• Carregando...
 | Christian Rizzi / Gazeta do Povo
| Foto: Christian Rizzi / Gazeta do Povo

Fora de circulação

Cédula de R$ 1 rodava tanto que ficou caro produzi-la

Agência O Globo

Símbolo do plano de estabilização da economia, a nota de R$ 1 teve a morte decretada há nove anos. Seu desaparecimento, entretanto, não pode ser considerado prematuro. Foi habilmente arquitetado pelo próprio criador, o Banco Central (BC). O papel de Darth Vader foi exercido sem piedade, porque o BC avaliou que não valia a pena produzir a cédula. Circulava tanto que acabava suja, rasgada, rabiscada e imprestável em pouco tempo. A Casa da Moeda acatou a ordem e interrompeu a impressão, mas como nos filmes de zumbis algumas notas ganharam sobrevida.

Nas contas do BC, ainda perambulam por aí 149 milhões de notas de R$ 1. Estão perdidas em forros rasgados de bolsas, fundos de gavetas ou reentrâncias de sofás. Sem falar nas que foram desintegradas por impiedosas máquinas de lavar, mas ainda são contabilizadas pelo BC porque não foram recolhidas para serem substituídas por moedas. A pratinha custa mais para produzir, mas dura muito mais tempo. Resiste ao troca-troca de dinheiro para garantir o troco no comércio e, no longo prazo, pesa menos no bolso do contribuinte.

Engana-se quem pensa que só notas velhas estão na praça. As novinhas ocupam espaço de destaque: estampadas com um beija-flor, são guardadas em pastas de colecionadores. E provam que o Plano Real funcionou. Em sites de compra e venda de usados, chegam a valer R$ 100 se estiverem sem uso e com número de série baixo.

Bichos na nota

O Real mudou a cara do dinheiro no país, que deixou de estampar rostos famosos e passou a ter animais impressos. Não foi um desejo do BC deixar de homenagear personalidades brasileiras. É que as famílias dos que recebiam a honra de aparecer no papel-moeda reclamavam que ele perdia valor rápido.

Vinte anos após dar os primeiros passos para a estabilização da economia, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso avalia que o Plano Real não foi apenas um conjunto de técnicas para controlar preços, mas um processo educativo que permitiu ao brasileiro entender como a inflação o prejudicava. Em entrevista por e-mail, ele alerta que, embora o país esteja longe do descontrole de preços, a memória inflacionária ainda é um risco.

Ainda existe risco de descontrole de preços?

Sempre existe a possibilidade de descontrole de preços. Como o governo menospreza a busca pela redução da inflação, mesmo que gradual, limitando-se a sugerir que basta não ultrapassar o teto da meta inflacionária, e como há muitos preços represados por decisão governamental, o risco aumenta. Não creio que seja iminente nem que estejamos diante do que aconteceu no passado, mas é preciso mudar a atitude leniente e estar sempre de olho no que já está indexado.

Por que a inflação se mantém acima dos 6%?

Como se viu na época do Real, há um componente de inércia que conta. Já que os preços subiram e vão continuar subindo, na dúvida, façamos um pequeno aumento. São resquícios da memória inflacionária. Além disso, a política monetária sozinha não dá conta de controlar a inflação. É preciso combiná-la com a política fiscal. E o que estamos vendo, às vésperas das eleições, é afrouxamento fiscal.

O Brasil teve a menor taxa de juros de sua história. Por que não se sustentou?

Desde o governo Lula, o mantra é: mais crédito (público) e mais consumo. Houve pouca atenção ao aumento de produtividade e à atração de investimentos produtivos. Houve mais gastos correntes do governo.

Como é possível retomar a confiança dos empresários?

A visão econômica do governo, registrada pelos empresários como inamistosa, cria um clima de pessimismo. Se a isso agregamos os erros na política econômica e a demora, desde o governo Lula, em enfrentar os gargalos da infraestrutura pelo temor do investimento privado, temos a situação atual de baixo crescimento. Não se pode esquecer também da percepção de que o processo educativo é falho e, com isso, a recuperação dos índices de produtividade se torna mais difícil.

Após duas décadas, quais conquistas se mantêm?

Sem dúvida o Plano Real, que inicialmente era chamado de Plano FHC, marcou uma mudança na vida brasileira que permaneceu: não aceitar a inflação como inevitável e ver que, com ela, não pode haver melhoria real de salário nem, portanto, de bem-estar. O Plano Real não foi apenas um conjunto de técnicas de controle da inflação. Foi um processo educativo que permitiu ao povo entender como a inflação o prejudicava. Deu condições a governos e empresários de maior previsibilidade para gastos e investimentos. O ajuste econômico foi feito sem perdas, mas com ganhos, para assalariados. Estes objetivos permanecem na mente de todos.

Redistribuição de renda e diminuição da pobreza, com Lula e Dilma, foram complementos ao Real?

A preocupação com salários e bem-estar veio antes dos governos Lula e Dilma. Desde o governo Itamar e do meu, o movimento na direção de melhor distribuição de renda, redução da pobreza e melhores condições de vida estiveram presentes. As conjunturas eram mais adversas, sobretudo as internacionais. Entretanto, o sentido de melhoria veio com o Plano Real. Perder estes ganhos com a aceitação implícita da inflação é erro óbvio de condução da política econômica, que leva à perda da confiança dos empresários e à "estagflação" [crescimento baixo e inflação alta], na qual já estamos. Com o tempo, levará a perdas sociais.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]