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Depois de uma década de crescimento, o emprego com carteira assinada perdeu fôlego. A participação dos trabalhadores formais no total de ocupados, que bateu recorde em meados de 2014, passou os meses seguintes patinando e começou 2015 em queda. Uma retração que, se persistir, pode dar fim a um dos ciclos mais importantes já vividos pela economia brasileira.

ESCOLARIDADE

Para o professor de Economia Daniel Domingues dos Santos, da USP de Ribeirão Preto, a conjuntura econômica não é o principal fator por trás da freada do emprego formal. Para ele, a questão está mais ligada a um fenômeno de fundo: a evolução da escolaridade dos trabalhadores. Ele lembra que, a partir do governo Itamar Franco (1992-94), houve um expressivo aumento na inclusão escolar e no nível de escolaridade dos brasileiros, o que se refletiu no mercado formal.

“Para formalizar um trabalhador, a empresa precisa que ele seja produtivo o suficiente para compensar os encargos trabalhistas. Por isso, acredito que o que conduz a formalização é a produtividade, e esta é determinada pela escolaridade. Como a escolaridade já não cresce tanto, a formalização também perde força”, avalia.

Em maio de 2014, 55,5% de todos os ocupados nas seis maiores regiões metropolitanas do país tinham carteira assinada, o maior índice desde o início da Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do IBGE, em 2002. Em janeiro deste ano, no entanto, o índice caiu a 54,5%, o mais baixo desde junho de 2013. No mesmo mês, quase 82 mil postos de trabalho formais foram fechados no país todo, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho e Emprego.

O forte avanço da formalização a partir de 2004 é tido como um dos responsáveis pelo aumento da renda e a queda na desigualdade. Estudo da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República estimou que o aumento do emprego com carteira e os reajustes salariais responderam por 55% da redução na desigualdade ocorrida entre 2002 e 2012 – foram mais decisivos, portanto, que programas de transferência de renda e benefícios previdenciários. A expansão do trabalho formal também ampliou o acesso ao crédito, ferramenta que sustentou boa parte do crescimento econômico a partir de meados da década passada.

Declínio inevitável

Agora, porém, parece difícil que o emprego com carteira resista à estagnação econômica, depois de ter aguentado com firmeza alguns anos de baixo crescimento do PIB. Segundo Hélio Zylberstajn, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, o que ainda segurava o mercado formal, em meio ao declínio da indústria, eram setores de baixa produtividade, como o comércio e os serviços. “Foi por isso que, durante um tempo, houve crescimento do emprego sem haver crescimento do PIB. Mas esse processo parou. Tudo leva a crer que teremos perda de empregos formais neste ano”, diz.

Rodrigo Leandro de Moura, pesquisador e professor do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da FGV, também vê risco de retração, dado o cenário de contenção de gastos do governo e alta de taxas de juros. “Vai ser um ano difícil, de forte ajuste do mercado de trabalho”, avalia. “Em 2014, houve um aprofundamento das demissões na indústria e isso se propagou um pouco para a construção civil. A expectativa para este ano é que o setor de serviços, o último que sustentava a geração de empregos formais, também passe a demitir.”

Adeus, carteira de trabalho

O mais comum é que a saída do mercado de trabalho ocorra por perda do emprego. Mas, em alguns casos, é uma opção do próprio trabalhador:

MAIS LIBERDADE

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O designer de moda Luan Valloto trabalhou por três anos como funcionário de uma empresa de confecções, mas está prestes a deixar o emprego com carteira assinada. A partir de abril, vai se dedicar à carreira solo, trabalhando em seu próprio atelier. Para ele, sair do mercado formal foi uma opção pela liberdade. “Quero fazer as coisas do jeito que penso e acredito. Para mim, as coisas têm de ser emocionantes o tempo todo. Muita estabilidade não funciona para mim”, diz. Valloto, que pretende trabalhar com artesanato local e o conceito de sustentabilidade, admite que o momento não parece ser o mais propício para se lançar numa aventura. “Vejo todo mundo com expectativas ruins para o mercado. Talvez não seja o momento ideal para deixar o emprego, mas é o momento que eu quero.”

MAIS DINHEIRO

Rosângela Stanski desistiu do emprego com carteira assinada há alguns anos, quando o mercado formal ainda estava em plena expansão. Ela trabalhava como encarregada em uma empresa de limpeza, onde ganhava pouco mais que um salário mínimo. “Pagavam pouco e exploravam demais. Eu era encarregada de limpeza em uma faculdade e, se uma colega faltasse, tinha de dar conta de todo o trabalho sozinha, sem ganhar nada por isso”, conta. Em 2009, Rosângela decidiu trabalhar como diarista. Se por um lado perdeu benefícios trabalhistas e previdenciários, por outro passou a mandar no seu horário de trabalho e a receber bem mais. Trabalha quatro dias por semana e recebe perto de R$ 2 mil por mês. “Com o trabalho de diarista, consegui comprar meu carro e reformar a minha casa.”/ra/pequena/Pub/GP/p4/2015/03/06/Economia/Imagens/Cortadas/RosangelaStanski19An-ks1B--1024x707@GP-Web.jpg

Atividade por conta própria volta a crescer

Não foi apenas o mercado formal que recuou no início do ano. Segundo o IBGE, o total de ocupados nas seis maiores regiões metropolitanas baixou de 23,2 milhões para 23 milhões de pessoas. Algumas categorias, no entanto, ganharam terreno. Foi o caso do emprego informal e do trabalho autônomo. Nas principais regiões metropolitanas, a proporção de empregados sem carteira assinada aumentou ligeiramente, de 13,3% do total de ocupados em dezembro para 13,5% em janeiro. O trabalho autônomo cresceu mais. Os trabalhadores por conta própria, que em dezembro eram 18,7% do total, passaram a 19,5% em janeiro, o nível mais alto desde junho de 2007. Esse tipo de ocupação voltou a crescer em 2014, após alguns anos de declínio.

Chama atenção o aumento da distância entre as participações dos trabalhadores informais e dos autônomos no total de ocupados, que atingiu a marca recorde de 6 pontos porcentuais em janeiro.

Até o início de 2009, havia mais gente ocupada sem carteira assinada que trabalhadores por conta própria. Essa relação se inverteu naquele ano, provavelmente como resultado da instituição da figura do microempreendedor individual em 2008, e a diferença vem se ampliando desde então. (FJ)

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