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Luiz Guilherme Pozzi: desafio entre Brahms e Liszt | Paulo Pedron/Divulgação
Luiz Guilherme Pozzi: desafio entre Brahms e Liszt| Foto: Paulo Pedron/Divulgação
  • ClássicaBrahms & Liszt: Piano Sonatas Luiz Guilherme Pozzi. Independente (distribuição Tratore). R$ 22,90 (CD) e US$ 8,99 (iTunes)

O pianista paranaense Luiz Guilherme Pozzi, em seu CD intitulado Brahms & Liszt: Piano Sonatas, revela que está mais afiado do que nunca. A sólida fluência sonora, intimidade em gradações de dinâmica e sutil expressividade no toque são alguns dos ingredientes que marcam o compasso deste registro, feito ao vivo. Compostas em 1853, as Sonatas Op. 5, de Johannes Brahms, e em Si Menor, de Franz Liszt, são as mais extensas obras desse gênero do período romântico. Verdadeiros cavalos de batalha. O álbum faz jus ao nome, remetendo-nos às origens do termo sonata, de sonare (latim), onde música instrumental soa aos quatro ventos, em oposição à cantata (música cantada).

O recital inicia-se com a Sonata para Piano Nº 3 de Brahms, em fá menor, obra que funde magistralmente a liberdade do espírito romântico com a arquitetura clássica em incomuns cinco movimentos, um atestado inquestionável de um Brahms ainda jovem (compôs a obra aos 19 anos de idade) e enamorado do estilo clássico que lhe permite, em um mix de medo e respeito, venerar seu ídolo Beethoven. Nesta obra colossal, Brahms chega, inclusive, a fazer diversas alusões tanto no primeiro quanto no terceiro e quarto movimentos às quatro famosas notas iniciais da Quinta Sinfonia do gênio de Bonn (o conhecido "tam-tam-tam-tam"). E o piano se transforma em uma orquestra.

A abertura da obra, "Allegro Maestoso", com seus acordes em fortissimo que cobrem quase toda a extensão do piano, encontra na leitura do pianista Luiz Guilherme Pozzi, por vezes, um tom levemente afobado, afoito, que não vai diretamente ao encontro do intimismo tumultuado proposto e esperado, mas que não compromete a coesão. A plácida leitura realizada do "Andante" transmite a nobreza da imobilidade no instante, o desejo de que o tempo pare. Sublime. Especial destaque para a execução segura do "Scherzo", parte central da obra onde, talvez, se encontre o clímax desse deslumbrante álbum, remetendo-nos aos salões da aristocracia vienense do século 19. O "Finale: Allegro Moderato ma Rubato", um rondo, encontra a robustez necessária que encerra a obra de modo arrebatador, quase sagrado.

São diversas as especulações sobre a origem da "Sonata em Si Menor", do mestre húngaro. Estudiosos afirmam que Liszt, instigado pela leitura da lenda Fausto, de Goethe – um doutor que vende sua alma ao demônio, mas que ao final encontra sua redenção no amor –, encontrou aqui um canal de extravasamento em atitude menos programática. A mesma lenda, vale lembrar, foi conteúdo de sua conhecida Valsa Mephisto.

A extensão e a ausência de interrupções (pausas) entre os movimentos desta obra transformam-se em um enorme desafio, exigindo que o tema central recorrente (exposto logo no início da peça, em oitavas ascendentes e descendentes) seja exposto pelo pianista de modo uno, diferenciado e consistente em todas as diferentes texturas musicais existentes na obra, e que não são poucas. Um grande desafio. Maior, inclusive, que o desafio técnico. Muito maior. Não é difícil encontrar versões incautas que resvalam na monotonia. Culpa do pecado? Não, do pecador. A interpretação, que milimetricamente deve modelar cada compasso, não permite espaço a improvisações. As enormes cascatas sonoras, de alto grau de pirotecnia virtuosística que finalizam abordagens iniciais menos exigentes, podem se transformar em verdadeiros tumultos sonoros desequilibrados quando o artista não cria esse balanço de velocidade perfeitamente acoplado às capacidades técnicas. Caminha-se sobre o fio da navalha. Sobe-se o Himalaia sem tubos de oxigênio. A visão de Pozzi, que condensa momentos de muita luz musical no desafio de fazer tudo isso ao vivo, sem maquiagens, pode ter dado origem a momentos de pequenos desequilíbrios de velocidade e colorido, recompensados pelos momentos de crepúsculo que se elevam num canto de ação de graças sereno, em grande retorno à paz da imersão na natureza. Um dos momentos ápice está na fuga, no centro da obra – sim, uma fuga! –, interpretada de maneira exemplar.

Sem dúvida, duas peças ambiciosas, interpretadas por um artista igualmente ambicioso. Coragem foi a palavra de ordem neste novo álbum que merece ser desfrutado.

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