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Empresário Wilson Malucelli apostou na defesa do custo-benefício para se reformar um móvel de boa qualidade, em vez de comprar um novo | Hugo Harada/Gazeta do Povo
Empresário Wilson Malucelli apostou na defesa do custo-benefício para se reformar um móvel de boa qualidade, em vez de comprar um novo| Foto: Hugo Harada/Gazeta do Povo

O susto diante das contas do mês tem exigido criatividade do brasileiro para cumprir seus compromissos financeiros. Entre as saídas para tempos “bicudos” estão cortar gastos com comida nos restaurantes, reformar e consertar um produto, em vez de comprar um novo, e ir menos ao supermercado para não “cair em tentação”.

As explicações para o aperto no orçamento estão na queda da renda (empurrada para baixo pela inflação e pelo desemprego) e no maior endividamento – índice que, por sinal, é o maior em dez anos, com 46,3% da renda do brasileiro comprometida com dívidas.

INFOGRÁFICO: veja a evolução dos indicadores sobre emprego e rendimento no país

Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua Mensal mostram quedas sucessivas da massa de rendimento nacional nos últimos seis meses. “Há um processo de desaceleração. Pela Pnad, a massa salarial teve aumento de 1% no acumulado de 12 meses encerrados em maio, o menor crescimento da série histórica, iniciada em 2012”, explica o pesquisador Rodrigo Leandro, do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE), ligado à Fundação Getulio Vargas. Na Pesquisa Mensal do Emprego, que avalia dados de seis regiões metropolitanas, a queda chega a 10% entre novembro de 2014 e maio de 2015.

Mudança de hábito

O brasileiro é o latino-americano que mais mudou de hábitos por causa da economia em 2015: 88% dos entrevistados em um levantamento do instituto Data Popular afirmaram que a crise chegou à vida pessoal, com impacto no consumo, corte de gastos e busca por alternativas de renda. A pesquisa, divulgada na quinta-feira, (9), foi realizada no Brasil, Argentina, México, Chile e Uruguai.

Gastos com lazer e mudanças na lista do supermercado foram as medidas adotadas por 84% dos brasileiros. A alimentação fora de casa já sentiu o baque. De acordo com a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), a média de queda de faturamento nos estabelecimentos com refeições entre R$ 30 e R$ 70 foi de 3% no primeiro semestre de 2015. “Já o movimento nos lugares com ticket até R$ 30 aumentou entre 4% e 10%. O consumidor está procurando opções mais baratas”, explica o diretor executivo da entidade no Paraná, Luciano Bartolomeu.

Outro comportamento percebido pelos donos de restaurantes foi a redução das porções. Para economizar, o cliente coloca menos no prato. E a dieta forçada deve ficar mais rigorosa no segundo semestre. O setor prevê reajustes de até 10% para compensar aumentos de custos. “O que não se consegue negociar com fornecedores acaba repassado ao preço final, mesmo com margens reduzidas”, diz.

Supermercados

Para os supermercados, a alta no preço da refeição fora de casa se reflete no movimento das lojas. Em um primeiro momento, as vendas aumentam para depois serem equilibradas com cortes. Dados da Associação Paranaense de Supermercados (Apras) mostram que entre janeiro e maio de 2014 e 2015, o desempenho foi ligeiramente maior, com alta de 0,59%.

Apesar de positivo, o ritmo de crescimento vem caindo desde janeiro do ano passado. “A expectativa é uma redução ainda maior a partir de junho”, diz o superintendente da Apras, Valmor Rovaris.

Os supermercados registram mudanças de comportamento. O gasto por compra cresceu 10%, mas a frequência nas lojas caiu na mesma proporção. A ideia do consumidor, ao diminuir as visitas ao mercado, é evitar a compra por impulso. “Grande parte dos clientes já começa a trocar de marca, na busca por preços mais competitivos”, diz Rovaris.

A procura por produtos alternativos ajuda o supermercadista a negociar com fornecedores e ajustar os custos internos, já reduzidos por demissões e estruturas enxutas. “A briga por preço começa quando há redução de consumo das marcas, para não perder a variedade na gôndola. Ainda assim, as líderes não cedem muito facilmente.”

Promoção vira palavra de ordem para atrair consumidores

Promoção soa como palavra mágica em tempos de crise. Se o consumidor puder pagar menos para ter o mesmo produto ou serviço, tanto melhor. Em períodos de queda de movimento, a estratégia também tem feito a alegria dos empresários. Não por acaso, muitos shoppings de Curitiba anteciparam as liquidações de inverno, que estão sendo feitas antes mesmo da metade da estação.

Foram as promoções que ajudaram a compensar a redução da frequência da clientela nas unidades da rede de salões de beleza Lady Lord, de Curitiba. A empresa conseguiu manter o faturamento estável atraindo novos clientes com preços promocionais. “Quem vinha toda semana está aparecendo aqui a cada 10 ou 15 dias. Com alta de custos e redução da frequência, a saída foi buscar nova clientela”, explica o diretor geral da rede, Christopher Hillani Boff.

O executivo reduziu a margem para manter o movimento. E investiu nas ofertas em setores que, tradicionalmente, já sofrem com a falta de procura no inverno, como os tratamentos corporais na área de estética. Para compensar os reajustes de água e energia elétrica, reduziu o quadro de funcionários e investiu em melhoria de processos, como compras e controle de estoque. “A fidelização também foi reforçada, com maior qualidade no atendimento ao cliente”, diz.

O empresário Ricardo Gomes Savae, proprietário da rede de brechós Libélula, ainda não registrou reação nas vendas, em média 15% mais baixas do que o mesmo período do ano anterior. A chegada do inverno e a procura por roupas de grife com preços mais em conta devem ajudar a recuperar o movimento. “A expectativa é melhorar as vendas nos próximos dois meses”, diz.

APF

Reforma de estofados em alta

Com 40 anos de mercado no segmento de reforma e fabricação de sofás sob medida, o empresário Wilson Malucelli mudou a comunicação da empresa para reverter a queda do movimento geralmente registrada no primeiro semestre, especialmente nos meses de fevereiro e junho.

Deu certo: a nova mídia aumentou em 40% a procura por reformas. Recuperar um móvel de boa qualidade pode custar a metade do preço de um novo e esse argumento não passa despercebido por quem tem um orçamento justo na hora de decorar a casa.

A empresa atende uma clientela de alto poder aquisitivo, que paga de R$ 6 mil a R$ 8 mil por uma reforma. A área é responsável pela maior parte do faturamento da empresa.

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Hugo Harada/Gazeta do Povo

Mercado de trabalho deve continuar piorando

A perspectiva é sombria: mesmo se o ajuste fiscal proposto pelo governo federal for cumprido e o país conseguir retomar o crescimento, o cenário só deve melhorar no fim de 2016. E o caminho deve ser difícil até lá. “No ritmo em que estamos, até o fim de 2015 devem ser fechadas 900 mil vagas de trabalho”, calcula o economista Fábio Silveira, diretor de pesquisas da consultoria GO Associados.

Como se as condições adversas não bastassem, o fator político pode complicar ainda mais o reposicionamento econômico do país. “Legislativo e Executivo precisam ter juízo e bom senso para melhorar o ambiente e favorecer a recuperação. Os efeitos de medidas negativas são muito mais velozes do que os das ações corretivas”, diz.

A instabilidade econômica agravada pelo desentendimento de lideranças pode aumentar a turbulência e piorar o ambiente para os negócios, inclusive com fuga de investidores. Nesse cenário, a taxa de desemprego e a inflação podem crescer e tornar a retomada mais longa e difícil.

Na avaliação do supervisor técnico do Dieese-PR, Sandro Silva, o crescimento da economia nos últimos anos foi estimulado pela melhoria da renda e da oferta de emprego. “E essa condição está em cheque agora”, diz. A inflação alta de hoje é reflexo da liberação dos preços controlados pelo governo, que provocaram uma alta generalizada. O índice contribui para achatar a renda do trabalhador. “Além disso, a oferta de mão de obra aumenta e a média salarial diminui”, explica Silva.

Outro sinal de alerta no mercado de trabalho é a precarização, com mais gente trabalhando por conta própria. “Isso pode ser fruto de um empreendimento ou apenas um bico para manter a renda”, observa o pesquisador da FGV/IBRA, Rodrigo Leandro. No bico, o trabalhador perde proteções trabalhistas como previdência e FGTS. Dados da Pnad Contínua Mensal, apontaram uma taxa de desemprego de 8,1% no trimestre encerrado em maio.

APF
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