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Jack Ma, fundador do MYbank, em foto de maio deste ano, em Paris.
Jack Ma, fundador do MYbank, em foto de maio deste ano, em Paris.| Foto: Bloomberg / Marlene Awaad

O banco digital fundado por Jack Ma está fazendo uma revolução silenciosa na concessão de crédito às pequenas empresas da China, atacando um gargalo no sistema bancário que por décadas foi obstáculo ao crescimento da maior economia asiática.

Utilizando dados de pagamentos em tempo real e um sistema de administração de riscos que analisa mais de 3 mil variáveis, o MYBank, criado há apenas quatro anos, já emprestou 2 trilhões de yuans (cerca de R$ 1 trilhão) para quase 16 milhões de pequenas empresas chinesas. Os clientes acessam o crédito com apenas alguns toques no celular e o dinheiro cai na conta quase imediatamente após a aprovação. Todo o processo leva três minutos e não envolve intermediação humana. A taxa de inadimplência até agora: 1%.

O boom financeiro-tecnológico que transformou a China no maior mercado mundial de pagamentos eletrônicos está mudando a maneira como os bancos se relacionam com as empresas responsáveis por grande parte do crescimento do país. Na medida em que o MYBank e seus congêneres processam “toneladas de bytes” de dados dos sistemas de pagamentos, redes sociais e outras fontes, eles vão ficando mais confortáveis em conceder empréstimos a pequenos empresários que, antes, eram preteridos em favor das gigantes estatais.

As implicações podem ser profundas para a economia chinesa que tem PIB de US$ 13 trilhões e que cresceu, no último trimestre, no ritmo mais lento desde 1992. As empresas não-estatais – a maior parte composta de pequenos negócios – respondem por cerca de 60% do crescimento econômico e empregam 80% dos trabalhadores, mas sofreram nos últimos dois anos uma repressão desproporcional do governo em seu combate aos agiotas.

“As pequenas e médias empresas são as verdadeiras locomotivas da economia”, avalia Keith Pogson, líder global para mercado de capitais e seguros da Ernst & Young em Hong Kong. “Era um segmento que os bancos consideravam muito difícil e arriscado. Mas agora eles executam seu modelo e descobrem quais são os riscos, e sentem-se bem mais confortáveis”.

Big data e inteligência artificial impulsionam empréstimos

A China rapidamente está liderando a corrida mundial no uso de “big data” e inteligência artificial para analisar a concessão de empréstimos, garante Cliff Shing, gerente-adjunto de serviços financeiros para a Ásia da consultoria Oliver Wyman. Uma das grandes vantagens do país: a proteção à privacidade é menos rigorosa do que em outras jurisdições.

“Nosso marco regulatório legal, que envolve menor preocupação com questões de privacidade, torna muito mais fácil gerar uma vasta quantidade de dados e, criar, assim, um campo único de experimentação”, diz Sheng.

Uma fonte de informação peculiar da China para os bancos é o controverso sistema de crédito social, que está sendo testado por todo o país como forma de recompensar boas ações e punir o mau comportamento. Num cenário hipotético citado em entrevista recente pelo presidente do MYBank, Jin Xiaolong, o dono de uma pequena empresa que não devolveu um guarda-chuva emprestado teria dificuldades para conseguir empréstimo, porque perderia pontos no sistema de crédito social.

O maior acervo de dados, no entanto, pode vir de provedores de pagamentos como o Ant Financial, que tem o MYBank como principal acionista. Depois de obter autorização dos clientes, o MYBank analisa transações em tempo real para gerar insights sobre a capacidade de pagamento do devedor. Por exemplo, a diminuição do movimento de caixa de uma determinada loja pode ser um indicador precoce de que as perspectivas dessa empresa - e sua capacidade de quitar dívidas - estão se deteriorando. Segundo Xiaolong, o resultado de ter mais informações como essa é uma taxa de aprovação de empréstimos no MYBank quatro vezes maior do que em credores tradicionais, que normalmente rejeitam 80% dos pedidos de pequenas empresas e levam pelo menos 30 dias para dar uma resposta. O executivo pretende dobrar a lista de clientes do MYBank nos próximos três anos. Ele disse que o custo operacional por empréstimo da empresa com sede em Hangzhou é de cerca de 3 yuans (R$ 1,65), contra 2.000 yuans (R$ 1.100,00) em rivais tradicionais.

Vista de arranha-céus na China, com destaque à arquitetura inovadora do China World Trade Center.
Vista de arranha-céus na China, com destaque à arquitetura inovadora do China World Trade Center.| BigStock

MYBank não é o único a apostar nos pequenos

O MYBank, que lucrou 670 milhões de yuans (R$ 368 mihões) no ano passado, está longe de ser o único credor a usar a tecnologia para impulsionar os empréstimos para pequenas empresas. As unidades da Tencent Holdings Ltd. e da Ping An Insurance Group Co. seguem caminhos parecidos, enquanto a estatal China Construction Bank Corp. está intensificando sua presença nessa disputa.

O segundo maior banco do país lançou em setembro um aplicativo para dispositivos móveis que pode processar em dois minutos pedidos de empréstimo de até 5 milhões de yuans (R$ 2,75 milhões). No ano passado, o Construction Bank aumentou sua carteira de pequenas empresas em 51%, mais do que o dobro do índice do setor. O banco cobra juros médios de 5,3% para empréstimos de um ano, ligeiramente acima da taxa de juros de referência de 4,35%. E diz que a inadimplência tem se mantido na casa minúscula de 0,3%.

"É um negócio lucrativo, desde que você consiga mantes os riscos sob certo controle", sublinha Zhang Gengsheng, vice-presidente do Construction Bank, em Pequim. "Já sofremos grandes perdas no passado cobrando juros de 8%, com uma carteira de empréstimos ruins. Agora estamos de volta ao jogo."

Embora manter a inadimplência sob controle possa ser mais difícil à medida que a economia da China desacelera, todos os sinais apontam para um crescimento contínuo dos empréstimos para pequenas empresas. Em fevereiro, o conselho monetário pediu aos bancos estatais que aumentassem o crédito a pequenos empreendedores em pelo menos 30%. Segundo fontes do mercado chinês, o MYBank pretende levantar cerca de 6 bilhões de yuans (R$ 3,3 bilhões) e mais do que dobrar seu capital para 10 bilhões de yuans, o que permitirá impulsionar os empréstimos.

Cerca de dois terços das 80 milhões de pequenas empresas da China não tinham acesso a crédito até 2018, segundo o Instituto Nacional de Finanças, de Pequim.

Para Zeng Ping'en, que administra uma loja de scooters em Hangzhou com cerca de 1,2 milhão de yuans (R$ 660 mil) em vendas anuais, o aplicativo de empréstimos do MYBank foi um divisor de águas. Depois de permitir que o banco acessasse os dados de vendas de sua loja, Zeng conseguiu pequenos empréstimos para cobrir as necessidades de caixa de curto prazo. A taxa de juros é de cerca de 15% ao ano. "Isso era inimaginável há alguns anos, quando nenhum banco me dava crédito ", disse Zeng. "Agora posso pedir emprestado sempre que preciso."

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