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Lúcia Murat reconstruiu a trajetória de seu irmão caçula | Divulgação
Lúcia Murat reconstruiu a trajetória de seu irmão caçula| Foto: Divulgação

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Documentário

Uma Longa Viagem

(Brasil, 2012). Direção de Lúcia Murat. Documentário. 95 min. Espaço Itaú de Cinema 5 (Shopping Crystal), às 18h50. Classificação indicativa: 14 anos.

  • Heitor Murat Vasconcellos e Caio Blat, ator que o interpreta: uma jornada compartilhada

Há quem diga que Uma Longa Viagem é um filme pessoal demais. Mas não poderia ser diferente, e é até melhor que essa pessoalidade, pela qual optou a diretora carioca Lúcia Murat, tenha sido levada às últimas consequências, sem tantos freios. Afinal, foi uma perda muito dolorosa para ela e sua família que fez despertar o desejo de realizar o longa-metragem, em cartaz desde a última sexta-feira em Curitiba, no Espaço Itaú de Cinema.

Aos 63 anos, Lúcia decidiu fazer Uma Longa Viagem, quando um de seus irmãos mais novos, o pesquisador Miguel Murat Vasconcellos, uma referência na Infectologia brasileira, morreu de um infarte fulminante, em 2009, aos 58 anos. Como eram muito próximos, a cineasta se viu sem chão e a forma com que ela resolveu lidar com o significado dessa perda foi mergulhando em sua história familiar, mais precisamente na trajetória singular de Heitor, o caçula da família, com quem tanto ela quanto Miguel sempre tiveram uma relação afetiva muito próxima.

"Eu sou a mais velha dos três, e antes de mim, nossas irmãs mais velhas têm pelo menos dez anos a mais. São de outra geração. Nós três éramos muito unidos, tanto por causa da idade quanto pela afinidade ideológica mesmo", conta Lúcia, que no fim dos anos 60, início dos 70, ingressou no movimento estudantil e na luta de resistência à ditadura militar. Foi presa e torturada, experiências abordadas em um de seus filmes mais importantes, o longa Que Bom Te Ver Viva, mistura de documentário e filme de ficção, estrelado por Irene Ravache, que conta histórias desse período.

Em Uma Longa Viagem, em sua essência um documentário, Lúcia também optou por borrar um pouco a fronteira entre o cinema de não ficção e o drama. Não que haja algo inventado na história. Ela convidou o ator Caio Blat, com quem sempre tivera desejo de trabalhar, para interpretar o papel de Heitor. A ele, foi confiado um roteiro construído pela diretora a partir de cartas escritas pelo irmão à mãe durante os anos em que esteve longe de casa, viajando pelo mundo.

No início da década de 70, com Miguel na militância e Lúcia presa, seus pais decidiram evitar que Heitor, então aos 18 anos, cumprisse sua palavra, se juntasse aos mais velhos e ingressasse na guerrilha. A decisão foi por enviá-lo a Londres para estudar inglês. Só que o rapaz, apesar de concordar com a viagem, não conseguiria se fixar em apenas um lugar.

Depois de uma temporada na capital da Grã-Bretanha, onde fez amigos do mundo inteiro e iniciou seu envolvimento com drogas mais pesadas do que a maconha, que já fumava no Brasil, partiu para uma longa peregrinação pelo mundo. Cruzou a Europa, o Oriente Médio, passou uma temporada no Afeganistão, atravessou o Paquistão, até chegar à India. Pretendia, e conseguiu, encontrar alguns de seus companheiros na Austrália, recorrendo a todo tipo de meio de transporte: ônibus, carros, trens e barcos.

Nada o impediria de realizar seu sonho, movido por um indomável espírito aventureiro e também por uma variedade de drogas viajantes, que iam do haxixe ao ópio, passando até por cogumelos azuis.

Cartas

Durante todo o período em que esteve longe de casa – Heitor retornou definitivamente ao Brasil no fim dos anos 70 –, ele escreveu cartas. Muitas. "Primeiro elas eram mais ingênuas, literais, mas aos poucos ele foi se revelando um hábil narrador de suas histórias", conta a irmã. No filme, ficamos sabendo que, embora fossem confessionais, e revelassem muito do estado de espírito do rapaz, ele não contava tudo. Filtrava o que talvez fosse chocante, ou preocupante demais para uma senhora ouvir de seu filho.

Impressionada com a verve de Heitor, sua mãe providenciou que as centenas de cartas do filho fossem datilografadas e, assim, as memórias de sua epopeia internacional fossem preservadas. E são elas que servem de base para os monólogos interpretados por Caio Blat, que venceu, pela segunda vez consecutiva, o Kikito de melhor ator no Festival de Gramado (2011), do qual a produção saiu também com o troféu de melhor filme.

Esses depoimentos se intercalam a trechos de várias conversas da diretora com o irmão, que retornou ao Brasil depois de um surto psicótico sofrido quando realizava o sonho de atravessar a Índia a pé. A mãe, avisada pela embaixada brasileira, foi até lá buscá-lo.

Enquanto Heitor e Caio falam, se revelam, ficamos sabendo que ele passou boa parte da vida adulta, após o retorno ao Brasil, entrando e saindo de instituições psiquiátricas. "Hoje ele tem uma vida restrita, mas intensa e fora de hospitais."

Veem-se, nos planos em que o jovem Heitor vivido por Caio Blat narra suas histórias, imagens prejetadas de suas aventuras, assim como obras de videoarte, filmes de época e fotos familiares. Ficamos sabendo, por exemplo, que a família paterna da diretora, os Vasconcellos, são de origem paranaense, do município de Palmas, no sul do estado – em uma sequência do documentário, a cineasta, a bordo de um ônibus, lê, em uma edição da Gazeta do Povo, a respeito da festa em comemoração aos 70 anos de casamento de seus tios.

"Acho que boa parte da força que eu tenho vem desse lado da família, gente do trabalho duro na fazenda."

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