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Os curitibanos Felipe de Oliveira e Silvestre Neto entram em cena como Sarrafo e Macaxeira, nos espetáculos da Cia. dos Palhaços, com  A Regra é Cômica | Antonio Costa/Gazeta do Povo
Os curitibanos Felipe de Oliveira e Silvestre Neto entram em cena como Sarrafo e Macaxeira, nos espetáculos da Cia. dos Palhaços, com A Regra é Cômica| Foto: Antonio Costa/Gazeta do Povo

Perfis

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Histórias de engraçadinhos

A Cia. dos Palhaços, realizadora do festival Palhaços Pondo a Mesa, tem seis integrantes. Só duas mulheres: Milene Dias, a Sombrinha, e Nathália Luiz, a Tinoca. Entre os rapazes, estão Eliezer Brock (Wilson) e Rafael Barreiros (Alípio), além desses dois aí abaixo:

Macaxeira

Sabe aquele garoto que é a alegria dos colegas e o terror dos professores na escola? Silvestre Neto era um desses, tanto que os mestres aproveitavam as "palhaçadas" do menino para animar a turma nos minutos finais da aula. E lá ia Silvestre cantar "meu pintinho amarelinho...". Passou o tempo do colégio e a pecha de "palhaço" ficou para trás. Não condizia com o curso de Gestão da Informação. Bastava praticar malabares. Já mais tarde, quando se lembrou enfim de que "passar ridículo na frente dos outros" o fazia se sentir "bem", foi fazer oficina de palhaço (agora sem aspas nem qualquer tom pejorativo). Apareceu no Cabaré da Cia. dos Palhaços e improvisou uma cena com o palhaço Wilson (a dupla de Sarrafo). Ao som de "Tears in Heaven", de Eric Clapton, comia e chorava. "Tento buscar uma certa ingenuidade meio corrosiva", diz de si mesmo, como palhaço.

Sarrafo

Com Felipe de Oliveira, não era muito diferente. Outro rotulado de "engraçadinho" em qualquer roda que se metesse. "Mas só tirava 10", avisa. Tinha 12 anos quando um circo armou sua tenda nas vizinhanças. Atrás de uns trocados, o menino foi trabalhar debaixo da lona como vendedor de refrigerante. Não curtiu o palhaço, tradicionalzão. Gostou mesmo do malabarista, alto e magro como ele. Imitou peripécias com três bolinhas, com o domínio de um jogador de futebol. Também pelo esporte, foi fazer faculdade de Educação Física. Aí, as variações com malabares que o irmão de um amigo lhe ensinava viraram tema de pesquisa sobre a coordenação motora envolvida na atividade.

Fazendo malabarismo num evento sem esconder seu lado engraçado, uma palhaça o chamou para participar do seu número. Dali em diante, Felipe embarcou num curso de teatro e formou a Trupe do Barulho com os colegas do condomínio onde morava, até esbarrar no palhaço Alípio, do Circo S. A., com quem montou a Cia. dos Palhaços. É casado com a palhaça Tinoca, ou melhor, com Nathalia. "Gosto quando riem de mim. Fico esperando o momento de fazer o comentário."

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Eles não querem ser chamados de clowns, essa palavra estrangeira, afetada, que sugere sofisticação. São palhaços. Dois belos moços, jovens e altos. Muito altos. Silvestre Neto, vulgo Macaxeira, tem 1,92. Felipe de Oliveira é (pasmem) meio centímetro maior. Uma enfermeira impressionada com tanta altura e ombros tão estreitos o batizou quase numa interjeição: "Sarrafo!" (Que vem a ser uma tira de madeira).

Os dois fazem graça pelos palcos curitibanos com a Cia. dos Palhaços, em espetáculos como A Regra É Cômica e Concerto em Ri Maior. Com a cara limpa, porém, falam sério sobre a arte que abraçaram e os sustenta.

Por que dar tanta importância à estatura incomum dos rapazes? É que a essência de ser palhaço pode estar aí: em assumir as coisas como são. Não tentar disfarçar nem magreza nem gordura. "O palhaço não tem esses melindres das outras pessoas", diz Felipe. "Não tem medo de falar o que pensa. É gordo? É. É vesgo? É." Numa apresentação, ele escolheu entre aqueles que se vo­­luntariavam de indicadores apontados para o céu justamente um espectador a quem faltava o dedo, reparando e alardeando a "deficiência" em alto e bom som. "A plateia só foi relaxar quando viu que o cara se divertia com a gente", conta.

A verdade faz rir, eles sabem, ainda que venha um riso nervoso. Esse é um trunfo do palhaço. Outro é a falta de regras, como diz Silvestre: "O palhaço é um transgressor. Coloca o rei e o mendigo no mesmo plano. Mexe a bunda, passa a mão na cabeça do prefeito e se permite soltar um pum na frente da mãe de alguém."

Uma atitude infantil? Que na­­da. Felipe, ao menos, está convencido de que "palhaço não é para criança". Diz isso muito seriamente, pensando em como a figura cômica circulava pela corte europeia, por exemplo. "O palhaço era quem falava a verdade ao rei, criticando a sociedade. Foi com o circo de lona, nas trocas entre os números e montagens de aparelhos, que ele começou a entrar para distrair e improvisar, passando essa imagem de que palhaço é para criança."

A Regra É Cômica e Concerto em Ri Maior foram criados para um público adulto. Felipe até já fez animação de festa infantil, quando ainda era amador, mas sua arte tomou outro rumo.

Nada bobo

Essa associação com o universo infantil, segundo eles, faz pais chegarem ao fim do espetáculo, dizendo que seus filhos se divertiram, quando foram eles, os adultos, que mais riram. Cria dificuldades, reforça preconceitos.

Nem Felipe nem Silvestre gostam do uso corriqueiro da palavra "palhaço" para dizer que alguém foi inferiorizado ou feito de bobo. Por essa lógica, criticam também que se use o nariz vermelho em protestos. "O bom palhaço só se faz de bobo", diz Silvestre, o Macaxeira. "Tem de ser muito esperto", completa Felipe, o Sarrafo.

Para eles, palhaço é uma construção interior e em mutação. Nunca um personagem, ou seja, nunca delimitado ou fixo. "Quando coloco o figurino e a maquiagem, faço coisas que eu não faria por mim mesmo. Mas ainda sou o Felipe por trás do palhaço", diz o rapaz, sugerindo afinal que o palhaço é, sobretudo, um ser sempre consciente.

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