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No pequeno município de Capanema, no Paraná, um frigorífico acabou de contratar 650 pessoas para iniciar, na próxima quarta-feira, um segundo turno de trabalho. Se hoje a situação surpreende, por ocorrer no meio da crise, há dois anos ela era considerada impossível.

O frigorífico Dip Frangos, que vai ampliar o abate de aves em 70% e para isso precisou contratar, é a antiga Diplomata, do deputado federal Alfredo Kaefer (PSL-PR), que teve falência decretada em dezembro de 2014 por má gestão e fraudes. Apesar dos problemas financeiros, o juiz Pedro Ivo Lins Moreira, da 1ª Vara Cível de Cascavel, entendeu que a empresa era viável e nomeou um gestor judicial. O frigorífico mudou de nome e manteve suas atividades enquanto o processo corre na Justiça.

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Passado mais de um ano da decisão, a empresa consegue gerar recursos para pagar funcionários e custos de manutenção. Os R$ 10 milhões investidos para a ampliação da produção são de recursos próprios. Dívidas com salários atrasados, agricultores, fornecedores, credores e tributos ainda não foram saldadas. Para a administradora da massa falida, a Capital Administradora, isso só será possível quando a empresa for vendida, após liberação da Justiça para a realização de leilões.

Funcionários aguardam pagamentos atrasados

Com 19 anos no frigorífico de aves, o gerente comercial Lauri Ortigara, de 49 anos, aposta na recuperação da Dip Frangos e no pagamento de débitos atrasados, que somam cerca de R$ 110 mil. “Hoje, o pagamento dos salários está em dia”, diz. Ele conta que só não passou por sufoco maior durante o período em que a empresa atrasava os salários porque tem outro rendimento. “A gente dava um jeito de empurrar o vencimento das contas no final do mês e ia ajeitando o orçamento para não sofrer tanto.”

Ortigara ainda não tem planos sobre o que fará quando receber o dinheiro da massa falida. “Penso que será uma poupança para a aposentadoria.” Ele torce para que o frigorífico continue gerando emprego e renda para a região.

Rosemeri Berté, de 30 anos, é outra funcionária que aguarda o desfecho em relação aos débitos pendentes com a massa falida. Ela é auxiliar de produção desde 2012 e tem R$ 4,2 mil a receber. “É um dinheiro que viria em boa hora para ajudar no orçamento em casa”, diz. Segundo ela, o período da gestão do deputado Alfredo Kaefer foram tempos difíceis. “A gente não recebia o salário em dia. Consegui me segurar graças à ajuda do meu marido. A gente pagava uma parte das contas e a outra, negociava.”

No ano passado, a Dip Frangos lucrou R$ 669 mil. Antes da falência, o grupo operava com prejuízos mensais na casa dos R$ 2 milhões. Segundo o administrador judicial Cesar Luiz Scherer, com a ampliação, o abate de frangos saltará de 70 mil para 120 mil aves ao dia, o que exige reforço na mão de obra.

O frigorífico é o principal motor da economia de Capanema, que tem cerca de 19 mil habitantes. De acordo com dados da prefeitura, a empresa é responsável por 60% da arrecadação de ICMS, que no ano passado totalizou R$ 13,9 milhões. O negócio gira cerca de R$ 3 milhões mensais na economia da cidade por conta dos salários dos trabalhadores e da renda de caminhoneiros, postos de combustíveis, mecânicas e outras atividades vinculadas ao frigorífico, que também tem atividades em Cascavel.

Incomum

O caso da Dip Frangos não é a regra quando o assunto é falência. Segundo Juliana Bumachar, sócia do Bumachar Advogados Associados, é, na verdade, uma exceção. “Não é comum a continuidade de uma empresa com falência decretada, principalmente pequenas e médias, que compõem a maioria das que fecham as portas”, diz.

Segundo dados da Serasa Experian, em 2014 houve 648 pedidos de falência de indústrias, número que praticamente se repetiu no ano seguinte, com 644 pedidos. “Prosseguir com as atividades permite que não se tenha um patrimônio estagnado, fadado à depreciação”, afirma Luis Cláudio Montoro, da Capital.

Além da Dip Frangos, também foram mantidos em funcionamento a rede de distribuição de combustíveis Diplomata Petróleo (antiga Dial), que fatura em média R$ 8 milhões por mês, e o jornal O Paraná, da RCK Comunicações, que ainda é deficitário. Ao todo, o grupo conta com cerca de mil empregados e obteve receita de R$ 42,4 milhões em janeiro (último dado disponível), a maior parte com a Dip Frangos.

Criado nos anos 70, Diplomata tem dívida de R$ 1,5 bilhão

A dívida total do Diplomata é de R$ 1,5 bilhão, segundo a Capital Administradora, responsável pela massa falida. Criado nos anos 70, o grupo chegou a faturar R$ 1 bilhão em 2011 e já teve 5,2 mil funcionários. Formado por cerca de 30 empresas, era um dos maiores e mais tradicionais do Paraná.

Após o pedido de recuperação judicial de cinco das empresas (Diplomata, Attivare, Klassul, PaperMidia e Jornal Hoje), em 2012, elas passaram por auditoria feita pela Deloitte, a pedido do juiz Pedro Ivo Lins Moreira, da 1ª Vara Cível de Cascavel.

Em cinco meses de investigações, a consultoria constatou evidências de fraudes processuais e confusão patrimonial, além de descumprimento do programa de recuperação judicial. Em razão disso, a Justiça decretou a falência. Como as irregularidades envolviam as demais empresas, Moreira estendeu a falência para todo o grupo, que incluía, por exemplo, fábrica de ração, shopping center, supermercado e instituições financeiras.

Segundo a ação judicial, o grupo do deputado federal Alfredo Kaefer – que por dez anos foi filiado ao PSDB, mas neste ano ingressou no PSL– dilapidou o patrimônio das cinco empresas que pediram recuperação, transferindo-o para as demais, consideradas sadias, algumas delas recém-criadas. Também foram detectadas movimentações irregulares de compra e venda de empresas e imóveis, simulação de empréstimos, transferência de propriedade e alteração contratual, entre outras.

O processo cita ainda que, em 2010, quando empresas do grupo já apresentavam problemas financeiros e deixaram de depositar o FGTS de funcionários, o Diplomata doou R$ 1,7 milhão para a campanha de Kaefer ao Congresso.

O grupo Diplomata recorreu da decisão da falência e o processo está no Superior Tribunal de Justiça (STJ), nas mãos do ministro Luiz Felipe Salomão. Constam da massa falida 164 imóveis e 56 veículos.

Decisão arbitrária

O advogado da empresa, Laercion Antônio Wrubel, reclama que o plano de recuperação do grupo sequer foi homologado pela Justiça, que “arbitrariamente” decretou a falência. “O plano previa o pagamento dos débitos trabalhistas em seis meses, mas, com a decisão, ninguém recebeu um centavo até agora.” Segundo ele, ao tirar as posses dos bens da empresa e bloquear a conta corrente, “o juiz privou a empresa de seus meios de obter recursos”.

Wrubel afirma que a dívida das cinco empresas que estavam no pedido de recuperação judicial era de R$ 400 milhões, valor mais que triplicado após a inclusão dos demais negócios no processo, até porque foram acrescentadas dívidas de planos fiscais, além das correções. O advogado vê a gestão atual da massa falida, que mantém três empresas em funcionamento, como temerária, “pois a receita mal dá para pagar os custos da operação”. Ele defende a suspensão da falência e a retomada da recuperação judicial.

O processo do Diplomata é complexo. Segundo a Capital Administradora, há 622 ações vinculadas à falência. O grupo também é objeto de 4.286 reclamações trabalhistas, 245 processos fiscais e 487 ações em juízos cíveis. O juiz Moreira chegou a ser processado pelo Diplomata por calúnia e difamação, mas a ação foi rejeitada. Desde abril, já saíram três decisões favoráveis à massa falida, todas passíveis de contestação. A filha do deputado, Érica Marta Ceccato Kaefer, foi condenada a devolver R$ 290 mil recebidos da Diplomata entre 2008 e 2012, período em que ocupou a função de conselheira fiscal, mas não a exerceu. Ela já recorreu da decisão.

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