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Lançamentos em série, vendas meteóricas, escalada de preços. Esqueça. Tudo isso ficou no passado do mercado imobiliário brasileiro. Com a crise político-econômica, os negócios no setor esfriaram. Houve estabilização de preços e, com o freio no consumo, os estoques de unidades prontas cresceram. Ano passado, as vendas de imóveis encolheram 35% e não dão sinal de recuperação. Para ganhar a confiança do agora supercauteloso consumidor, construtoras e imobiliárias já oferecem promoções de até 20% de desconto e negociam melhores condições de pagamento. No segmento de imóveis usados, que precisa concorrer com a grande oferta de novos, as reduções de preço são mais frequentes, mesmo em cidades como o Rio, considerada a melhor praça do setor no país.

A demanda persiste. Mas, a exemplo do que acontece na economia, passa por um período de ajuste, após uma época de euforia em negócios para investidores, construtoras e compradores. Agora, para garantir a venda de um empreendimento, afirmam especialistas, é preciso oferecer um produto finamente adequado à demanda, casando localização, qualidade e preço. Isso vale para todas as categorias, dos projetos para a classe média aos top de linha.

Saldões são estratégia para reduzir estoque em São Paulo

Vendas caem 35%, e construtoras oferecem desconto de até R$ 300 mil

O ano de 2014 foi o mais fraco dos últimos dez anos para os negócios no mercado imobiliário paulista, terminando com um recorde de imóveis encalhados. Por isso, a primeira semana deste mês foi marcada por um festival de promoções das construtoras em São Paulo, com ações que lembram até os feirões da Caixa e descontos que chegam a R$ 300 mil.

De acordo com o Secovi-SP, sindicato do setor, o estoque de imóveis residenciais novos no estado fechou 2014 em 27.225 unidades - o maior número desde 2004, início da série histórica. Já as vendas ao longo do ano passado caíram 35,2% na comparação com 2013, ficando em 21,6 mil unidades.

- O grande problema hoje é a falta de confiança do consumidor e do empresário. Isso fez o mercado esfriar - disse Cláudio Bernardes, presidente do Secovi.

O cenário no mercado de imóveis comerciais não é muito diferente. Números da Jones Lang LaSalle (JLL), que mapeia o movimento dos negócios de escritórios “classe A” das áreas nobres de São Paulo, mostram que o mercado tem a maior taxa de vacância desde 2009, de 22,8%.

- É um índice alto. Consideramos que a taxa está equilibrada quando gira em torno de 10% ou, no máximo, 15% - explicou Guilherme Soares, diretor de Gestão de Projetos e Desenvolvimento da JLL.

Reflexo do esfriamento dos negócios, os preços nos dois segmentos, que subiam fortemente nos últimos anos, vêm desacelerando. Dados do Secovi mostram que os imóveis residenciais ficaram 7,39% mais caros em 2014 - percentual pouco superior à inflação do ano medida pelo IPCA, de 6,4%. Até 2013, os preços desse segmento de mercado subiam a taxas de dois dígitos.

José Roberto Federighi, diretor-geral da Brasil Brokers em São Paulo, diz que, apesar do estoque elevado, a acomodação dos preços é passageira. Segundo ele, em razão do novo Plano Diretor da cidade, que restringe as construções em áreas centrais dos bairros, privilegiando corredores próximos a grandes vias, os preços devem voltar a subir.

- A tendência é que os novos lançamentos, depois da absorção desses estoques, retomem uma trajetória ascendente de preço - disse Federighi, reconhecendo que o ritmo de lançamentos dos últimos anos, de 31 mil unidades, diminuirá. - De qualquer forma, este será um ano de oportunidades para o consumidor.

Na tentativa de queimar os estoques e abrir caminho para novos lançamentos, as construtoras passaram a organizar verdadeiros saldões.

A Tecnisa, por exemplo, divulga a promoção Mega Bônus, que promete descontos de até R$ 60 mil na Grande São Paulo e de até R$ 40 mil na capital. É o caso de um apartamento de 86 metros quadrados e três dormitórios na Vila Maria. O preço original era de R$ 495,25 mil. Na promoção, sai a R$ 455,25 mil.

A PDG, por sua vez, garante que os descontos em imóveis de até quatro dormitórios chegam a R$ 321 mil. A Gafisa tem feito campanhas que isentam o cliente da correção do Índice Nacional da Construção Civil até que o imóvel fique pronto.

Até sites que reúnem anúncios estão organizando páginas especiais com promoções. O Zap colocou no ar na sexta-feira o site www.novos.zap.com.br, com ofertas que prometem descontos de até 28% em São Paulo e Rio.

Ainda não há perspectiva, no entanto, de uma queda geral nos preços das residências na capital. Bernardes, do Secovi, explica que o novo Plano Diretor Estratégico da cidade, que eleva o valor das outorgas onerosas, puxa os preços para cima:

- O que a demanda mais fraca poderia ter de efeito na redução do preço, o Plano Diretor acaba compensando, por causa do custo mais alto de construção. Não vemos queda de preço futura.

O consumidor — arisco pelo retorno do medo do desemprego e com o orçamento mais apertado — teme ainda investir em um mercado que deve acompanhar a variação da inflação em 2015, perdendo a atratividade dos últimos anos. Pesam ainda nessa conta a queda no preço dos aluguéis e fatores como segurança e mobilidade urbana.

Em Brasília, o mercado está quase parado

Desaceleração da economia e burocratização estão entre as causas

O mercado de compra e venda de imóveis novos em Brasília está praticamente parado. A desaceleração da economia e a burocratização para aprovar os projetos são apontadas como os maiores problemas por empresários do setor. Segundo Túlio Cesar Barbosa Siqueira, presidente da Rede Brasília de Imóveis - que congrega sete imobiliárias -, as incorporadoras pararam de construir novos empreendimentos, e os imóveis comercializados e entregues no momento foram lançados na planta há dois ou três anos.

- As vendas de apartamentos novos com um ou dois dormitórios caíram. Antes, eram vendidas de dez a 12 unidades por mês, hoje são cinco. E as imobiliárias estão oferecendo bons descontos, de 5% a 20% - disse.

O presidente da Associação de Empresas do Mercado Imobiliário do Distrito Federal, Paulo Muniz, considera que o mercado se retraiu nos últimos anos:

- Há seis anos, começamos a ter muita dificuldade na aprovação de projetos. Temos documentos que estão levando até três anos para serem aprovados. Há oito anos, eram liberados em até 120 dias.

Muniz enfatizou que os lançamentos em 2014 chegaram a pouco mais de duas mil unidades, número que não agradou.

- Consideramos um número muito pequeno. A perda de agilidade do governo na liberação dos projetos fez com que muitas incorporadoras perdessem o ciclo virtuoso dos lançamentos na cidade, e o mercado se retraiu. Em 2010, chegamos ao segundo lugar no ranking brasileiro. Hoje, ocupamos o sétimo - afirmou.

No caso de imóveis usados, diz Siqueira, a tendência é a mesma, e o mercado está praticamente parado. Antes, eram vendidas de oito a dez unidades/mês. Agora, não são mais de duas. Para ele, a retração na economia é a principal razão para esse comportamento. Apesar do funcionalismo público na capital, ele avalia que há muitos terceirizados e que eles se preocupam com o futuro antes de assumir dívidas.

- Mesmo aquele casal que tem renda média de R$ 12 mil a R$ 15 mil, que não são os funcionários públicos mais graduados, está mais cauteloso. Muitas vezes, comprava-se um segundo imóvel para investir ou trocava-se por um maior. Agora a preferência é por aguardar mais um pouco antes de uma nova compra - explicou.

Até agora, afirma Siqueira, não houve queda no mercado de aluguel, mas as imobiliárias recomendam aos proprietários que procurem manter seus inquilinos, com uma boa negociação.

O arquiteto Roberto Guedes, de 33 anos, economiza há algum tempo e busca desde setembro o imóvel ideal para viver confortavelmente. Ele pretende gastar até R$ 250 mil, mas os preços estão muito elevados para a qualidade do que é entregue ao comprador:

- As dificuldades são muitas. As opções próximas ao Plano Piloto (bairro central de Brasília) têm espaço mínimo e falta conforto. Quando olhamos para os bairros mais afastados do Centro, como Águas Claras, os imóveis têm preços mais acessíveis, mas aí a falta de mobilidade urbana faz a qualidade de vida cair. A gente anda muito e acaba encontrando mais do mesmo, falta diversificação de produtos imobiliários.

O bancário Rodrigo Hori, de 33 anos, financiou há seis meses, um apartamento de dois quartos, suíte, banheiro social, dependência de empregada e garagem, na Octogonal, bairro de classe média. Ele comprou o imóvel, de 75 metros quadrados, todo reformado, por R$ 580 mil. Segundo ele, foi um bom negócio, com preço abaixo do mercado, porque o dono tinha pressa:

- Acredito que meu imóvel, por estar reformado, já vale uns R$ 700 mil. Não consigo ver desaquecimento em Brasília.

Nesse cenário, a exemplo do que já fizeram ano passado, as construtoras vão reduzir lançamentos em 2015. Em São Paulo, o estoque de imóveis prontos é recorde, com mais de 27 mil unidades à espera de comprador. Em Brasília, as vendas caíram pela metade, puxando redução de até 20% nos preços.

Nos últimos anos, muitos proprietários de imóveis da Zona Sul, Niterói, Barra e da Grande Tijuca passaram a se sentir milionários. Tudo graças à incrível valorização das residências nestas regiões. Agora o movimento é outro: é preciso ajustar preços. E nem mesmo quem trabalha neste mercado escapa da nova realidade. Elza Salles, gerente de uma imobiliária, está penando para vender seu apartamento de três quartos e 120 metros quadrados na Rua Santa Clara, coração de Copacabana. Anunciado por R$ 1,5 milhão cinco meses atrás, ela não recebeu nenhuma ligação pelo imóvel. Mês passado, Elza baixou o valor para R$ 1,25 milhão. Nada ocorreu. Até o momento, a melhor proposta que recebeu foi de R$ 1,1 milhão, mas insiste no preço pedido:

- É um apartamento que venderia como quisesse antes da Copa. Hoje, tenho dificuldade.

Não é um caso isolado. A valorização na maior parte dos bairros da cidade nos últimos 12 meses ficou abaixo da inflação e chegou a cair em áreas como Lagoa (-1,01%) e Gávea (-1%), segundo dados do Secovi-Rio, sindicato do setor de habitação. Em outros, ficou quase estável: Recreio (0,22%), Flamengo (0,37%) e Botafogo (1,83%) estão entre eles. Em apenas três bairros, a alta superou a inflação acumulada no período, que foi de 7,14% segundo o IPCA: Bangu (25,31%), Centro (9,02%) e Ilha do Governador (7,52%), locais onde a oferta é mais estrita.

Os ajustes estão aí. Quem planeja comprar imóvel novo pode conseguir descontos de até 20%. Quem optar por um usado, deve negociar abatimentos que já chegam, em média, a 10%. Os valores estão estáveis, com oportunidades devido ao freio na economia.

- Os estoques de imóveis novos estão maiores e isso afeta os preços. Mas dificilmente haverá queda relevante em preços de imóveis. A margem do setor é baixa e a saída passa a ser negociar as condições de pagamento - diz João Paulo de Matos, presidente da Ademi-Rio.

O mercado do Rio totalizou 16,9 mil unidades lançadas no ano passado, queda de 20% ante 2013. Este ano, os lançamentos devem cair no mesmo patamar ou até mais. A proporção, diz Matos, dependerá das condições da economia.

Ricardo Humberto Rocha, professor do Insper, destaca que não se trata de bolha imobiliária no Brasil. Mas vê a retração em lançamentos como algo inevitável, repetindo ou superando a taxa registrada em 2014:

- Esse ajuste levará a dois questionamentos de pontos nebulosos: a real margem das construtoras e os custos do setor.

Para Pedro Seixas, coordenador acadêmico do MBA em negócios imobiliários da FGV, é uma questão de equilíbrio entre oferta e procura:

- A oferta está maior, então é bom para quem quer comprar imóvel.

As imobiliárias estão atentas à mudança. Há comentários sobre corretores independentes trocando de ramo e pequenas empresas optando por funcionários em home office.

- Acabou a época em que o vendedor mandava no mercado. Em 2014, as vendas de imóveis no Rio caíram 35%. Para vender, é preciso seduzir o consumidor com melhor preço, qualidade e produto adequado - diz Rubem Vasconcelos, presidente da Patrimóvel. - Mais à frente, com estoques zerados, o preços tendem a subir.

A RJZ Cyrela concentra esforços na imobiliária própria, treinando o exército de 500 corretores. Não mexeu em preços e condições de pagamento, mas trabalha na adequação de produtos e controla a assinatura de contratos.

- A venda é mais trabalhada. E o produto também precisa ser mais adequado. Se atende à demanda, vende bem - diz Rogério Jonas Zylbersztajn, presidente da companhia.

A PDG, por exemplo, realiza uma espécie de saldão neste fim de semana. No mercado do Rio, vai oferecer descontos de até 20%. Há exemplo de redução de até R$ 450 mil no preço.

- É mais uma questão de conjuntura. Não vejo mudanças estruturais que justifiquem queda de preços no médio prazo - diz Carlos Piani, presidente da incorporadora.

O vice-presidente de Operações no Rio da Brasil Brokers, Bruno Serpa Pinto, espera diversos eventos de feirões na cidade, para resolver problemas pontuais das construtoras:

- Será algo igual ao feito pela indústria automobilística, vamos enxugar o pátio e o setor seguirá.

Rafael Menin, presidente da MRV, pondera que a situação não está tão ruim para o mercado de baixa renda, pois o desemprego ainda não chegou ao segmento. Além disso, os subsídios do Minha Casa Minha Vida são garantidos com recursos do FGTS.

- O Brasil precisa construir um milhão de residências por ano, a demanda segue - avalia.

A Gafisa criou um pacote de medidas para atenuar a cautela do consumidor. Imóveis adquiridos na planta este mês terão taxa zero de reajuste até o fim das obras. A empresa promete indenização em caso de atraso na entrega, além de isenção de juros por parcelas não pagas por até seis meses caso o comprador perca o emprego, diz o diretor Luiz Siciliano.

Esse medo de comprar do consumidor é um dos entraves ao mercado. Por trás dele há mais que a cautela frente ao cenário econômico, com instabilidade de emprego e renda.

- Para o brasileiro, comprar a casa própria é a realização de um sonho. Representa estabilidade, sucesso, numa lógica de resguardo e proteção. Mas agora está atrelada a contratos de financiamento por uma vida inteira. As pessoas têm medo de se arriscar - explica Hilaine Yaccoub, doutora em antropologia do consumo e professora da ESPM-Rio.

Com pessoas fugindo da compra e maior oferta de imóveis, em paralelo, cai o preço do aluguel.

- O ano passado foi o que mais fechei contratos de locação nos últimos cinco anos. Os investidores pularam fora do mercado. Quem tem dinheiro aplicado pensa duas vezes antes de investir num ativo que não vai render mais que a inflação. Isso emperra o mercado - diz Rodrigo Barbosa, do site Morabilidade, com foco em imóveis classe A.

Miguel de Oliveira, diretor da Associação dos Executivos de Finanças (Anefac), alerta para o fato de haver mais dificuldade na concessão de crédito:

- Os bancos estão mais seletivos, exigem mais garantias e estão menos dispostos a dar financiamentos longos, de 35 anos.

Rogério Quintanilha, gerente de vendas da administradora de imóveis Apsa, destaca que a maior dificuldade de vendas está aumentando o número de pessoas ofertando imóveis para aluguel:

- Ficar com imóvel fechado implica em custos. Então os preços começam a cair.

O engenheiro de produção Heladio Fernandes é dono de um apartamento de 60m² na Avenida Lúcio Costa, na Barra. O imóvel - um quarto e sala, com varanda e vista para o mar - está para alugar há dois meses por R$ 5 mil.

- Não tive nenhuma solicitação, então, esta semana baixei o preço para R$ 4 mil e já apareceu um casal interessado - contou ele.

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