• Carregando...
A primeira versão de ‘Os Simpsons’, que foi ao ar em 1987: tosco, mas profundamente engraçado | /Divulgação
A primeira versão de ‘Os Simpsons’, que foi ao ar em 1987: tosco, mas profundamente engraçado| Foto: /Divulgação

Por seis ou sete anos, ‘Os Simpsons’ foi o programa televisivo que, através da cultura pop, melhor retratou a civilização ocidental: era um humor fino, capaz de interpretar o cotidiano e incluir piadas em todo e qualquer quadro – sem nunca precisar explicá-las. Era genial porque, além disso, soube dar forma a um universo infinito de coadjuvantes, então os episódios podiam seguir qualquer personagem e ainda assim construir uma narrativa interessante e independente.

A própria cidade de Spingfield tem um papel preponderante para esse sucesso: era um ambiente tangível, em que cada pessoa atravessando a rua, na fila do Kwik E’Mart, do Krusty Burguer, ou sentado assistindo a uma partida dos Isótopos, time de beisebol da cidade, tinha sua própria personalidade.

Tudo isso funcionava em perfeita sincronia enquanto Homer era o espelho perfeito do cidadão americano comum: bonachão com boas intenções, mas de inteligência limitada – e não um mero idiota capaz de desencadear um acidente nuclear após martelar o dedo como é hoje.

Ali, Homer era uma extensão do público, protagonizando momentos tão bizarros quanto divertidos: ele se distanciou de um novo amigo gay, por temer que ele influenciasse Bart negativamente e, para assegurar a heterossexualidade do filho, o levou para caçar veados; foi (injustamente) acusado de assédio sexual por tentar pegar uma bala que estava grudada nas calças da babá de Maggie e duelou contra o ex-presidente George W. Bush que, após se mudar para a rua ao lado de sua casa, roubaria toda atenção de uma liquidação organizada pela família.

Era o contraste perfeito ao modelo já consolidado em uma época em que as pessoas realmente sentavam em frente à televisão para assistir seu programa favorito: enquanto a concorrência apostava em sitcoms “fofinhas” como ‘Três É Demais’ e ‘Cheers’, 'Os Simpsons' se destacavam por romper estes padrões.

A genialidade inicial

Os primeiros curtas do seriado foram exibidos em abril de 1987 e, embora nunca lançados oficialmente, dois anos depois a série chegou à Fox. Logo após a primeira temporada, ele já estava entre os dez mais assistidos da TV norte-americana.

A emissora então tomou uma decisão ousada: enfrentar o Cosby Show, estrelado pelo comediante Bill Cosby, então considerado pela crítica especializada como o “maior sucesso da TV nos anos 80”.

Homer e sua família começaram a aparecer no mesmo horário, Cosby foi perdendo relevância e saiu do ar pouco tempo depois. O sucesso foi tão imediato quanto controverso: a então primeira-dama, Barbara Bush, chegou a chamá-lo de “a coisa mais estúpida” que já viu. Já o New York Times ia na contramão e ratificava: “uma conquista sem precedentes ou similares na história da televisão”.

O show faturava todos os Emmys possíveis, graças a um time de roteiristas recrutado de forma não usual; enquanto outros programas do gênero olhavam para a cena tradicional de humor e para os primeiros passos do stand-up comedy, 'Os Simpsons' olharam para a universidade. “Entre a 2ª e a 8ª temporada da série, pelos menos 80% dos nossos roteiristas eram gente vinda de Harvard”, contou o produtor Bill Oakley, no livro “The Simpsons: An Uncensored, Unauthorized Story”.

Foi uma aposta certeira, que deu a 'Os Simpsons' as referências necessárias para construir um humor inédito na época.

Quando um bom amigo se torna um babaca

Há quase 20 anos, porém, as melhores partes do programa são aquelas que revisitam esse passado já distante. O resto é um desfile de inutilidades, é uma entrega ao desespero por soar cool e atual.

Ok, as histórias contemporâneas são diferentes, mas se o mundo mudou e 'Os Simpsons' precisava acompanhá-lo, por que diabos Marge ainda é apenas uma dona de casa? Presa no passado e em uma rotina entediante, quase nunca há sequer um resquício de humor ali. Já a Springfield, antes capaz de conferir personalidade a cada personagem aleatório, hoje é um poço de tédio: está tudo uniformemente definido há 30 anos e quando algo muda, muda para o pior, afinal, não precisamos assistir Lisa no Facebook ou ver a Taverna do Moe se tornar um lugar gourmet.

‘Os Simpsons’ sempre foi uma comédia, mas antigamente o humor surgia de forma orgânica ou despretensiosa. Ele costumava ter uma inteligência particular, você precisava se concentrar para compreender onde a piada estava. Agora tudo é planejado para a piada perfeita, para aquela “lacrada”.

Era um seriado sobre uma família e por um bom tempo foi sobre isso, sempre mantendo um pé na realidade. Antes era possível ver sua família na TV: o que acontecia a Homer, Marge, Bart, Lisa e Maggie, poderia acontecer com você. Onde isso foi parar?

Em algum momento do espaço-tempo, eles deixaram de ser algo palpável, se tornando apenas personagens idiotas. O que, paradoxalmente, também aconteceu com o elenco de apoio: hoje todos são uma celebridade hypada – ninguém mais é Apu ou Krusty, ninguém mais é aquele seu vizinho inconveniente.

“Os Simpsons já fizeram isto”

Há um clássico episódio de South Park, chamado “Simpsons Already Did It”(“'Os Simpsons' já fizeram isto”). Nele, Butters enlouquece conforme descobre que todos já pensaram em tudo, não há como fazer nada minimamente novo ou sequer motivo para se preocupar com isso, afinal, 'Os Simpsons' já haviam feito qualquer coisa que ele tentasse.

O episódio foi ao ar em junho de 2002 e, naquela época, 'Os Simpsons' estava entre sua 13ª e 14ª temporada. Matt Stone disse que a inspiração veio de sua experiência profissional, de horas e mais horas sentado na sala de roteiristas, até uma ideia surgir e então alguém lhe mostrar que ela não era nenhum pouco original. Por muito tempo, esse espírito retratado por South Park foi a essência d'Os Simpsons': inovador, e não um mero reprodutor dos assuntos em voga.

Talvez o ponto que melhor defina o que 'Os Simpsons' se tornou tenha acontecido em 2015 quando Harry Shearer, que dava voz a personagens como Sr Burns, Ned Flanders, Diretor Skinner e outra infinidade de coadjuvantes, decidiu não retornar ao seriado. Sua justificativa foi simples: “quero a liberdade para fazer outros trabalhos”.

Shearer é o reflexo perfeito do que aconteceu com 'Os Simpsons': após tanto tempo fazendo as mesmas coisas, como qualquer ser humano, ele simplesmente cansou. Você precisa fazer outras coisas e, se não tomar um atitude, talvez fique apenas repetindo as mesmas piadas idiotas em troca de audiência. Mais ou menos como aquele amigo que era o cara mais legal que você conhecia aos dez anos, mas agora, ao reencontrá-lo com 30 anos, percebe que ele se tornou um grande babaca.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]