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| Foto: ANDREA PATTARO - AFP/ANDREA PATTARO - AFP

O aquecimento global já está deteriorando o clima do planeta. Agora, está também causando impacto nos tribunais à medida que adultos e crianças do mundo inteiro tentam convocar o judiciário em suas tentativas de moderar a mudança climática.

Nos Estados Unidos, uma organização sem fins lucrativos especializada em direito ambiental está processando o governo federal em nome de 21 jovens. Indivíduos no Paquistão e Nova Zelândia entraram com ações para forçar seus governos a tomar uma ação mais forte no combate à mudança climática. Um produtor rural do Peru processou uma gigantesca fornecedora de energia alemã por sua contribuição para o aquecimento global.

E, ainda que os argumentos possam ser anticonvencionais e surpreendentes, algumas das ações estão avançando.

Em abril, um juiz federal do estado norte-americano do Oregon espantou muitos especialistas jurídicos ao aceitar a continuidade da ação movida por 21 adolescentes e crianças, apesar de moções do governo Obama e das empresas de combustíveis fósseis pedindo sua rejeição; o processo forçaria o governo a tomar ações mais agressivas contra a mudança climática.

Michael B. Gerrard, diretor do Centro Sabin para a Lei da Mudança Climática da Faculdade de Direito Columbia, qualificou a decisão de potencialmente histórica. “É a primeira vez que um tribunal federal sugeriu que o governo pode ter o dever constitucional de combater a mudança climática, e que os indivíduos podem processar para aplicar esse direito”, ele avalia.

Já outros especialistas jurídicos duvidavam que a ação progredisse tanto. “As alegações constitucionais são novidade, para dizer o mínimo. Acho muito difícil que o caso tenha sucesso na Suprema Corte, se ele chegar tão longe, e talvez nem sequer sobreviva à segunda instância”, afirma David M. Uhlmann, ex-promotor público federal de crimes ambientais que leciona direito na Universidade do Michigan.

Os jovens autores da ação, liderados pela ONG ambiental Our Children’s Trust, argumentaram que o governo Obama e seus antecessores dispunham de provas amplas dos riscos da mudança climática e “intencionalmente ignoraram esse perigo iminente”.

Victoria Barrett, uma das autoras, do condado de Westchester, estado de Nova York, afirma que as gerações mais velhas ignoraram a ameaça ao planeta ainda que as provas científicas do aquecimento se tornassem inegáveis.

Os planos atuais e as tentativas de combater a mudança climática não bastam, declara Victoria, 17 anos, acrescentando que sua geração, com sua paixão e ferramentas da mídia social, faria a diferença.

“Queremos que nossos filhos olhem nos livros didáticos e digam: ‘Ah, a geração dos nossos pais lutou de verdade por nós’.”

Argumentos

A ação judicial pede para que os tribunais determinem que o governo pare de “permitir, autorizar e subsidiar os combustíveis fósseis” – por exemplo, cancelando planos para projetos como um terminal de exportação de gás natural liquefeito no Oregon – e “para desenvolver um plano nacional para restaurar o equilíbrio energético da Terra, implantando esse plano nacional para estabilizar o sistema climático”.

Julia Olson, diretora executiva e jurídica do Our Children’s Trust, auxiliou a criar a organização em 2010 ao colaborar com o iMatter Youth Movement, então conhecido como Kids vs. Global Warming (crianças contra o aquecimento global).

Durante entrevista, Julia disse que a meta era buscar uma ação contra a mudança climática nos tribunais como uma questão de direitos humanos, e em nome de jovens. “A maioria deles não pode votar e eles não têm dinheiro para fazer ‘lobby’”, diz ela.

Grupos climáticos voltados a jovens convocaram voluntários e Julia se viu com jovens ativistas muito entusiasmados dispostos a moverem uma ação. A organização é financiada em parte por contribuições individuais e financiamento institucional de grupos como o Rockefeller Bros. Fund, que contribui enormemente com causas ecológicas.

Um processo federal anterior do Our Children’s Trust fracassou em 2012; a organização também move diversas ações na justiça estadual e colabora em vários processos internacionais.

A entidade conquistou uma vitória recente no estado de Washington, quando o juiz Hollis R. Hill, da Corte Superior do Condado de King, determinou que o Departamento Estadual de Ecologia desenvolvesse uma regra para redução de emissões em resposta ao questionamento jurídico do Our Children’s Trust.

Quanto ao processo federal, Julia disse que “estamos otimistas de que a decisão vai afirmar as descobertas e recomendações e nos encaminhar a um julgamento”.

A ação do Our Children’s Trust faz parte de uma onda de ações populares sobre a mudança climática.

No Paquistão, Ashgar Leghari, estudante de Direito, processou o governo no ano passado por conta de atrasos na execução de uma política nacional para a mudança climática que poderia ajudar a reduzir as inundações e secas severas que ameaçam a segurança energética e alimentar do país, bem como a granja da família do autor.

Um tribunal determinou, em setembro, que o governo paquistanês formasse uma comissão sobre a mudança climática para cuidar do que o juiz Syed Mansoor Ali Shah afirmou “parecer ser a ameaça mais séria enfrentada pelo Paquistão”.

Em novembro, o agricultor peruano Saul Luciano Lliuya, processou a RWE, fornecedora alemã de energia, por sua contribuição proporcional à mudança climática global. Os efeitos de eventos climáticos cada vez mais extremos, tais como a seca, podem colocar a agricultura em uma proposição precária, mas os temores de Luciano estão focados no Lago Palcacocha, situado acima de sua cidade e propriedade rural que pode vir a transbordar pelo derretimento das geleiras vizinhas.

“Nós podíamos ver as geleiras derretendo. Elas estavam desaparecendo ano a ano. Alguém tem de ser responsabilizado.”

Um engenheiro conhecido o colocou em contato com o grupo ambientalista Germanwatch, que lhe conseguiu um advogado alemão. Embora possa parecer bizarro um granjeiro peruano processar uma empresa na Alemanha, Noah Walker-Crawford, consultor do grupo, disse que as leis alemãs pareciam auspiciosas para tal ação judicial.

“Seria muito difícil processar nos Estados Unidos ou na Arábia Saudita”, ele afirma.

Os tribunais alemães aceitaram o caso, mas um representante da companhia, Klaus-Peter Kress, declarou que a “RWE não vê base legal para esse tipo de ação”.

Na Nova Zelândia, uma estudante de direito, Sarah Lorraine Thomson, disse que se sentiu inspirada a entrar com um processo por causa da ação da Our Children’s Trust e de uma decisão, de 2015, na Holanda, que determinou que o governo holandês agisse com maior vigor para reduzir a emissão de gases do efeito estufa.

“Ficar sabendo desses casos foi como levar um tabefe na cara – eles também eram apenas pessoas comuns – e eu achei que não tinha desculpas”, escreveu Sarah em e-mail.

Sua ação contra o governo da Nova Zelândia já deu entrada, e ela recebeu declarações de advogados da promotoria pública, mas ainda não foi marcada a audiência.

Julia, da Our Children’s Trust, acredita que os casos nos EUA e no exterior “dão força um ao outro”.

Xiuhtezcatl Martinez, aluno do ensino médio de 16 anos e artista de hip-hop de Boulder, Colorado, que se tornou autor no caso do Oregon após se envolver em um dos processos estaduais patrocinados pelo Our Children’s Trust diz que como a “mudança climática é a grande questão da nossa época, não existe ação judicial de maior importância ocorrendo em qualquer outro lugar dos Estados Unidos”.

Se a ação fracassar, ele espera que novas sejam apresentadas. “As provas vão apenas se tornar mais contundentes”, acrescenta.

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