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“Óz Mutánt... É assim mesmo que se fala?”, me perguntou em um português meia-boca o diretor inglês Edgar Wright, um fã assumido do trio psicodélico brasileiro de Rita Lee e companhia. Aliás, quase os versos “Você precisa saber da piscina/Da margarina/Da Carolina” (composição de Caetano Veloso gravada em 1968 por Os Mutantes) embalaram as sequências de romance de sua obra mais recente, “Em Ritmo de Fuga”. O nome meio Sessão da Tarde, engana: “Baby Driver”, no original, é um dos filmes de ação mais legais do ano, apesar dos clichês. “Infelizmente a música [“Baby”] não encaixava nas cenas”, lamentou o diretor, que esteve em São Paulo para divulgar o longa, que estreou recentemente em todo o Brasil.

Wright e o ator Ansel Elgort (o Augustus do romance adolescente “A Culpa é das Estrelas”), protagonista de “Em Ritmo de Fuga”, encararam um batalhão de jornalistas, blogueiros e cinéfilos para uma coletiva de imprensa e entrevistas individuais no abastado Grand Hyatt – hotel em que uma garrafinha de água custa mais ou menos o preço de um ingresso de cinema, R$ 25. Bem-humorados, ator e diretor não pareciam incomodados em ouvir uma dúzia de “resenhas ao vivo” ou de responder pela milésima vez perguntas sobre como o roteiro foi criado ou como é trabalhar com os ‘oscarizados’ Jamie Foxx e Kevin Spacey, dois ícones que estão no elenco. “Gosto de falar sobre os filmes”, me disse um simpático e empolgado Wright, pouco antes de vencer os 8 minutos de entrevista individual a que eu tinha direito – a essa altura, já tinha saciado a minha curiosidade sobre com é ter Foxx e Spacey no time. 

Pudera a boa vibe da dupla. No domingo, dia anterior ao junket (o jargão jornalístico para esse tipo de evento), a dupla inundou suas redes sociais com fotos da Catedral da Sé, Vila Madalena, ponte estaiada e o que mais pintou pela frente. No mesmo dia, “invadiram” uma sala de cinema em que o filme estava em pré-estreia, para delírio da plateia. “São Paulo é ótima”, elogiou Wright. 

Trilha 

“Em Ritmo de Fuga” é uma ação frenética que flerta sem dó com os musicais. Um cruzamento de “Velozes e Furiosos” com “La La Land”, só que bom e sem ninguém cantando. Wright abusa da trilha sonora, excelente por sinal, nos 112 minutos em que conta a história de Baby (Elgort), um jovem motorista muito habilidoso, com um passado misterioso, que trabalha para uma quadrilha especializada em roubo de valores. Ele é o motorista de fuga. Não espere grande coisa do roteiro, que é o clichê dos clichês. Baby quer sair da vida do crime, mas se vê preso a uma dívida com o chefão do crime Doc (Kevin Spacey, o Frank Underwood da série “House of Cards”). Ao mesmo tempo se apaixona por Debra (Lily James, de “Cinderela”) e a tenta manter longe de toda a encrenca. 

Se, como roteirista, Edgar Wright foi mamão-com-açúcar, como diretor acertou a mão com gosto. É que o inglês não está de brincadeira – embora relativamente jovem, aos 43, tem belos filmes em seu currículo, como os divertidíssimos “Todo Mundo Quase Morto”, “Chumbo Grosso” e “Heróis da Ressaca”. No novo longa, criou um protagonista que tem um zumbido constante no ouvido que o leva a escutar música, literalmente, o tempo todo. Baby praticamente não tira o fone do ouvido. É a deixa para fazer uma película de ação praticamente sem silêncio. O filme foi construído em cima da trilha, ao contrário do que geralmente acontece. “Todas as canções já estavam na primeira versão do roteiro, em 2011. Depois, fomos conseguindo as licenças para usar algumas delas. Quando começamos a filmar, pudemos coreografar as cenas com as músicas”, contou o diretor. “A música é o que muda o sentimento das cenas”. 

De fato é. “Bellbottoms”, do trio alternativo Jon Spencer Blues Explosion, faz o pezinho balançar na poltrona já na cena de abertura, uma perseguição de carro tão alucinante quanto absurda – tudo aquilo que o gênero pede. Wright resgatou até mesmo “Hocus Pocus”, da banda holandesa de rock progressivo (não tem como uma descrição ser mais obscura que esta) Focus. E funcionou maravilhosamente bem. Ainda tem “Easy” (The Commodores), “Brighton Rock” (Queen), “Let’s Go Away for a While” (Beach Boys). É quase um tributo às músicas que o diretor sempre ouviu. “Escutava muito os discos dos meus pais e ouvia muito rádio, até que comecei a comprar meus próprios discos. Quando eu era adolescente, sempre escutava as músicas que eram mais velhas do que eu [Wright nasceu em 1974]. Coisas dos anos 1960 e começo dos anos 1970: David Bowie, Queen, Beatles, Roxy Music”, conta. 

De um dos discos dos pais veio a primeira inspiração para “Em Ritmo de Fuga”. O roteiro foi criado pensado em uma música canção de Simon and Garfunkel, também chamada “Baby Driver” – “Eles me chamam de Baby Driver/ Uma vez em cima de um par de rodas/ Eu pego a estrada e vou embora”, diz a letra. Esse experimento sonoro era o que o diretor pedia que os atores vivessem. Durante as cenas, eles escutavam as músicas que iriam embalar a sequência. Aí o trabalho era encaixar tudo isso no ritmo e duração de cada canção – trabalho hercúleo e também com muito mérito de edição e finalização. 

Veracidade 

Não dá para ser ortodoxo em filmes de ação. Até porque verossimilhança nunca casou com o estilo. Mas Wright quis dar um toque de perfeccionismo. “Ansel é um bom motorista. Queríamos o máximo de realidade possível”, diz. “Muitas vezes nos filmes de ação o que você vê é o carro indo para um lado e o motorista virando o volante para o outro. Quis fazer os movimentos verdadeiro, como realmente deveriam ser”, completa Ansel. “Aprendi coisas que todo mundo sempre quis, como derrapar o carro”, brinca o ator. Ponto para a dupla. 

Apesar da linguagem moderna, com cortes rápidos e uma cara de cinema descolado, o filme tem um pezinho no retrô. “Tem alguns elementos no filme que são atemporais, como os fifties diner [lanchonetes no estilo anos 1950]. Tem muitos deles nos Estados Unidos, esses restaurantes retrô estão em todos os lugares. Então pensei em como seria para os jovens ir a uma lanchonete no estilo anos 1950. Quando nos lembramos das cenas no restaurante, o filme parece mais old-fashion. E essas cenas têm uma pegada mais cínica, mais romântica. Essa era definitivamente a ideia. É como voltar um pouco no tempo. Nas cenas de crimes e suas consequências, aí quebramos para o presente”, descreve o diretor. 

Seleção de astros 

A proposta do filme combinada ao peso de Wright entre a “nova” geração de diretores foi capaz de atrair figurões para o filme. Jamie Foxx (vencedor de um Oscar de melhor ator por “Ray”) encarna Bats, o criminoso mais barra-pesada do longa; Jon Hamm (ganhador de dois Globos de Ouro pela série “Mad Men”) é Buddy, um bandido simpático e um tanto duro na queda; enquanto Kevin Spacey (com dois Oscars por “Beleza Americana” e “Os Suspeitos”) meio que interpreta um papel-padrão como Doc. Mas é sempre Kevin Spacey... 

“O Jon Hamm eu já tinha em mente. Kevin e Jamie eram as melhores pessoas que eu poderia ter para os papeis. Eu não tinha certeza se eles iriam querer fazer, pois eram personagens menores. Mas eles amaram o roteiro. Começamos as conversas cerca de nove meses antes de filmar. Ambos aceitaram o convite em tempo e isso foi fantástico.”, conta o diretor. 

“Trabalhar com esses ícones foi incrível. Eles são muito generosos. No primeiro dia, Jamie já me chamou para ir a sua casa jogar basquete. Com Kevin, a relação também foi assim”, diz Alsen Elgort, uma estrela em ascensão após arrebatar os corações adolescentes no seu filme anterior. E ele vai muito bem no papel principal, embora o rosto de bebezão não combine lá muito com um às da direção ofensiva. 

A sintonia do time transparece na película. Reflexo de um set divertido. “De repente eu tinha o Jamie Foxx falando para o Flea [baixista da banda Red Hot Chilli Peppers, que fez uma ponta no filme]: ‘nossa, não acredito que estou te conhecendo’”, conta Wright. “Às vezes, dirigindo pela locação, vínhamos juntos em um carro. Jamie então plugava seu telefone e virava o DJ enquanto, no banco de trás, Flea ia fazendo seu airbass”, conta. Uma cena que deveria ser gravada. Parafraseando Os Mutantes, quem visse poderia dizer que são loucos. 

Entre no clima 

A trilha sonora é o que embala o andamento de “Em Ritmo de Fuga”. Você provavelmente sairá do cinema querendo baixar algumas dessas músicas: 

“Bellbottoms” (Jon Spencer Blues Explosion): com o rock quebradão do trio alternativo norte-americano, o filme ganha o espectador já na primeira cena – uma perseguição de carro à la “Velozes e Furiosos”. Essa tem que ouvir em volume de moderadamente para alto. 

“Harlem Shuffle” (Bob & Earl): é provável que você lembre mais dessa na interpretação rebolativa de Mick Jagger, mas a música é um R&B clássicão dos anos 1960. No filme, embala uma cena que mais parece um tributo a “Cantando na Chuva”, clássico com Gene Kelly. 

“Brighton Rock” (Queen): a faixa que abre “Sheer Heart Attack”, disco de 1974 do Queen, é definida como a “música matadora para dirigir”. Precisa mais? 

“Easy” (The Commodores): nem a superexposição em ‘easy radios’ e jantares dançantes tirou a beleza desta música de 1977. Escolha certa para os momentos mais sensíveis do filme. 

“Hocus Pocus” (Focus): você pode passar uma vida sem conhecer a banda holandesa Focus e, sinceramente, não lhe fará muita falta. Mas o riff legalzinho de “Focus” caiu como uma luva para mais uma cena de perseguição de carro.

*O jornalista viajou a convite da Sony Pictures. 

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