageros e pirações.

Gravado no mesmo ano em que Racional – Volume 1, de Tim Maia (que foi embriagado por uma cultura alternativa e messiânica), e lançado no mesmo ano em que Gita, de Raul Seixas (ocultista de carteirinha) e Pavão Mysteriozo, de Ednardo (um disco que faz uma parábola sobre a ditadura com a ajuda de procissões religiosas), Tábua de Esmeralda é a prova cabal de que existia alguma coisa naquela água de 1974.

Jorge Ben ainda é um mistério. Quando jovem, curtia um rock. Depois, caiu na bossa e foi um dos fundadores de um novo estilo, o samba-rock, em que colocou lado a lado o banquinho, o violão e o suingue da música da Motown – Los Hermanos agradecem. Seu lado "negro", aliás, encontra a melhor definição em Negro É Lindo, LP de 1971 que traz a poderosa "Cassius Marcellus Clay", tributo ao boxeador Muhammad Ali.

Nos anos seguintes, as letras ufanistas e românticas o consagrariam como um músico "tipicamente" brasileiro. "Que Maravilha", "País Tropical", "Fio Maravilha" são dessa fase, assim como "Brasil, Eu Fico", patriotada gravada por Wilson Simonal em plena ditadura militar. Mas em 1974 a coisa ficou mais amalucada.

Tábua de Esmeralda foi o 11.º álbum de Jorge Ben. Eleito pela revista Rolling Stone como o 6.º melhor disco brasileiro de todos os tempos, a obra marca o auge de sua fase mística. E por isso causou espanto. "Ninguém esperava do compositor um disco como aquele: uma ópera mística, espiritual e cósmica, com 12 músicas que pareciam interligadas e abordavam a história de dois alquimistas, Nicolas Flamel (1330-1418) e Paracelso (1493-1541)", escreve André Barcinski no livro Pavões Misteriosos – 1974-1983: A Explosão da Música Pop no Brasil (Três Estrelas).

A alquimia era coisa séria para Jorge Ben. Ele chegou a estudar o assunto com um grupo que, na loucura lisérgica das décadas de 1960 e 1970, teria testemunhado a transmutação do metal em ouro. É sério: o músico contou o causo à revista Trip, em 2009. "Tinha um brasileiro, professor ou reitor de faculdade, de São Paulo, não sei se era da PUC. Junto com um grupo sul-americano de adeptos da alquimia, ele viu uma transmutação, em 1958."

O álbum é dominado por divagações espirituais e existenciais – assim como seu correlato Paêbirú (1975), de Lula Côrtes e Zé Ramalho, este sobre elementos da natureza e lendas indígenas."Os Alquimistas Estão Chegando", primeira faixa, descreve o trabalho dos ditos magos. "São pacientes, assíduos e perseverantes/ executam, segundo as regras herméticas/ desde a trituração, a fixação/ a destilação e a coagulação." Pois é.

"Namorado da Viúva" evoca Flamel e sua mulher, uma "bruxa", enquanto "O Homem de Gravata Florida" homenageia Paracelso. Há ainda a "ativista" Zumbi, que, apesar da leveza sonora, narra a venda de escravos para os senhores de engenho. (Ah, antes de tudo. A Tábua de Esmeralda é, segundo consta, um texto escrito pelo faraó egípcio Hermes Trismegisto que deu origem à alquimia.)

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