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 | Miguel Nicolau/Especial para a Gazeta do Povo
| Foto: Miguel Nicolau/Especial para a Gazeta do Povo

Com a fabricação do próximo sucesso de vendas e de reclame, o mundo editorial se confunde com o financeiro. É nervoso. Acelerado. Assume dimensões industriais, criando mais frustrações do que satisfação, tanto para quem está dentro quanto para quem apenas consome os seus produtos. Sempre à margem deste processo, a poesia encontrou em nichos de recepção o seu espaço de sobrevivência. Estes nichos estão hoje sediados principalmente na internet. Não só em sites que divulgam poesia como em editoras que publicam livros e os vendem diretamente aos potenciais leitores.

Em Portugal, o projeto mais interessante desta publicação zen, que faz tudo com calma, meditativamente, numa postura contrária ao mercado, é a editora Averno, coordenada por Manuel de Freitas e Inês Dias. O carro-chefe da editora é a revista Telhados de Vidro que, em 2015, chegou ao seu vigésimo número. As edições têm pequenas tiragens, entre 150 e 500 exemplares, e se destinam a formar um repositório da poesia contemporânea, uma sorte de biblioteca pessoal. Sem mirar as vendas, este selo busca ser uma antologia da poesia contemporânea, resgatando para o editor um papel intelectual, uma função crítica.

O título mais recente da editora é “Capilé”, de Adília Lopes. Adília já faz parte do cânone local, circulando no catálogo do maior grupo português (Porto Editora), mas se mantém editando dentro desta lógica minimalista. Isso revela a força simbólica da circulação meio secreta, que dispensa os rituais das grandes redes de livraria. Em Capilé, ela insiste em seus poemas breves e prosaicos, num desmonte das pretensões eruditas, tão fortes na poesia europeia. É uma poeta de outra geração, mas que estampa a proposta da editora de publicar o que Manuel de Freitas chamou de “poetas sem qualidade”, ou seja, avessos a um triunfalismo estético, social e mercadológico. O poema “Action wrtiting”, de Adília, resume esta postura: “Descomplicar. Não stressa” (p.40).

O próprio título da revista denuncia a consciência dos limites de ser e escrever. Todos temos “telhados de vidro”, ou seja, carecemos de qualquer proteção. É uma atualização da ideia de Eça de Queirós dos “vencidos da vida”.

Como faixa-bônus deste número, vem um caderno de poemas de Adília – “Comprimidos” – em que a miniloquência do discurso da autora é traduzida no próprio título e no formato minúsculo. Sussurra a poeta: “Os ninhos / são quentinhos”. A sensação de acolhimento de ninhos é que nos fica desta leitura de uma revista que congrega poetas portugueses e universais de hoje, propondo-os a pequenas audiências. Na revista fica mais evidente o trabalho poundiano de antologista de editores que querem nos transferir algumas preferências.

Com a reprodução cancerígena dos livros na era da alta rotatividade, e com a falência da crítica, é cada vez mais urgente contar com editores, livreiros e mesmo escritores dispostos a propor seleções a pequenos públicos – geralmente desconsiderados pelo mercado.

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