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 | Elenize Dezgeniski/Divulgação
| Foto: Elenize Dezgeniski/Divulgação

Não haveria isolamento acústico capaz de insular a companhia de teatro CiaSenhas da estrondosa festa que se forma às suas portas quase todo dia, em plena Rua São Francisco. O grupo decidiu fazer o contrário: absorver o ruído de música e conversa em sua nova estreia, “Os Pálidos”. Mesmo nos dias alternativos em que ocorrerá a temporada, de segunda a quinta-feira, uma multidão toma conta da quadra que vai da Riachuelo à Praça de Bolso do Ciclista.

Em alguns momentos, esses rumores serão microfonados e jogados para dentro do local de apresentações, que inclui dois andares do predinho da Senhas.

“A gente vem atrás da relação com o espectador desde sempre, mas cada vez mais nos dedicamos a isso”, contou à Gazeta do Povo a diretora Sueli Araújo.

O título do espetáculo vem de um dos sonhos surreais de “O Discreto Charme da Burguesia” (1972), filme de Luis Buñuel. No trecho em questão, seres mais mortos do que vivos mantêm diálogos de sentido pouco aparente.

Esse alheamento da realidade, com altas doses de confusão, é uma alegoria encontrada pelo grupo para falar da atual situação do Brasil. “Sentimos um acirramento da divisão ideológica, partidária, moral no país”, acredita Sueli. “É fruto de uma transformação não só local, mas do mundo, que questiona a própria democracia.”

Os seres que habitam o espetáculo não são exatamente personagens, mas vozes que refletem essa confusão social.

A perturbação de um grupo aparentemente muito bem resolvido que serve de enredo ao também surrealista “O Anjo Exterminador” é outra referência da peça. “Estamos vendo que o brasileiro não é tão sincero e amistoso como se achava e isso é difícil de engolir: aceitar que nós somos corruptos”, exalta-se Sueli.

Os Pálidos

CiaSenhas de Teatro (R. São Francisco, 35), (41) 3222-0355. 2ª a 5ª às 20h, até 1º de outubro. Classificação indicativa: 12 anos. Entrada gratuita com agendamento pelo endereço ospalidos@gmail.com. Confira mais informações no Guia.

Neste outro longa de Buñuel, de 1962, um grupo da alta sociedade frequenta um jantar e se vê impossibilitado de deixar a sala até o dia seguinte, por alguma força invisível. Enquanto isso, vê caírem máscaras e revelar-se o que há de animalesco no ser humano.

Apesar de os dois filmes serem uma crítica explícita à burguesia, “Os Pálidos” não se refere a uma classe social, mas a todo o “povo confuso, levando bordoada e preocupado em perder espaço e poder” do nosso contexto, nas palavras da diretora.

Experimento

A encenação de “Os Pálidos” usa dois andares da sede da companhia, inclusive com cenas simultâneas pelas quais o público precisa se locomover. Em alguns momentos, as pessoas são estimuladas a conversar também.

Quando o som da rua entra na sonoplastia por meio de microfonagem, acaba fazendo parte da dramaturgia. E o fuzuê faz sentido porque, no enredo, um grupo de pessoas está reunido enquanto percebe algo de estranho acontecendo “lá fora”.

No cenário, a presença de vários vasos de planta simboliza a vida e cria um contraste palpável entre a realidade e o ficcional –tema de grande interesse da companhia desde sua criação, em 1999.

Agendamento

Em sua busca por uma linguagem própria, nascida de dramaturgia quase sempre escrita em casa, o grupo já atraiu a atenção de um considerável fã clube – motivo pelo qual os poucos lugares disponíveis para cada sessão precisam ser agendados (veja no serviço).

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