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 | Miguel Nicolau/Especial para a Gazeta do Povo
| Foto: Miguel Nicolau/Especial para a Gazeta do Povo

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Thomas Pynchon, o autor do livro Vício Inerente (traduzido no Brasil pelo curitibano Caetano W. Galindo), é considerado por muitos o escritor americano vivo mais importante que há. Ele é avesso à mídia, há décadas não dá entrevistas e a única fotografia conhecida dele mostra um jovem que deve ter pouco ou nada a ver com o senhor de 77 anos que é hoje.

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Paul Thomas Anderson, o diretor do filme Vício Inerente, realizou algumas das produções impactantes nas últimas duas décadas: Boogie Nights – Prazer Sem Limites (1997), Magnólia (1999) e Sangue Negro (2007 ).

Imagine que Dude, personagem de Jeff Bridges em O Grande Lebowski (1998), tenha trocado as tardes de boliche por uns baseados a mais. Que de repente tenha deixado de coçar o saco para se virar como um libidinoso detetive particular numa confusa Los Angeles do início dos anos 1970, imersa no que restou da contracultura woodstockiana. É mais ou menos este o papel de Joaquin Phoenix – barba e cabelos compridos, debochado, nada a ver com o protagonista de Her – em Vício Inerente, novo filme de Paul Thomas Anderson.

O diretor sempre arrojado que fez chover sapos em Magnólia (1999), cativou com a doce estranheza de Boogie Nights (1997) e eviscerou a gênese do capitalismo industrial norte-americano em Sangue Negro (2007), resolveu agora adaptar o livro “inadaptável” de Thomas Pynchon. Boa notícia: a audácia venceu o risco.

Vício Inerente é uma viagem caleidoscópica. Pelo plot – detetive em busca de um criminoso excêntrico –, sugere clássicos noir da década de 1940, como À Beira do Abismo (1946), de Howard Hawks. Mas para por aí. Larry “Doc” Sportello, o detetive chapado, é contratado pela ex-namorada, Shasta (Katherine Waterston), para investigar o desaparecimento de seu amante – pois é. Doc reluta, mas embarca na história da femme fatale, e sai em busca de Mickey Wolfmann (Eric Roberts), um dos bambas do mercado imobiliário de Los Angeles.

Como numa trip de ácido, a jornada entra em parafuso. Na caçada a Mickey, Doc surpreende-se com os serviços fornecidos por orientais fogosas numa casa noturna. É atingido, apaga. Em meio a uma cena de crime, Doc acorda e é preso por Pé-Grande (Josh Brolin), um policial desiludido viciado em picolés de banana. É perceptível (ou pode ser parte da viagem): há um subtexto inerente ao andar dessa carruagem lisérgica: a função de Pé-Grande, cabelo bem aparado e vida dentro da lei, parece ser a de confrontar os últimos antimaterialistas de plantão. Colocar em xeque, novamente, os resquícios do Flower Power.

Trilha sonora conta com uma música “nova” do Radiohead

É conhecida e respeitada a parceria entre Johnny Greenwood, guitarrista do Radiohead, e Paul Thomas Anderson. Depois de Sangue Negro (2007) e O Mestre (2012), os dois voltam a “colidir” em Vício Inerente.

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Então, um advogado amalucado (Benicio Del Toro) salva a pele de Doc. e o retira da cadeia. Como numa árvore genealógica cinematográfica, a viagem se capilariza. O detetive (estamos chapados também ou é só ele?) agora tem a missão de descobrir em que Mickey está metido, mas a resposta parece estar perdida numa atmosfera pós-hippie pincelada por drogas, traficantes, consultórios de dentistas, roqueiros fracassados e surfistas, além de sexo eventual e um onírico barco à velas chamado Canino Dourado.

Personagem interessante é Coy Harlingen – Owen Wilson empolado. O sujeito, dado como morto pela maioria dos malucos de L.A., é a chave para que Doc descubra, entre um baseado e outro, o que realmente está acontecendo. Ou se é tudo um sonho, enfim. Apesar de ser um infiltrado em órgãos oficiais do governo, Harlingen é visto durante um pronunciamento de Richard Nixon, presidente dos Estados Unidos que renunciou em 1974 após o escândalo Watergate. O argumento é que, em meio ao público, ele desaparece ainda mais.

Na Los Angeles setentista de Paul Thomas Anderson (sua cidade-fetiche), ainda há ecos da psicopatia de Charles Manson – “mais de três pessoas em um mesmo lugar é seita”, diz um policial a Doc quando o carro em que está, ocupado também por três cocainômanos, é parado em uma abordagem” –, e uma tensão racial sugerida por grupos como “irmandade ariana”.

Como se vê, a narrativa é paranoica. É como se Medo e Delírio em Las Vegas (1998) desse um esbarrão em O Grande Lebowski e tropeçasse em Cidade dos Sonhos (2001). O filme poderia ter 20 minutos a menos, sim. Mas o exagero é parte inerente deste vício. É outra pitada neste cigarrinho de artista chamado Paul Thomas Anderson.

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