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| Foto: Fernanda Carvalho/Fotos Públicas

Em menos de seis meses, dois bloqueios, que deixaram no escuro 100 milhões de brasileiros. A suspensão via ordem judicial do acesso ao WhatsApp, nesta segunda-feira e terça-feira (3), trouxe mais uma vez à tona um debate que tem movimentado empresas de tecnologia, órgãos de segurança e o sistema judiciário de vários países, e coloca em xeque a responsabilidade das companhias em disponibilizar dados privados de seus usuários.

No Brasil, o embate mais recente entre a Justiça e o WhatsApp se estende desde março, quando o vice-presidente do Facebook na América Latina, Diego Dzodan, teve a prisão decretada pelo juiz Marcel Montavão, da comarca de Lagarto, em Sergipe.

O processo criminal que motivou a prisão preventiva do executivo é o mesmo que culminou, nesta semana, no bloqueio do aplicativo – o juiz quer que o WhatsApp repasse informações que podem ajudar na prisão de uma quadrilha de drogas.

A empresa, no entanto, defende que não possui esses dados, já que não armazena as conversas. Além disso, em abril deste ano, o WhatsApp incrementou a criptografia do conteúdo transmitido pelo app, o que, em tese, garante que apenas os usuários possam ler as mensagens.

Independente da gravidade do crime que envolve a quadrilha investigada – o processo corre em segredo de Justiça e, por isso, há poucas informações a respeito –, juristas e analistas do setor de tecnologia criticaram a decisão de bloquear o aplicativo como “desproporcional”, por afetar todos os usuários do app, que não têm ligação com o processo criminal.

Não à toa, o caso foi destaque na imprensa internacional, principalmente entre os veículos norte-americanos. É possível, inclusive, traçar um paralelo com a disputa recente entre a Apple e o FBI.

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A gigante de tecnologia recebeu uma ordem judicial neste ano para desbloquear o iPhone de um dos terroristas envolvidos em um ataque que deixou 14 mortos, na Califórnia. A empresa, no entanto, “bateu o pé” e afirmou que não tinha como fazer isso, até porque o desbloqueio poderia colocar em risco no futuro a privacidade dos demais usuários do smartphone. Ao fim, o FBI conseguiu acessar o celular com a ajuda de uma outra empresa (não divulgada) e a Apple e seus executivos não receberam punições por não terem cumprido a ordem judicial.

“Nenhum juiz tem o poder de impedir a comunicação de milhares de pessoas que não estão sob sua jurisdição, já que não somos réus no processo que preside. O máximo que poderia era arbitrar multa financeira que pode ser revisada pelas instâncias judiciais. É mais um ato em que o judiciário brasileiro expõe a insegurança jurídica nacional, que é hostil ao empresariado, ao mercado e aos direitos individuais. O FBI moveu todos os esforços para a Apple quebrar a criptografia do iPhone e não se viu o CEO da empresa ser preso por causa disso”, compara o criminalista Fernando Augusto Fernandes, sócio do Fernando Fernandes Advogados.

Por outro lado, a Justiça dos Estados Unidos já derrubou, de forma permanente, vários serviços e sites populares que se envolveram de forma direta no compartilhamento ilegal de conteúdo, protegido por leis autorais – entre os casos mais famosos estão o Napster, plataforma de distribuição de música, e o Megaupload, desativado em 2012 após uma operação do FBI que indiciou funcionários do portal por pirataria.

“O governo americano também toma medidas muito invasivas de acesso à privacidade dos usuários, que inclusive permitem a quebra de sigilo sem ordem judicial. No entanto, as grandes empresas de tecnologia (como Apple e Facebook) possuem lá uma influência política e econômica muito grande, que afeta a tomada de decisões mais severas”, afirma o advogado especializado em Direito Digital Fernando Peres.

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Uma legislação incompleta

Por aqui, não ajuda o fato do Marco Civil da Internet, uma das legislações usadas para embasar a suspensão do WhatsApp nesta semana, seguir recebendo interpretações diversas, fruto da falta de regulamentação mesmo após dois anos da criação da lei.

O juiz Marcel Montalvão, por exemplo, afirmou que sua decisão se baseia nos artigos 11, 12, 13 e 15 do Marco Civil da Internet, que tratam dos deveres das empresas do setor de guardar sob sigilo informações a respeito dos acessos. Já a entidade de proteção aos consumidores Proteste e a camara–e.net, que representa empresários do e-commerce, dizem que o Marco foi desrespeitado neste caso e interpretado de forma equivocada pelo juiz.

Essa falta de consenso sobre os efeitos da legislação, mesmo no meio jurídico, aumenta a chance de novos bloqueios serem ordenados pela Justiça brasileira, tanto para o WhatsApp quanto para redes sociais, como o Facebook, também alvo constante de pedidos judiciais – só no segundo semestre do ano passado, a empresa de Mark Zuckerberg e dona do app de mensagens recebeu 46 mil solicitações de governos no mundo todo para compartilhar dados privados de usuários. Em 81% dos casos, a rede social se negou a passar qualquer informação.

“O Marco Civil criou algumas questões pontuais importantes mas deixou muitas outras em aberto. A legislação foi criada às pressas e, apesar de toda a discussão que teve na época, houve muitas alterações e influência por parte de empresas e de terceiros interessados, o que fez com que tivéssemos uma legislação incompleta”, afirma o advogado Fernando Peres.

Tanto que um ponto em discussão hoje na CPI dos Crimes Cibernéticos, em andamento na Câmara dos Deputados, é a criação de uma lei complementar que permitiria a um juiz bloquear o acesso a um site ou aplicativo de internet, driblando assim a diversidade de interpretações sobre essa medida no Marco Civil.

“Uma preocupação que temos que ter desde já é como controlar esse direito, como saber medir toda vez que essa possibilidade for utilizada. Senão, pode chegar um momento em que aplicativos como o WhatsApp serão bloqueados toda semana”, completa Peres.

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