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 | Rodrigo Felix Leal
Gazeta do Povo
| Foto: Rodrigo Felix Leal Gazeta do Povo

O Senado aprovou na última quarta-feira (13) a adesão compulsória dos consumidores ao cadastro positivo, ou seja, à base de dados dos bureaus de crédito que atuam no país. A Câmara já tinha aprovado o projeto com algumas modificações. Após a sanção do presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL), o Banco Central deve editar uma regulamentação, em um prazo de até 90 dias, com exigências voltadas aos bureaus – tanto os atuais quanto os novos que devem surgir a partir da medida, incluindo um grande bureau dos próprios bancos que está prestes a sair do forno. Depois disso, há ainda um prazo adicional para que as empresas possam se adaptar.

A aprovação veio após muitas idas e vindas do texto, considerado uma prioridade tanto na equipe econômica de Michel Temer (MDB) quanto na de Bolsonaro, mesmo após as mudanças sofridas no Congresso. O governo federal defende que a adesão em massa à lista de bons pagadores contribuirá fortemente para a redução dos juros ao consumidor, juntamente com outras medidas já encaminhadas, como as mudanças no cartão de crédito, implementadas em abril de 2017.

Embora essa visão possa ser otimista demais segundo alguns especialistas, frente à situação econômica do país e também a outros fatores que ainda estão longe de acabar, como a concentração de mercado e o crédito direcionado, é fato que a medida pode mudar bastante o dia a dia da população. 

Mais detalhadamente, os bureaus de crédito (como Serasa, SPC Brasil e Boa Vista SCPC) esperam uma redução de até 45% na inadimplência e a entrada de 22 milhões de consumidores ao mercado de crédito.  No total, o cadastro que hoje conta com dados de cerca de 6 milhões de pessoas passará a ter informações de mais de 150 milhões. 

No caso dos CNPJs, um estudo da associação dos bureaus, a ANBC, estima que o número de micro e pequenas empresas com acesso ao crédito subirá de 9,2 milhões para 13,2 milhões, o que deve também colaborar para que a média de aprovação de crédito das empresas em geral salta de 46,3% para 66,7%.

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Já o Banco Central alega que todo esse processo pode resultar no recuo de até 30% no spread bancário (diferença entre o custo que o dinheiro tem para o banco e o quanto a instituição cobra do consumidor nas operações de crédito, ou ainda entre Selic e as taxas efetivamente praticadas aos consumidores) de alguns produtos. 

Depois de publicado, o texto alterará duas leis que tratam sobre cadastros e responsabilidade civil dos operadores de crédito (Lei Complementar 105/2011 e Lei Federal 12.414/2011).

Após a entrada em vigor da medida, os gestores poderão coletar dados não só dos bancos, como já faziam, mas também de outras fontes como companhias de água e luz e operadoras de telefonia móvel – daí a inclusão de pessoas novas no mercado de crédito, pessoas que não faziam parte do banco de dados antes porque não tinha conta em banco, mas que agora farão a partir de dados das contas de água e luz que pagam em suas residências. 

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Comunicação sobre adesão automática ao cadastro positivo deve ocorrer em 30 dias

Após a coleta dos dados, os gestores terão 30 dias para comunicar os consumidores e empresas do fato. Conforme explica Pablo Nemirovsky, superintendente de Serviços ao Consumidor da Boa Vista SCPC, a execução dessa comunicação dependerá, basicamente, da fonte dos dados e dos contatos que o consumidor ou a empresa disponibilizou a esta fonte. 

Exemplos: quem teve as informações puxadas das companhias de água e luz, provavelmente receberá uma notificação impressa em casa; quem tem conta em banco provavelmente receberá avisos via e-mail e aplicativo; e quem tem conta de celular, provavelmente receberá um SMS. 

Mas atenção: os dados só poderão ser usados pelos bureaus de crédito a partir de 60 dias após a coleta, e 30 dias após a comunicação do consumidor. 

Caso o consumidor, depois de avisado, não queira fazer parte do banco de dados, basta pedir a sua saída. Essa decisão precisará ser cumprida em até dois dias e a comunicação do fato precisa ser feita a todos os gestores que têm os dados desse consumidor em até 10 dias. 

“E algo bem importante: o consumidor poderá cancelar o cadastro a qualquer momento”, frisa Nemirovsky.

Afinal, que dados os consumidores terão divulgados no cadastro positivo?

Lojas e outros tipos de negócio que consultarem o cadastro dos consumidores e de outras empresas terão acesso apenas à nota. Isso mesmo: a nota ou score, de 0 a 1.000, em cada bureau, segundo a metodologia de cada um deles. Esse acompanhamento poderá ser feito por telefone ou meios eletrônicos, como site e aplicativos.

O consumidor ou empresa também poderá, se assim decidir, ampliar o acesso do banco ou loja a mais informações, como histórico de crédito, para compor a avaliação da operação requisitada. Isso precisará ser feito formalmente, via papel assinado ou ainda dispositivos como biometria. 

“Isso já é feito pelo consumidor hoje. Quando você vai ao banco, se o cadastro não é suficiente, pede-se informação adicional, um fiador ou um avalista”, observa o superintendente de bureau de crédito do SPC Brasil, Nival Martins.

Mas os próprios especialistas dos bureaus acham que se isso ocorrer, só ocorrerá no início. “Não faz muito sentido para o varejista ter acesso a mais dados, já que não saberá exatamente o que fazer com aquilo”, observa Pablo Nemirovsky, superintendente de Serviços ao Consumidor da Boa Vista SCPC. 

Em outras palavras, a tendência é de que os clientes dos bureaus passem a explorar mais a própria metodologia de cada bureau, definindo, afinal, que score de determinado bureau atende aos seus interesses. “As grandes redes, por exemplo, costumam ter uma avaliação que a gente chama de tailor made, ou seja, uma metodologia feito sob medida para elas”, ressalta Martins.

Que dados não podem nem serão divulgados pelo cadastro positivo?

Dados bancários, como saldo de conta corrente, limite de cheque especial, limite do cartão de crédito ou informações sobre investimentos dos consumidores e das empresas estão sob sigilo bancário e não entram no cadastro positivo.

Isso não quer dizer, no entanto, que não haja dúvidas sobre os riscos do cadastro positivo. Ao longo do ano passado discutiu-se, inclusive, a suposta oposição entre o texto do cadastro positivo, que determina o opt-out (o consumidor é incluído no cadastro, mas pode optar por sair) e a nova Lei de Proteção de Dados Pessoais, que preza pelo opt-in (o consumidor/cidadão tem a prerrogativa de optar por dividir seus dados ou entrar para alguma base específica).

O Marco Civil da Internet, de 2014, diz que, “se uma empresa está passando os dados pessoais de alguém para um terceiro, a pessoa deve concordar com isso e esse consentimento precisa ser “livre, expresso e informado”.

“No caso do cadastro ou dos termos de consentimento de um produto, até que ponto o consumidor entendeu com o que está concordando ou não?”, questiona Caroline Gonçalves, do Trench Rossi Watanabe. 

Consumidor terá de ficar de olho nos seus scores de crédito em diferentes bureaus

Como ficou claro, as empresas e os consumidores não terão apenas uma nota para cuidar, mas várias. De início, pelo menos três, se considerados os maiores bureaus de crédito do país. Isso quer dizer que cada pessoa ou empresa terá olhar, de tempos em tempos, esses scores, e corrigir possíveis incorreções que tenham colaborado para baixar a sua nota. 

Basicamente, quanto mais próxima de 1.000, melhor o score do consumidor ou da empresa. Mas uma boa ou uma má nota é uma questão também relativa. Uma rede varejista pode encarar um score 400 de determinado bureau uma boa nota, assim como um banco pode considerar um score bom algo acima de 500. Vai depender da metologia empregada e do perfil dessa loja ou banco. “Alguns varejistas podem entender que podem correr mais risco”, observa Martins.

Mudanças no cadastro positivo também aumentarão competição no setor

Hoje, apenas instituições autorizadas pelo Banco Central podem usar cadastros positivos para análise de crédito. Com a alteração promovida pelo projeto de lei e a regulamentação complementar que o BC publicará em seguida, fintechs (empresas financeiras que usam tecnologia para prestar serviços personalizados, como o Nubank) também poderão ser gestoras de dados.

“A tendência é de que as condições dos empréstimos melhorem se várias instituições puderem usar os dados”, diz Daniel Sivieri Arruda, pesquisador de direito e economia da FGV. “Hoje, as fintechs não têm acesso ao histórico de crédito dos consumidores, o que gera assimetrias.”

Informações erradas no cadastro positivo têm de ser corrigidas em até 10 dias

Tanto o gestor do banco de dados quanto a fonte (o banco, por exemplo) podem ser responsabilizados caso um consumidor seja prejudicado injustamente pelo birô de crédito, se sua nota estiver abaixo do desejado devido a uma cobrança indevida, por exemplo. 

No caso de cadastros de inadimplementos, esse tipo de reclamação já é rotineira. No cadastro positivo, dados desfavoráveis ao consumidor seriam meses sem registro de contas pagas, atrasos no pagamento ou uma quitação de dívida renegociada, entre outros exemplos.

Pelo texto aprovado, os gestores dos dados terão até 10 dias para fazer a correção exigida pelo consumidor. Esse tempo é necessário para consultar a fonte da informação e saber se essa fonte acata a correção do consumidor.

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