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Delegacia de Furtos e Roubos de Veículos (DFRV), na Vila Izabel | Pedro Serápio/Gazeta do Povo
Delegacia de Furtos e Roubos de Veículos (DFRV), na Vila Izabel| Foto: Pedro Serápio/Gazeta do Povo

Moradores dos bairros Vila Izabel e Jardim Botânico, em Curitiba, convivem com uma bomba-relógio prestes a explodir: são vizinhos de delegacias superlotadas da capital e convivem com o temor de que um motim estoure ao lado ou de que ocorra a fuga de presos custodiados nos distritos policiais. Situação semelhante pode ser encontrada em outras regiões da cidade.

O auditor aposentado Pedro Carlos Weiler, 72 anos, sabe bem como é essa situação. Morador da Vila Izabel há 16 anos, ele avista todos os dias pela sua janela a carceragem superlotada da Delegacia de Furtos e Roubos de Veículos (DFRV), onde o espaço para 12 detentos abriga 63, distribuídos em três celas de 5 metros quadrados cada. “Já ouvi disparos e gritos no meio da noite. [Eles] faziam com que eu e minha esposa nos afastássemos das janelas para evitar alguma tragédia. Também já acompanhei uma revista em que todos os presos foram colocados seminus na quadra de esportes nos fundos da delegacia. Foi bem desagradável”, diz.

O vizinho Nilton Getúlio Chiarello, 74, também convive com os riscos. “Já ouvi tiroteio e fiquei bem escondido dentro do apartamento”. No entanto, ele se acostumou com a situação e garante que os casos são isolados. “Aqui sempre foi minha casa. É nesta rua que eu criei meus filhos e hoje recebo meus netos. Bem que eu queria que tirassem a carceragem da delegacia, mas, enquanto isso não acontece, vamos vivendo porque eu gosto de morar aqui e acho o lugar tranquilo”.

Novas penitenciárias só na “promessa”

Para a Secretaria da Segurança Pública e Administração Penitenciária do Paraná (Sesp), a solução definitiva para a superlotação nas delegacias é a abertura de novas vagas no sistema penitenciário, com 14 obras de construção e ampliação no valor de R$ 100 milhões previstas para este ano. Das cinco obras prometidas para iniciar em março, nenhuma saiu do papel.

“Estamos aguardando apenas a liberação da Caixa Econômica Federal (CEF) para iniciar o trabalho”, limitou-se a informar a pasta em nota.

A partir da liberação, a Sesp pretende oferecer no segundo semestre deste ano 598 vagas com o término das obras de ampliação da Cadeia de Campo Mourão e do Centro de Integração Social (CIS) de Piraquara. Já no primeiro semestre de 2018 devem ser abertas mais de 2.400 vagas e o restante até dezembro do ano que vem.

Além disso, a secretaria acredita que o aumento do uso de tornozeleiras eletrônicas, somado às 6.756 novas vagas, contribuirá para zerar o número de presos em delegacias. A Sesp informa que o Comitê de Transferência de Presos (Cotransp) tem se reunido com representantes do Poder Judiciário e do Ministério Público para autorizar a transferência de aproximadamente 150 presos por semana das delegacias para o sistema prisional.

Ademar Stratmann traz sua neta de 12 anos todos os dias para estudar na Escola Estadual José Richa, na Vila Izabel, e acredita que ela fica segura enquanto está ali. “Nós moramos no Cajuru e eu escolhi essa escola pra ela”, conta o aposentado, que também é voluntário da escola. “Ajudei a instalar alarme no colégio e sempre contamos com o apoio da polícia. Até agora não tivemos problemas por causa dos presos que estão ali, mas sabemos que o local não é adequado pra eles”.

A diretora Jussara Reinhardt Luiza trabalha no local há 16 anos e tem a mesma opinião. “Nós sabemos que existem riscos e uma vez presos fugiram de um camburão e entraram na escola à noite, mas, como funcionamos somente no período do dia, nunca tivemos problemas. Nos sentimos seguros aqui”, fala.

Carceragens superlotadas

Como a Tribuna do Paraná já mostrou, o Conselho da Comunidade na Execução Penal garante que a carceragem da delegacia na Vila Izabel não é tranquila. Em janeiro deste ano, os detentos estouraram todas as portas de uma das galerias e tentaram uma fuga em massa com apenas um agente policial para contê-los. Além disso, segundo a última vistoria realizada pela entidade, cada cela tem 3 metros de comprimento por 1,7 metro de largura e chega a abrigar quase 25 pessoas com apenas uma cama de concreto. “Os presos vivem em condições degradantes e desumanas. Já fizeram buracos tentando fugir e conseguem arrebentar as portas com facilidade porque não há manutenção da estrutura”, afirma a presidente do conselho, Isabel Kugler Mendes.

Segundo ela, a maioria dos presos que permanece no local é reincidente, possui até 25 anos e fica nessa cadeia por até cinco meses, situação que já foi comprovada pelo vizinho Pedro Weiler. “A gente percebe que eles estão residindo ali e recebendo visitas periódicas. Só que a delegacia é só um local de passagem do preso, onde ele deveria ficar dois ou três dias até ser encaminhado à penitenciária. Algo está errado”.

A situação da delegacia na Vila Izabel se repete nas carceragens provisórias espalhadas pela capital. Na última visita do Conselho ao 8.º Distrito Policial, no Portão, 50 presos ocupavam o espaço de dez detentos em celas insalubres, sendo que em uma delas não havia nem mesmo latrina e os presos eram obrigados a usar garrafas plásticas.

Já no 1.º Distrito, no Centro de Curitiba, a carceragem com capacidade para quatro presos abrigava 35, sob responsabilidade de apenas dois investigadores que se dividem entre registros de boletins de ocorrência e o cuidado com os presos. “Dois dias antes da nossa visita, um princípio de confusão quase terminou em fuga em massa da carceragem após um preso ter simulado ataque epilético”, relata Isabel.

Situação preocupante

Outro caso que também preocupa o Conselho da Comunidade na Execução Penal é o da Delegacia de Furtos e Roubos (DFV), nas proximidades do Jardim Botânico. Cerca de 55 presos ocupavam o lugar destinado a dez. Mas parte da população desconhece essa realidade. “Tenho minha empresa na frente da delegacia há 23 anos e nunca fui assaltado. Estou em um lugar bem seguro e considero minha vizinhança excelente”, opina o microempresário Fanuel Olivetti, 63 anos. “Moro aqui há 15 anos e nunca vi acontecer nada. Acho bem tranquilo”, completa a estudante de Odontologia Carolina Fraiz, 22.

Já Ana de Castro, 73, acompanhou episódios que a deixaram preocupada. “Vi tiros, a fuga de um preso e, às vezes, escutamos barulho dos detentos”, conta. “Um preso fugiu e saiu correndo aqui pela rua. Eu vi quando ele passou na frente da guarita em que eu trabalho”, recorda o porteiro Rubens Jorge Bahr, 67.

Para Isabel, casos como esses presenciados por alguns moradores apenas evidenciam os riscos de manter os presos em carceragens provisórias superlotadas. “Com as delegacias cheias, aumentam os riscos para todos os lados. Não podemos ter vinte pessoas dormindo em quatro ou cinco colchões e em cima da latrina por meses a fio e achar que estamos recuperando alguém. Desse jeito é uma luta em vão”, alega.

Segundo ela, todos os casos foram informados ao Departamento de Execução Penal (Depen) e à Central de Vagas, que organiza o fluxo entre delegacias e penitenciárias. “Ambos se comprometeram a aumentar os esforços para desafogar as delegacias e ainda relataram superlotação em outros municípios, como Campina Grande do Sul, Campo Largo, Quatro Barras e São José dos Pinhais”.

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