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Oi é a companhia com o maior número de bens reversíveis. Na foto, Estação Juvevê, em Curitiba. | Jonathan Campos/Gazeta do Povo
Oi é a companhia com o maior número de bens reversíveis. Na foto, Estação Juvevê, em Curitiba.| Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo

A mudança na Lei Geral das Telecomunicações, que vai permitir que as operadoras de telefonia fixa migrem do regime de concessão para autorização, tem nos bens reversíveis o seu ponto mais polêmico. Milhares de imóveis, terrenos e equipamentos que valem bilhões de reais e que estavam sendo utilizados pelas empresas para prestar o serviço teriam que ser devolvidos à União ao fim do contrato de concessão. Mas com a nova regra as operadoras vão poder ficar com os ativos, desde que invistam montante equivalente em banda larga. O problema é saber exatamente quantos bens estão nas mãos das teles e qual o valor de mercado de todos esses ativos.

INFOGRÁFICO: veja quantos bens reversíveis estão em posse das operadoras

Segundo dados informados pelas operadoras à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) em 2015, são 2,7 milhões de bens reversíveis que valem R$ 19,98 bilhões. Os ativos mais valiosos são terrenos e imóveis, seguidos por equipamentos para prestação do serviço de telefonia fixa, como cabos, postes e antenas. Os demais itens incluem materiais de escritório, como telefone e computador.

Nova lei

A mudança na Lei Geral das Telecomunicações foi aprovada pelo Congresso no fim de 2016, mas ainda não foi sancionada pelo presidente Michel Temer. Um recurso foi apresentado por alguns senadores ao Supremo Tribunal Federal (STF). Se sancionada, a Anatel terá até seis meses para terminar o levantamento dos bens reversíveis. Para isso, já contratou uma consultoria externa e está em busca da segunda, através de licitação. Depois do levantamento, a agência vai se reunir com as operadoras e apresentar os dados, exigindo a contrapartida. As operadoras podem aceitar ou não a migração. Caso elas não migrem, ficam no regime de concessão até 2025, quando acaba o contrato.

Os bens, segundo dados das operadoras, sofreram nos últimos 17 anos uma depreciação de R$ 101,69 bilhões. Ou seja, o valor de mercado foi reduzido em 83,6%. Muitos ficaram obsoletos e aqueles que não ficaram ultrapassados estão cada vez mais deixando de ter utilidade, já que as tecnologias avançaram nos últimos anos e a necessidade de manter investimentos em ampliação da telefonia fixa diminuiu.

Entenda o que são bens reversíveis

TCU aponta falhas no controle feito pela Anatel

Por isso, as operadoras querem poder incorporar os bens que utilizam desde a privatização da telefonia aos seus patrimônios para poder vendê-los depois. O governo, ciente desse desejo, propôs uma lei que permite que as operadoras migrem do regime de concessão (mais rígido) para autorização (mais flexível) e fiquem com os bens. A contrapartida seria investimentos para massificação da banda larga.

Mas depois da privatização do Sistema Telebrás, em 1998, o controle de quais seriam os bens reversíveis, a quantidade e o valor de mercado têm sido falho, segundo o Tribunal de Contas da União (TCU). Os dados que a Anatel possui são indicados pelas próprias empresas e somente neste ano duas consultorias externas vão fazer o levantamento e avaliar o valor de todos os ativos.

O TCU afirma que a Anatel não tem clareza sobre o que seriam os bens reversíveis e questiona a fidedignidade da informações prestadas pelas operadoras à agência. As falhas colocam em risco, segundo o tribunal de contas, uma avaliação precisa do valor de mercado dos bens, o que poderia vir a favorecer uma operadora específica ou prejudicar o erário.

Saber exatamente quantos bens reversíveis existem e o valor de mercado de cada item é fundamental para que o objetivo da nova Lei de Telecomunicações seja cumprido. Sem esse valor, a Anatel não vai conseguir precisar qual montante deverá ser empregado para massificação da internet banda larga no país, a principal justificativa para permitir a mudança na lei.

Entenda o que são bens reversíveis

Na época da privatização do Sistema Telebrás, em 1998, as empresas de telecomunicação participaram do leilão da telefonia fixa e puderam adquirir a concessão para prestação do serviço. Consequentemente, herdaram os bens que pertenciam à companhia estatal para dar continuidade ao serviço. É o caso da Embratel (Claro), Telefônica (Vivo) e Grupo Oi. A Sercomtel e o Grupo Algar Telecom também passar a atuar com telefonia fixa no regime de concessão, mas sem relação com a privatização.

O sócio-diretor do Grupo C&M Executive, Leandro Motta, explica que, ao longo da concessão, as operadoras também fizeram aquisições para cumprir a meta de levar o serviço de telefonia fixa a várias partes do país. Para isso, ganhavam subsídios.

Como o serviço é considerado essencial e não pode ser interrompido, a Anatel criou o conceito de bens reversíveis. Ou seja, todos os bens essenciais ao serviço deveriam ser devolvidos à União para continuidade à prestação, tanto os herdados da Telebrás quanto os adquiridos ao longo da concessão.

O problema, segundo o presidente da consultoria Teleco, Eduardo Tude, foi a falta de regulamentação do tema. “O tema não foi regulamentado pela Anatel e a questão ficou em aberta, gerando margens para dúvidas.”

O especialista em telefonia afirma que a mudança na Lei das Telecomunicações já deveria ter sido adotada há uns dez anos. “É fundamental que a Anatel chegue a uma decisão, pois é muito melhor para o governo trocar os bens que não terão utilidade para o governo por investimento em banda larga, que é o que a sociedade quer”, diz Tude.

Motta diz que a tentativa de aplicar o dinheiro dos bens em investimento para melhorias da infraestrutura da banda larga é algo positivo da lei, mas resta saber se as metas serão cumpridas. “As regras são muito brandas para as operadoras e, quando elas não cumprem, são punidas apenas com advertências ou multas que nunca são pagas.”

TCU aponta falhas no controle feito pela Anatel

O Tribunal de Contas da União (TCU) emitiu um relatório em novembro do ano passado questionando a atuação da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) quanto ao controle dos bens reversíveis. Segundo o órgão fiscalizador, a agência não dispõe de dados fidedignos para avaliar o valor de mercado do que está em posse das operadoras.

O tribunal identificou indícios de que não há certeza quanto à fidedignidade e atualidade das relações de bens reversíveis apresentadas pelas empresas à Anatel. “O processo de regulamentação da Anatel não abrange os aspectos necessários para o controle fidedigno dos bens reversíveis (...), havendo risco de ocorrerem prejuízos para as concessões do STFC [Serviço telefônico fixo comutado] e danos ao erário”, diz relatório do ministro Bruno Dantas.

Outro problema seria a indefinição quanto ao conceito de bens reversíveis. “Na visão da equipe de levantamento, essas indefinições citadas pela agência são uma fraqueza para o processo de revisão. Em especial, as indefinições associadas aos bens reversíveis, como a conceituação dos bens e as relações dos bens reversíveis.”

Todos os dados que a Anatel possui são de 2015 e foram repassados pelas próprias operadoras. Na semana passada, a agência anunciou a contratação de duas consultorias externas para fazer o levantamento e para calcular o valor de mercado dos bens reversíveis.

Procuradas, tanto a Anatel quanto as operadoras preferiram não se pronunciar sobre o assunto.

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