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(A partir da esq.) Rodolfo Richter, David Wish, Juan Quintana e William Carter: sonoridade do passado na íntegra | Jonathan Campos/Gazeta do Povo
(A partir da esq.) Rodolfo Richter, David Wish, Juan Quintana e William Carter: sonoridade do passado na íntegra| Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo

O quarteto britânico Palladians fez dois concertos em Curitiba nesta semana, brindando o público desta capital com uma rara oportunidade de ouvir música barroca em instrumentos de época e interpretação historicamente orientada.

Desde sua fundação, em 1991, o grupo já teve diversas formações, permanecendo desde o início o alaudista norte-americano William Carter. Além dele, a formação atual conta com o argentino Juan Quintana na viola da gamba, o norte-americano David Wish no violino e, no mesmo instrumento, o curitibano Rodolfo Richter. Os músicos de diferentes nacionalidades se encontraram em Londres, onde trabalham. Todos eles são artistas premiados, com importantes gravações, tanto com o Palladians, quanto solo ou em outros conjuntos.

A vinda de Rodolfo à sua terra e as condições em que isso acontece são reveladoras de uma série de limitações da vida musical curitibana. Tendo estudado música aqui, Rodolfo Richter partiu para uma carreira de alto nível na Europa. E assisti-lo novamente na cidade é uma dupla oportunidade: comemorar a excelência de um músico que saiu destas plagas, e lamentar que não possamos aproveitar melhor os laços que unem um músico à sua terra.

Soubéssemos aproveitar esse fator, e Rodolfo Richter viria com frequência à cidade, para concertos, palestras e aulas, aproveitando para talvez visitar a família ou antigos amigos. A principal dificuldade é concorrer com sua intensa atividade no circuito musical europeu.

O retorno a casa começou com um concerto solo de Rodolfo Richter na terça-feira, no Teatro da Caixa, conjugando música antiga e de vanguarda no violino (quem frequentou a Oficina de Música de Curitiba nos anos 1990 deve se lembrar de Rodolfo como integrante de um grupo de música de vanguarda, e irá se espantar com sua atual especialização em música barroca). E continuou com o duplo programa de música barroca do Palladians na Capela Santa Maria: compositores ingleses e alemães na quarta-feira e italianos e franceses na quinta.

O repertório é bem distante da nossa realidade, e exige um ouvido atento e disposto a perceber detalhes inusitados. A música do século 17 e início do 18 tem como principal diferença em relação à tradição clássica moderna o universo de construção dos instrumentos e teorias da organização sonora. Os violinos tocados por Richter e Wish diferem em muito do violino moderno, em arquitetura interna, material das cordas, formato do arco e curvatura do cavalete. Resulta num instrumento muito diferente, com menos volume sonoro e mais riqueza de harmônicos. Alaúde e viola da gamba são instrumentos que caíram completamente em desuso no século 18 e voltaram à cena no século 20, quando o mo­­vimento da música antiga começou a construir réplicas dos instrumentos pré-clássicos.

Além das sutilezas de timbre, a diferente construção dos instrumentos também tem relação com diferentes sistemas de afinação: o sistema moderno, dito temperado, divide a oitava em semitons iguais, para permitir a transposição da música em tons maiores e menores. O sistema barroco tinha uma série de nuanças de entonação, que faziam com que cada tonalidade fosse um universo próprio.

Foi esse passado distante que veio até nós, na quarta-feira, com Locke, Purcell, Buxtehude e Bach, entre outros compositores menos conhecidos. Entre os pontos altos do concerto esteve o momento em que a corda do violino de Richter estourou em meio à execução de uma Sonata de Purcell. Rodolfo continuou tocando com a corda a menos, enquanto as passagens não tinham dificuldade técnica extrema. Em certo momento, pediu licença aos colegas para sair e trocar a corda – e eles aproveitaram a estrutura da música (baseada em uma sequência repetida de acordes sobre uma mesma linha de baixo) para ficar improvisando, enquanto aguardavam o retorno do primeiro violino. A parte final da peça, de extrema dificuldade técnica, revelou por que era o momento exato de repor a corda perdida.

Outro momento brilhante do concerto foi quando William Carter ficou sozinho no palco para tocar Preludio e Fuga BWV 1000, de J. S. Bach. Era a peça do programa mais próxima do grande público, e mais conhecida ao ao violão moderno. No instrumento original soa em toda sua plenitude, uma música em que o timbre era elemento fundamental do discurso sonoro – numa interpretação magistral de Carter.

A capela teve bom público para o concerto, apesar de não estar lotada. Certamente era um concerto digno de se comprar o ingresso com antecedência, e não em cima da hora, como eu fiz. O que talvez indique que precisamos criar políticas mais efetivas de divulgação desse tipo de evento, bem como interligá-los com políticas de formação de plateia.

O autor é doutor em História Social pela USP e professor da Faculdades de Artes do Paraná.

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