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 | Miguel Nicolau/Especial para a Gazeta do Povo
| Foto: Miguel Nicolau/Especial para a Gazeta do Povo

“Escrever é fácil, o difícil é fazer anotações”, dizia o Ivan Lessa. Sou do tipo que anota e guarda guardanapos com inícios de sonetos e chaves de ouro. Além desta literatice inútil, guardo com zelo gibis antigos, revistas fora de circulação, cadernos de outras encarnações. De quando em quando, dou uma visitada neste arquivo X, que guarda o escondido em minh’alma. Dia desses, dei de cara com uma antologia de últimas palavras que um dia comecei a preparar. Registros dos suspiros finais pronunciados por homens notáveis que catei aqui e ali e passo a dividir convosco.

Por anterioridade, lembremos Sócrates (399 a.C.). Do alto de sua sabedoria, ele teria dito ao amigo Crito, segundos antes do último gesto: “Eu devo um galo [o bicho, não a nota de 50] a Eclépio; você vai se lembrar da dívida?”. Honestidade socrática. Nada como Nero (68 d.C.) que, imodestamente, lamentou: “Que grande artista o mundo vai perder”. Verdade que as fontes não são confiáveis, passados tantos anos. Há outras versões. Como também há duas para as últimas do poeta Rabelais (1553): “Desçam as cortinas, a farsa acabou”. E a outra : “Estou indo para o grande talvez”. Ambas, boas. Voltaire (1778) não filosofou ao pé da cova. Foi rabugento: “Me deixem morrer em paz”. Seu compatriota Diderot (1784), por sua vez, parecia estar numa conferência: “O primeiro passo rumo à filosofia é a incredulidade” e, logo, apagou.

A mais celebre é a de Goethe (1832): “Mais luz”, pedia antes de descer a treva eterna. Outro alemão dos bons, Hegel (1831), a segundos de desencarnar, concluiu: “Só um homem conseguiu me entender... e ele não me entendeu direito”. O farewell de James Joyce (1941) também foi nesta linha: “Será que ninguém entende?”.

Há os que desdenham a morte, como o historiador escocês Thomas Carlyle (1881): “Então morrer é isso? Ora...” e mais não disse. Contam também que Machado de Assis se mostrou satisfeito aos 45 do segundo tempo. “A vida é boa” teria sussurrado ao amigo Jose Verissimo, para depois virar pro lado e dormir para sempre. Graciliano Ramos (1953) foi mais realista: “Estou acabado”.

Mas, em matéria de descer à temida mansão, nada como José do Patrocínio (1929), político brilhante e grande gozador, citado pelo Sérgio Augusto numa remota edição da revista Bundas. Transcrevo: “condenado pelos médicos a tomar leite humano, pois nada mais o apetecia, à primeira demonstração de dificuldade da enfermeira para por numa colherzinha o leite extraído dos alvos e belos seios de uma ama seca, Zeca abriu um olho e sugeriu: ‘Doutor, não seria melhor eu mamar?’. E nem sequer para mamar abriu mais a boca”.

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