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Meta de redução de emissões de gases do Brasil para 2030 prevê que a participação do biocombustível no total da oferta interna salte de 15,7% para 16% em 15 anos. | Henry Milleo

/Gazeta do Povo
Meta de redução de emissões de gases do Brasil para 2030 prevê que a participação do biocombustível no total da oferta interna salte de 15,7% para 16% em 15 anos.| Foto: Henry Milleo /Gazeta do Povo

Considerado o mais bem-sucedido modelo de substituição em larga escala do petróleo por um combustível alternativo, o Programa Nacional do Álcool (Proálcool) completa 40 anos no próximo domingo (15) sem uma política pública que dê previsibilidade e estabilidade para a utilização do etanol no país.

Nessas quatro décadas, a adoção do biocombustível em veículos de passeio enfrentou crises de confiança, volatilidade de oferta e demanda, e até hoje o papel do álcool na matriz energética brasileira segue indefinido.

Representantes da cadeia produtiva dizem que a definição desse papel é essencial para investimentos futuros na produção. Para eles, o governo deveria abrir mão do viés econômico utilizado para controlar oferta e preço da gasolina e frear a inflação.

Eles ainda defendem que, para assegurar os efeitos sociais e econômicos do etanol como combustível ambiental, a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), ora adotada para segurar a inflação, ora como forma de mitigar rombos fiscais, seja tratada como um imposto ambiental.

As metas de redução de emissões para 2030, no plano que o governo considerou “ousado”, preveem que a participação da energia renovável de cana-de-açúcar no total da oferta interna salte de 15,7% para 16% em 15 anos.

O pequeno incremento limita o espaço para o crescimento da produção de etanol de segunda geração (2G), feito a partir do bagaço ou da palha de cana e apontado como o futuro do biocombustível. “Isso é muito pouco, porque o Brasil poderia fazer mais. O plano do governo é deixar o setor do tamanho que ele tem hoje”, afirmou Plínio Nastari, presidente da Datagro Consultoria.

O uso do etanol nas próximas décadas deve ser diluído em um conceito de energia gerada pela cana. Além do álcool e do açúcar, a matéria-prima produz também eletricidade a partir do bagaço e da palha. “As usinas serão usinas de energia e a divisão da produção no futuro não será a partir dos níveis de sacarose (açúcar), mas a partir da matéria-prima”, avaliou o presidente da União dos Produtores de Bioenergia (Udop), Celso Junqueira Franco.

Indagado se o governo federal tinha uma proposta concreta do papel do etanol na matriz energética brasileira no futuro ou se seguiria tratando o combustível como um instrumento de controle de inflação ou de socorro à demanda da gasolina, o Ministério das Minas e Energia (MME) informou, por e-mail, que “o setor sucroenergético está contemplado nas diretrizes da política energética brasileira, e representa uma das estratégias para garantir a redução na emissão de gases”.

Sem traçar metas para o futuro, o MME citou um longo histórico das medidas adotadas no passado para fomentar o consumo e incentivar a produção do etanol. “Desde a criação do Proálcool sempre houve mandato da mistura de etanol na gasolina. Em 1975, a mistura era de 15%. Em 1993, por força de lei, esse porcentual passou para 22%”, informou o MME. Ainda segundo a pasta, “o governo federal atua na linha de incentivar o setor a partir de medidas que sejam sustentáveis e que não gerem intervenção no mercado”, mesmo com as críticas de usineiros à redução da Cide sobre a gasolina para tirar o impacto nas bombas das altas da gasolina nas refinarias.

2.ª guerra mundial

Em 1939, ou seja, 36 anos antes da criação do Programa Nacional do Álcool (Proálcool), o Brasil criou a primeira política de uso constante e obrigatório de etanol como combustível aditivo à gasolina. A medida se deveu mais a uma necessidade do que um programa de governo para aproveitamento de matéria-prima nacional. Sem refinarias de petróleo, o país enfrentou uma crise de escassez de combustíveis por causa da 2ª Guerra Mundial. Coube ao Instituto do Açúcar e do Álcool, criado em 1933, estabelecer um plano emergencial para produzir o etanol e misturá-lo, em até 2%, à gasolina. Mas a guerra terminou em 1945, o abastecimento da gasolina foi normalizado e a demanda pelo etanol desapareceu.

Ao longo de quatro décadas, oferta de etanol sempre variou conforme o preço do açúcar no mercado internacional: desconfiança. | Nelson Almeida

“Mão forte” do governo sempre controlou a demanda por etanol

A demanda pelo etanol sempre caminhou sob intervenção dos governos, seja alavancada pela 2.ª Guerra Mundial ou pela crise do petróleo na década de 1970. Depois vieram os carros movidos exclusivamente a etanol, em 1981, além da obrigatoriedade de todos os postos terem ao menos uma bomba de etanol para abastecê-los. Em 2003, houve o advento dos veículos flex fuel – movidos a etanol, gasolina ou a partir da mistura de ambos.

Entre 1986 e 1998, o governo ainda controlava o preço dos combustíveis. Com uma nova alta no açúcar, usineiros partiram para a commodity facilmente exportável, em detrimento do etanol com preços controlados. A crise de desabastecimento com acusações mútuas entre governo e empresários prejudicou os consumidores, que não tinham, à época, a opção de abastecer com gasolina e o etanol caiu em descrença. As vendas de carros a álcool saíram de picos de 95% dos veículos leves zero-quilômetro, em 1986, para 1% no começo dos anos 2000.

Para Luiz Carlos Corrêa Carvalho, sócio da Canaplan e presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), “a grande política” para o setor aconteceu entre 2002 e 2003. “Do lado do setor público, veio a Cide taxando a gasolina, e a consolidação da mistura. Do lado do setor privado, o carro flex”, disse. Tendo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como embaixador do etanol, o setor cresceu a partir de 2003, centenas de usinas foram feitas e líderes mundiais conheceram a produção brasileira, entre eles o ex-presidente norte-americano George W. Bush e o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon.

A euforia com a possibilidade de o Brasil se tornar ainda um grande exportador de etanol acabou com a falta de um padrão mundial para o combustível e ainda com novas crises pontuais de abastecimento no mercado interno. “O governo teve uma recaída e voltou a interferir; reduziu a Cide, congelou a gasolina e o setor começou a ter de novo uma deterioração”, completou Carvalho.

Mistura obrigatória forçou o país a importar álcool

Além da intervenção pública, o setor sucumbiu à crise mundial de liquidez. Entre 2008 e 2009, dezenas de usinas quebraram ou entraram em recuperação judicial e não existem novos projetos de plantas industriais caso a demanda cresça.

O atual cenário positivo para o álcool, com valores recordes nos postos e nas usinas, é o primeiro desde 2011, quando, justamente após um pico de preços do etanol, o governo ampliou o controle da gasolina de olho na inflação e, com isso, freou também a valorização do biocombustível.

A alta de hoje ocorre justamente após reajustes da gasolina, que, como no passado, levou o consumidor para o etanol. Como em outros momentos, a reação ocorre por um novo movimento do poder público, que reajustou o combustível de petróleo para capitalizar a Petrobras e aumentar a própria arrecadação. Mas, segundo avaliação de analistas e produtores, a perspectiva, animadora no curto prazo, é de incerteza nos próximos 40 anos.

“Monstro”

Crítico do atual modelo, o ex-ministro das Minas e Energia e responsável por viabilizar junto ao governo o Proálcool, Shigeaki Ueki, diz que foi um erro a pressão dos produtores por uma mistura mandatória do etanol anidro à gasolina em todo território nacional para criar demanda. Na sua avaliação, essa mistura, hoje em até 27%, deveria variar de acordo com a produção do combustível em cada estado. Isso evitaria gastos com transporte do etanol anidro do Sudeste, grande produtor, para estados do Norte e do Sul que não fabricam álcool.

“Criou-se a figura horrível da transferência de anidro com custo enorme ao país. Para forçar a mistura chegou-se até mesmo a importar álcool anidro dos EUA a um custo maior que o da gasolina”, diz Ueki. “Os usineiros que defenderam com unhas e dentes a mistura obrigatória deveriam pensar um pouco no país, pois importar anidro é um monstro.”

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