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 | LULA MARQUES/
| Foto: LULA MARQUES/

Houve um tempo no Brasil em que o rótulo de “neoliberal” era a crítica principal contra o governo. Foi nos anos 90, quando um conjunto de privatizações, abertura comercial e reformas em áreas como previdência e trabalho serviram para unir um discurso anticapitalista. Agora, o governo de Michel Temer promete reatar o país com essas ideias, com uma espécie de “choque de capitalismo”. Ele deve se preparar para ouvir o mesmo discurso.

Duas décadas depois do auge da crítica ao neoliberalismo, o termo parece quase vazio de significado. Na prática, as reformas dos anos 90 foram um imperativo prático que não tinham muito a ver com a conversão ideológica das lideranças no Brasil e em outros países da América Latina. Encurralados por uma década de isolamento provocado pela crise da dívida, muitos governos da região aceitaram que não tinham opção que não fosse aceitar um papel mais relevante dos mercados.

O rótulo neoliberal servia para desqualificar qualquer coisa que soasse como uma redução do papel do Estado. Conforme o mundo foi abalado por crescentes crises financeiras, a crítica ganhou musculatura e serviu como plataforma para uma mudança política no início dos anos 2000, inclusive no Brasil. Os críticos do neoliberalismo tiveram uma chance única e, como mostra o desempenho da economia brasileira nos últimos quatro anos, sua solução alternativa não se mostrou sustentável.

O governo Temer não tem muitas opções, como nos anos 90, mas provavelmente seu choque de capitalismo será muito gradual. Haverá resistência a medidas mais profundas, de todos os lados do espectro ideológico, inclusive na ala política que assessora o presidente – ele mesmo fruto de um governo que criou as “políticas anticíclicas” que desembocaram na crise. Eles iriam por outro caminho se tivessem escolha.

A falta de uma convicção real sobre qual a forma de economia que o país quer é o grande buraco nas escolhas do governo. Isso aconteceu nos anos 90, quando, no fundo, não houve a abdicação do Estado grande. No Brasil, entramos nos anos 90 com uma carga tributária pouco maior de 20% do PIB e ela chegou a 30% no fim da década. Continuou crescendo até o ano passado. O governo não abriu mão, mesmo no auge das privatizações, de ter uma mão forte em vários setores – é o que explica o peso atual do BNDES e o tamanho dos bancos públicos.

Há bons fundamentos teóricos para o país escolher um caminho liberal de fato, com maior liberdade econômica e um sistema político menos marcado pelo compadrio. Mercados integrados à economia internacional são mais produtivos e ricos. Empresas privadas, expostas à competição e em países com bom ambiente regulatório, prosperam mais do que aquelas que são protegidas, estatais ou não, ou do que aquelas que operam em ambientes inóspitos.

Temer tem a chance de – se resistir à crítica contra o neoliberalismo e à pressão de fazer o governo crescer para atender grupos de interesse – dar início a uma transformação no debate sobre o papel do Estado. Fazer concessões, privatizar empresas e atualizar marcos regulatórios são um bom recomeço, desde que o benefício para o país seja claro. Nada disso significa vender o país no mercado paralelo para as multinacionais ou provocar a pobreza e a desigualdade, como dizem os críticos das reformas. Boa política econômica é aquela que consegue inserir mais pessoas ao universo do trabalho, com acesso a bens de consumo e serviços.

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