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Grupo Porta dos Fundos fará série para o canal de humor Comedy Central. | Divulgação
Grupo Porta dos Fundos fará série para o canal de humor Comedy Central.| Foto: Divulgação

Chega a São Paulo no próximo sábado (5), pelo palco do Teatro Safra, uma insanidade chamada “Portátil”, peça teatral feita toda à base de técnicas da dramaturgia de improviso com o selo e os atores do Porta dos Fundos. A peça terá duas apresentações em Curitiba, dias 30 e 31 de março, na Ópera de Arame, dentro do Festival de Teatro da cidade.

Encenado em mais de dez metrópoles brasileiras e em Portugal, o título rendeu ainda a produção de uma série, com segunda temporada já assegurada, para o canal Comedy Central: estreia na tela dia 14 de março, em cinco episódios.

Apenas o último deles será dedicado a um espetáculo inteiro de fato. Nos quatro primeiros, o público poderá se deliciar com um grande making of da turnê e flashes feitos em cidades diversas.

A série explora a convivência entre eles durante as viagens, no camarim, no palco, na van, nas dores e alegrias de carregar um espetáculo sem texto definido, mas nem por isso livre do expediente de ensaios – ao contrário, a preparação demanda até mais exercícios.

O “Estadão” foi acompanhar uma dessas apresentações, a convite do canal Comedy Central, durante a temporada carioca, e conversou com eles no camarim, pouco antes do início do espetáculo.

Serviço

As apresentações no Teatro Safra vão de 5/3 a 17/4, aos sábados (21h) e domingos (19h), com ingressos de R$ 30 a R$ 80. Na TV, Portátil estreia dia 14/3, de segunda a sexta, às 23h, no canal Comedy Central, com horários alternativos.

A graça é saber que nenhuma sessão é igual a outra. Cada apresentação promove um script diferente, partindo sempre das respostas para uma listinha de perguntas feitas a alguém abordado na plateia por Gregório Duvivier e João Vicente de Castro – o time se completa com Luís Lobianco e dois profissionais experts em improviso, o colombiano Gustavo Miranda e o músico Andres Giraldo, que acompanha o elenco no palco, tocando ao vivo a trilha incidental que, como o restante do espetáculo, muda ao gosto da plateia e de cada apresentação.

A princípio, Gustavo se juntou ao grupo para servir-lhes apenas como coach, pronto para treinar os meninos que, como reconhece João Vicente, nada sabiam da arte de improviso. Acabou se integrando ao palco e assina a supervisão artística do espetáculo, ao lado do de Márcio Ballas, mestre no gênero, que também esteve presente nas primeiras apresentações do Portátil.

Entre as perguntas respondidas pelo(a) espectador escolhido(a) estão: “como você nasceu?”, “como seus pais se conheceram?”, “tem uma história da memória da sua infância?” e “qual o seu sonho?”.

Um princípio é não forçar ninguém a falar. Os atores só propõem a “entrevista” a quem está disposto a se manifestar, mas também evitam dar voz aos mais oferecidos. Querem evitar gente que já venha com piada pronta, e a proposta não é essa. Também evitam espectadores muito jovens, que não oferecem longa bagagem a ser explorada.

Diferentemente dos jogos de improviso, que se assemelham a curtas-metragens ou pequenos esquetes do gênero, “Portátil” se enquadra no que chamam de long format.

“Como o Gregório diz, os jogos de improviso são só pênalti e gol, pênalti e gol”, descreve João Vicente. “Aqui, não, aqui é uma partida inteira de futebol. Então, não necessariamente é engraçado. Quer dizer, sempre nego ri, mas pode ser dramático”, completa.

Lobianco emenda: “E é um alívio não ter que ser engraçado. Vai ter piada, mas a gente quer contar a história com tudo o que ela tem, e não a partir de uma piada”, explica. Gregório argumenta: “A história vem antes da piada. A piada vem como consequência. Tem gente que fala em solidão, teve um que contou que o pai morreu, foi muito bonita, é a minha história preferida, as pessoas choravam, o entrevistado chorava, foi lindo. E tinha humor, claro, a gente não consegue fugir disso”.

Como o desenrolar do espetáculo depende sobretudo do público, cada cidade promove uma reação distinta. “Em João Pessoa, a gente abria a peça dizendo ‘você está aqui’, como abrimos sempre, e eles caíam na gargalhada”, lembra João. “Tem o público que quer rir e tem o público que é mais crítico”, diz Lobianco.

Depois de eleger alguém da plateia e obter dali as respostas para as perguntas feitas, o grupo cria “a história improvisada da vida de” fulano(a). A maioria das pessoas não se dá conta de que aquela conversinha inicial é o que vai conduzir o enredo e se surpreende quando eles iniciam a encenação de fato. A procura pelo entrevistado ideal também requer algumas perguntas gerais para a plateia, como “quem aqui acredita em Deus?”, ou “quem aqui é Deus?”. Risos. “Muito obrigado, senhor, pode abaixar a mão.” O enredo só se fecha quando o script consuma o sonho do(a) espectador(a) entrevistado(a). “E não vale resolver o sonho num passe de mágica, com o cara ganhando na loteria, por exemplo, tem que ter um caminho pra se chegar a esse sonho”, fala Lobianco. É assim que o sujeito vai ao teatro para ver seu sonho realizado. Em geral, todos saem satisfeitos com a dramatização, mas é muito comum que um ou outro ator se penitencie depois por não ter tido a melhor ideia na hora certa. Nesse negócio de improviso, a frustração é inevitável, mas a diversão prevalece. “Quando a gente se diverte, o público também se diverte”, constata João.

Para alguns espectadores, a peça vale uma sessão de regressão de idade ou psicodrama, como no caso do entrevistado que falou sobre a morte do pai. “Nesse caso, a gente fez o cara morrendo. Sempre que a gente via que a história ia ser mais barra pesada, a gente ficava com medo. Nessa apresentação, e lembro da aflição que todos nós tivemos - ‘será que a gente vai encenar esse pai morrendo?’ Mas era importante para ele, entrevistado. Aí o Gustavo deitou, entrou num leito de morte, os personagens voltavam para falar com ele em sonho, a gente na coxia estava emocionado e as pessoas chorando”, lembra João. “Teve uma que contou que a história que ela guardava da infância era do irmão se orgulhando de ter aprendido a fazer a suástica. Ela tinha 91 anos, é mãe do Pedro Bial”, conta Gregório. “E ela fugiu da Alemanha pouco tempo depois”, completa. Diretora do espetáculo, Bárbara Duvivier completa a história: “Ela é psicóloga e falou para a gente: ‘Engraçado que eu nunca imaginei que essa teria sido a história que eu contaria da minha infância’“.

Nas contas de Gregório, nada além de 10% do espetáculo se repete entre uma sessão e outra. O repertório fixo fica mesmo por conta das tais perguntas básicas e das estratégias para selecionar alguém na plateia. Os próprios atores procuram fugir da tentação de se repetir. “Se um entrevistado disser que a característica principal do pai dele é teimosia e dali a duas semanas, em outra apresentação, isso surgir de novo, a gente tem que procurar um meio diferente de expressar a teimosia”, diz Bárbara.

O elenco dispensa ponto eletrônico, algo que poderia servir como uma ajudinha externa para a condução do espetáculo, mas soaria como uma trapaça, acredita João. No máximo, Bárbara, sempre presente na cabine de luz, pode auxiliar com um blackout ou com uma alternância no volume do áudio, direcionando a narrativa para um lado ou outro.

Uma regra essencial para que a história cative a plateia é fugir das divergências em cena. “Discutir numa peça de improviso é muito fácil. Se um diz ‘quero isso’ e outro responde ‘não vou te dar’, não funciona”, cita João. Para ganhar a plateia, é essencial que um entre na dança do outro.

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