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Condomínio em Hernandárias, a 15 quilômetros de Ciudad Del Este, em foto de 2011: “desbravado” pelos brasiguaios do agronegócio, bairro também abriga os brasileiros do bitcoin. Energia barata fornecida pela usina de Itaipu (ao fundo) é o maior atrativo. | Christian Rizzi/Arquivo/Gazeta do Povo
Condomínio em Hernandárias, a 15 quilômetros de Ciudad Del Este, em foto de 2011: “desbravado” pelos brasiguaios do agronegócio, bairro também abriga os brasileiros do bitcoin. Energia barata fornecida pela usina de Itaipu (ao fundo) é o maior atrativo.| Foto: Christian Rizzi/Arquivo/Gazeta do Povo

Foi por acaso que o cearense Rocelo Lopez, de 45 anos, ficou milionário. Dono de uma empresa de tecnologia, ele aceitou, em 2013, a oferta de um cliente que queria quitar suas dívidas de uma forma nada convencional: pagaria tudo, mas com uma moeda até então desconhecida, a bitcoin. “Era pegar ou largar. Eu decidi pegar e guardar”, conta. De lá para cá, essa moeda teve uma valorização de 21.000%. Só nos últimos 12 meses, foram 1.300%.

Nenhum outro investimento formal conseguiu essa proeza, o que provocou um frenesi em torno da novidade por parte de investidores e levantou um alerta sobre o risco de uma bolha, por parte das autoridades monetárias. A bitcoin é uma moeda que não existe no mundo físico, como as notas que carregamos na carteira. As transações não passam por bancos centrais nem por qualquer entidade regulatória. É tudo virtual.

Rocelo Lopez gostou da novidade e, ao tentar entender os meandros desse instrumento financeiro, descobriu que o dinheiro pesado viria não da compra e venda das moedas virtuais, mas da “produção” delas. É o que ele faz hoje no Paraguai.

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A emissão de bitcoins é um processo industrial, de uso intensivo de energia elétrica, ainda não regulamentado em nenhum país. Lopez cruzou a Ponte da Amizade para reduzir custos, em busca de uma conta de luz mais barata, e acabou abrindo caminho para uma nova leva de jovens empresários brasileiros que atravessaram a fronteira para fabricar bitcoins.

Equações

Essa “produção” é feita por supercomputadores, equivalentes a seis videogames de última geração cada um, que realizam cálculos matemáticos de alta complexidade em milésimos de segundos. Juntas, as máquinas estão ligadas a uma espécie de rede paralela na web. Tudo isso foi desenvolvido em 2009 por um programador anônimo de computação. Ele estabeleceu em seus códigos computadorizados que, a cada dez minutos, o software da bitcoin lança uma equação matemática diferente na internet. O computador que desvendar primeiro a fórmula é recompensado com um lote de preciosos 12,5 bitcoins.

Hoje, cerca de um milhão de máquinas funcionam ininterruptamente emitindo 3,6 mil novas unidades de bitcoins todos os dias e consumindo 30 terawatts por hora (Twh) de luz elétrica, mais do que um país como a Irlanda ou a Dinamarca. Segundo dados da empresa britânica Power Compare, o volume de eletricidade que já foi utilizado para colocar no mercado o estoque atual de bitcoins equivale ao consumo de 159 países por ano.

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Como todo produto, a viabilidade da moeda virtual depende do custo-benefício de sua fabricação. Para os brasileiros que estão hoje dedicados a essa atividade, o valor da conta de luz é o que mais pesa no bolso. Por isso, o Paraguai virou uma alternativa para alguns deles.

Antonio Lin, dono de uma fábrica com 350 máquinas, conta que o custo operacional no Paraguai pode ser de apenas um décimo do custo no Brasil. “Uma máquina custa de US$ 2 mil a US$ 5 mil e, trabalhando, consegue se pagar em quatro meses, dependendo da cotação do dólar e do bitcoin. Mas a conta de luz, se for cara, coloca tudo a perder”, diz.

Um quilowatt custa para os fabricantes de bitcoin US$ 0,04 no país vizinho. No Brasil, o preço da energia mais barata é sete vezes maior, em torno de US$ 0,28.

Primeiro a se instalar em Ciudad del Este, Rocelo Lopez produz 8,3 bitcoins por dia, o que rende, segundo ele, um faturamento bruto de R$ 14,5 milhões por mês. Hoje ele tem seis mil máquinas em um espaço de 750 metros quadrados. Elas consomem, por mês, 10 megawatts de energia, equivalente a 2 mil casas paraguaias – média calculada com base nos dados da Ande, a estatal responsável pela distribuição de eletricidade no país.

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“Apesar de ser um negócio rentável, a bitcoin é uma moeda volátil. Temos de economizar bastante para não correr o risco de perder dinheiro”, afirma. Antes do Natal, em 24 horas, a moeda sofreu uma desvalorização de 25%, com uma onda inesperada de vendas.

Hoje, três grandes operações de mineração estão em atividade na Ciudad del Este. Elas dividem um mesmo condomínio industrial a cerca de 20 km do lado brasileiro da Ponte da Amizade. A localização exata é guardada sob sigilo pelos empresários, que temem principalmente pela segurança, além de receios com relação a espionagem industrial.

‘É um inferno lá dentro’

Esconder uma fábrica de bitcoin, entretanto, é uma tarefa difícil. O barulho do sistema de ventilação das fontes de energia e o estalo dos HDs pode ser ouvido a um quarteirão de distância. As fábricas também operam sob forte calor e o respiro dos galpões improvisados no teto e nas paredes entregam que, ali, as supermáquinas estão em atividade. Com empresários jovens, sem formação industrial e ainda sem o domínio das principais tecnologias de refrigeração, a temperatura no interior de uma fábrica de bitcoin pode facilmente ultrapassar os 50°C.

“É um inferno lá dentro”, diz Thiago da Silva Rodrigues, que tem 100 máquinas em operação em um espaço locado dentro da empresa de Rocelo, mas está preparando um galpão para instalar cerca de mil computadores. “O calor é sufocante, é difícil trabalhar”, diz Fernando Zanatta, outro empresário do ramo. As máquinas de bitcoin operam com uma fonte de alta rotação, que gera calor. “Se colocar ar-condicionado, o oxigênio condensa no teto da empresa e a água vai cair em forma de chuva aqui dentro. Vamos queimar todas as máquinas”, diz Antonio Lin.

Para não contratar profissionais especializados e correr o risco de ter seus segredos desvendados, os brasileiros que foram “fabricar” bitcoins no Paraguai lançaram mão de soluções caseiras e improvisadas para amenizar problemas como o da temperatura: criaram um túnel de vento com uma parede de radiadores refrigerados e fizeram buracos no teto para a troca de ar, por exemplo. Nenhum deles tem formação para lidar com um processo fabril do porte que a atividade de emissão de moedas virtuais exige. São programadores, administradores de empresas e cientistas da informação que mudaram de rumo para apostar no bitcoin.

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Em meio aos altos e baixos desse novo mercado, a empreitada no país vizinho parece estar dando certo para esse grupo de brasileiros. Pelo menos por enquanto, eles têm desfrutado de uma vida de milionários na Ciudad del Este.

‘Eu era classe média, e agora, estou rico’, diz brasileiro que produz bitcoin

Aos 28 anos, o carioca Thiago da Silva Rodrigues é um dos novos ricos da bitcoin. Ele está no Paraguai há seis meses produzindo a moeda virtual. “Eu era um cara de classe média, da Barra da Tijuca. Agora estou rico”, conta. “Tenho medo de sequestro e, quando volto ao Rio, só ando acompanhado por um segurança.”

Ele e a mulher, Mariana de Abreu, são programadores. Especialista em blockchain, que é a tecnologia por trás da criptomoeda, ele prestava consultoria para empresas no Brasil. A empresa ainda existe, hoje tocada por funcionários. Mas o seu foco é agora a produção da moeda virtual, um processo também chamado de mineração.

Seguindo a máxima que imperava no auge de Serra Pelada, no Norte do país, onde se dizia que, no garimpo, ganha mais dinheiro quem vende pá e picareta do que aquele que se embrenha na serra, Rodrigues, está reformando um prédio em Ciudad Del Este para transformá-lo em uma fábrica de máquinas de bitcoin.

A ideia é importar peças da China e montar no país. “O imposto de importação aqui é de apenas 1,5%. Quero aproveitar ao máximo esse momento da criptomoeda.”

Condomínio de luxo

No Paraguai, Rodrigues mora no condomínio mais luxuoso da região, o Paraná Country Club, em Hernandárias, a 15 quilômetros de Ciudad del Este. É lá que residem hoje todos os brasileiros do bitcoin na região.

Com forte esquema de segurança, o local é destino consagrado dos brasileiros do agronegócio no Paraguai, chamados de brasiguaios, que fugindo dos problemas de segurança no interior do país passam o período do safra nas fazendas e se abrigam na entressafra no condomínio.

O Paraná Country Club tem aeroporto para pequenos aviões, dois campos de golfe e estande para prática de tiro (o porte de armas é liberado no Paraguai). Fica às margens do Rio Paraná, com vista para a Ilha Acaray, que abriga a usina hidrelétrica de mesmo nome.

“Aqui é cheio de brasileiro. Quem não é brasileiro é libanês ou taiwanês”, diz Rocelo Lopez, que mantém no local um sobrado confortável com piscina para uso próprio e dos funcionários brasileiros a serviço de sua empresa no país.

Embora dividam o mesmo condomínio, os brasileiros que tocam as três grandes operações de mineração de bitcoin em Ciudad del Este não mantêm qualquer relação de amizade. O clima é de disputa entre eles.

No mês passado, o funcionário de uma mineradora foi avistado dentro de uma fábrica concorrente e o clima azedou de vez. “Eu mesmo conheço todos os mineradores aqui, mas não quero conversar com eles. É melhor eles lá e eu aqui”, disse um empresário.

“Estivemos na China para comprar as máquinas e ninguém deixou a gente ver nada lá também. Não é só aqui no Paraguai, é assim no mundo inteiro. Descobrimos esse mercado há três, quatro anos, e estamos resolvendo tudo sozinhos”, afirma Rocelo Lopez, que mantém uma fábrica com seis mil máquinas na cidade vizinha.

Para brasileiros que ‘produzem’ bitcoins, não há bolha especulativa

Falar em bolha de bitcoins com os brasileiros que foram “produzir” a moeda no Paraguai é quase proibido. “Não tem bolha”, diz Marcelo Linhares, que se mudou para o país vizinho para tentar fazer fortuna com a febre da bitcoin. “Isso é uma transformação da economia”, acrescenta.

Autoridades monetárias do mundo todo, porém, já sinalizaram preocupação com a possibilidade da existência de uma bolha. Enquanto a presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA), Janet Yellen, classificou a bitcoin como “altamente especulativa”, o presidente do Banco Central do Brasil, Ilan Goldfajn, destacou que a moeda não tem um lastro e que as pessoas a compram porque acreditam em sua valorização. Quanto maior a percepção de que o ativo vai se valorizar, mais consumidores a adquirem e mais o preço sobe de fato, explicou. “Isso é a típica bolha ou pirâmide, que existem na economia há centenas de anos”, disse.

O especialista Sergio Shmayev, professor de risco na B3 e na escola de finanças BSG, alerta que poucas pessoas detêm a maior parte das bitcoins, o que eleva os riscos: “Dizem que 80% das bitcoins estão na mão de poucas pessoas. Se os caras que detêm a maior parte a venderem, (o preço) cai. A questão é quando isso acontecerá”.

Para o especialista em bitcoin e o professor de finanças Gustavo Cunha, entretanto, as moedas virtuais tendem a se consolidar, e o processo de “fabricação” delas é sustentável no longo prazo. “O único gargalo é a energia. O sistema é muito demandante de energia elétrica e o mundo terá de encontrar uma solução para isso”, diz.

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