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Entrevista com João Batista Araujo e Oliveira, presidente do Instituto Alfa e Beto e ex-secretário executivo do Ministério da Educação (MEC).

As escolas que conseguem obter bons resultados em testes nacionais de educação são aquelas que não seguem a cartilha das secretariais de Educação municipais e estaduais. A opinião é de João Batista Araujo e Oliveira, presidente do Instituto Alfa e Beto e ex-secretário executivo do Ministério da Educação (MEC), em 1995. Segundo ele, iniciativas locais de poucos professores ou diretores são, hoje, as maiores ar­­mas para um sistema educacional praticamente caótico. Oliveira também é colaborador do Instituto Millenium e doutor em Educação pela Florida State University. Leia os principais trechos da conversa.

Após a massificação do ensino fundamental nas últimas décadas, como o senhor avalia a atual qualidade da educação infantil do Brasil?

O que nós sabemos hoje sobre ensino fundamental no Brasil é que é muito ruim. Temos apenas 2.6 mil escolas públicas que atingem um nível razoável de educação. São feitos de escolas isoladas, não da rede de ensino. Quer dizer: sabemos que é possível e como se faz uma escola dar certo, mas o país ainda não aprendeu a montar uma rede eficiente.

O que essas escolas com me­­lhores resultados fizeram de diferente?

Fiz um estudo recentemente com os dados do Ideb (Índice de Desenvolvimento do Ensino Básico). Nele, a gente identificou 12 municípios que têm pelo menos metade de suas escolas com notas razoáveis. Os dados mostram que a escola é boa quando os diretores fazem o contrário do que a Secretaria de Educação pede. Quando fazem o que a secretaria pede, as escolas obtêm um resultado ruim, típico da média de toda a rede de ensino púbica. Nossa interpretação é de que as secretarias de Educação no Brasil não têm muita ideia de como devem operar um sistema. Embora tenham boas intenções, elas atrasam muito a vida das escolas. Tanto por omissão quanto pelo excesso de projetos. Basicamente, o Brasil ainda não aprendeu a operar como rede. Quando você vai a uma agência da Caixa Econômica em qualquer lugar do Brasil, é fácil ver que a operação é igual em todos os lugares. Com as escolas não é assim. Cada uma faz de um jeito. Não há um mínimo de parâmetro, e isso acaba se refletindo no resultado do aluno. Você pega uma cidade grande qualquer, como Curitiba, e consegue resultados na rede municipal com diferenças enormes nas notas do Ideb. Dependendo da escola, o futuro do aluno pode ser totalmente diferente.

O que deve ser feito para que as boas práticas sejam difundidas por toda a rede?

Mudar radicalmente a gestão das escolas e a pedagogia, que deve ser mais adequada ao professor com uma formação muito deficiente, como a nossa. É preciso repensar o programa de ensino: como se dá aula, como se supervisiona o professor, como se seleciona o material de ensino. Hoje, cada escola tem autonomia para decidir o material que vai utilizar. Isso pressupõe que quem escolhe tem competência profissional para tomar essa decisão. Mas será que tem? Os professores que estão aí, formados como foram, estão efetivamente preparados para entender qual o livro adequado para os aluno ? Outro exemplo: nas redes de ensino municipal e estadual, 17% dos alunos mudam de escola durante o ano. O problema é que cada escola tem uma fórmula de lidar com isso. Não há coerência. É preciso avaliar como se administra uma situação dessa. São questões de gestão pedagógica que precisam ser repensadas para a realidade das escolas brasileiras.

O que pode ser feito para atrair melhores professores?

Basicamente, é salário. O salário inicial precisa ser atraente, de forma que o jovem, ao escolher se ele quer ser médico, advogado, dentista ou professor, escolha ser professor. A primeira coisa é essa. A outra é mudar uma sinalização que é feita para a sociedade, que parte sobretudo dos próprios sindicatos dos professores. Eles divulgam a ideia de que a profissão é muito ruim, que se ganha mal, que se sofre muito. Isso é visível inclusive na nomenclatura. Na área de saúde, eles se chamam profissionais da saúde. Na educação, eles se chamam os trabalhadores da educação. Sociologicamente, essas palavras no Brasil têm conotações bastante diferentes. Há uma conspiração do próprio corporativismo contra a imagem da profissão. Isso atrapalha muito.

A diferença entre escola particular e ensino público é realmente gritante?

Sim, ela é gritante. Mas grande parte dessa diferença se explica pela condição socieconômica dos alunos, não por causa da escola. Nós sabemos, porém, que nas questões que podem ser comparadas, as escolas privadas são mais eficientes por terem maior flexibilidade. No ensino médio, por exemplo, as piores escolas privadas são melhores do que as melhores escolas públicas. São dois mundos à parte.

Mas se comparada internacionalmente, a qualidade da educação privada brasileira é boa?

É muito aquém do que deveria ser, sem dúvida. Poderia melhorar 20% a 30%, pelo menos. Eu imagino que, à medida em que o setor pública vá melhorando, o Brasil começa a tomar consciência da importância da qualidade da educação, e o ensino no setor privado também melhore, para continuar competitivo.

Como o senhor vê o papel da elite no sistema educacional público?

É uma postura suicida. Não dá para acreditar que, com o nível de analfabetismo que temos na população, o país estará salvo. O que a gente nota hoje é que há uma consciência de alguns setores empresariais, que precisam de mão de obra de qualidade, de que a educação pública é importante. O que não há é uma clareza dessas pessoas de que tipo de medidas são eficazes. Agora, eu não acho que é papel do setor privado encontrar soluções. O que ele tem de fazer é apontar problemas, se indignar e cobrar resultados. Quem ganha eleição e se elege tem que dar as respostas.

O senhor disse que os melhores exemplos de educação partiram de iniciativas de um pequeno grupo. Dar maior autonomia para as escolas é uma saída?

Para funcionar bem, a escola precisa ter autonomia. Mas há um paradoxo aí: o problema é que no Brasil o poder público dá condições tão ruins, que as escolas não têm meios para exercer essa autonomia. A questão da alfabetização infantil, por exemplo. Há 30 anos o Brasil trilha por um caminho equivocado, com orientações erradas para a formação das crianças. Se você pegar as cartilhas distribuídas pelo MEC (Ministério da Educação), não tem uma que resista a uma análise científica rigorosa. Todas propõem estratégias de alfabetização ineficientes. A prova disso é o resultado que nós temos. Se você dá autonomia para pessoas que não têm o conhecimento ne­­cessário para tomar certas decisões, não funciona. O que nós te­­mos de aprender, nesse contexto brasileiro, é delimitar quais os espaços de autonomia que são importantes para uma escola exercer e, principalmente, quais metas ela precisa atingir para exercer essas autonomias. Você não pode dar autonomia para uma escola em que o diretor foi indicado por um vereador. Isso não funciona.

Como o senhor vê o impacto dos sindicatos dos professores na melhora (ou não) da educação?

Há uma resistência muito grande dos sindicatos em aceitarem programas de incentivos e bonificação a professores, baseados no desempenho do aluno, uma prática comum em outros países. O problema no Brasil é menos de sindicalismo do que de corporativismo. A educação passou a servir a todo mundo, menos ao aluno. Serve para o político, os diretores, os professores, mas o aluno não aparece nesse cenário. Cada um quer pegar seu pedaço na educação. O sindicalismo obviamente deve lutar pelo direito dos trabalhadores e parte importante do sindicalismo convencional é a questão da igualdade formal. Historicamente, na tradição sindical, se diz que todo mundo que é formado pela corporação é competente. Se a competência é igual, o salário é igual. Quer dizer, na questão da meritocracia, eles são contra por princípio. Mas há vários sindicatos em todo o mundo que já começam a adotar esse tipo de sistema de bonificação por resultado. É possível que isso também comece a mudar aqui.

Sistemas de avaliação como o Ideb são uma boa maneira de avaliar o resultado dos alunos?

É a melhor que temos. E é assim que se faz em outros países. É um termômetro, que indica se o paciente está normal ou está com febre. No Brasil, tem indicado insistentemente que está com febre alta. Mas esses indicadores servem principalmente para sensibilizar as pessoas e provocar o debate. A cada divulgação de notas a mídia se debruça sobre o assunto. Ou seja: ainda que ele possa ter limitações, o Ideb está exercendo um papel muito importante de catalisar a discussão em torno da qualidade do ensino.

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