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A equipe econômica convenceu o mercado, mas ainda não encontrou uma saída para a economia real. Essa é a visão do economista Paulo Gala, estrategista e diretor da Fator Administração de Recursos. Ele argumenta que já há um consenso de que a política econômica caminha na direção certa, mas isso não é suficiente para reativar a atividade imediatamente. Isso só deve ocorrer quando os juros começarem a cair, o que deve ocorrer no início do próximo ano. Na entrevista a seguir, Gala, que é professor da Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/EESP), também analisa a situação da indústria, que só deve reagir com uma desvalorização maior do real.

O pior já passou na economia?

Vamos dividir a questão em duas parte: ativos e atividade econômica. Acho que, em termos de atividade econômica, a gente não chegou ao fundo do poço ainda. Na minha avaliação, o segundo trimestre vai ser pior do que o primeiro. Os dados que temos visto de confiança, dados preliminares de vendas de carros, fluxo de veículos em rodovias pedagiadas, entre outros indicadores, mostram que abril foi um mês muito ruim e que maio também começou mal. Em relação aos preços dos ativos, a situação está um pouco mais tranquila. Os mercados de bolsa, câmbio e taxas de juros estão bem mais calmos do que em março. Mesmo as análises feitas lá fora, como a do FMI, apontam que o pior já passou em relação aos preços dos ativos. Concordo com essa visão.

O mercado entendeu bem como o governo está lidando com o ajuste fiscal?

O mercado está bastante comprado na ideia de que o ajuste fiscal vai dar certo e que as políticas vão funcionar. Acredita-se que a equipe econômica está fazendo coisas que o mercado acha que estão na direção correta. A agenda dos ministros da Fazenda e do Planejamento, e do presidente do Banco Central é de realinhamento de preços. Fizeram ajuste no preço da energia, da gasolina, estão reduzindo os swaps no mercado de câmbio, estão fazendo o ajuste fiscal. Nesse sentido, estão fazendo um ajuste ortodoxo clássico, que é cortar gastos, subir juros, aumentar impostos e deixar o sistema de preços funcionar. Não quer dizer que os números fiscais são maravilhosos e que a gente vai atingir o 1,2% do PIB de superávit primário. Aliás, não há chance de a gente atingir esse número. Está mais para 0,5%, 0,6%, porque a atividade está muito ruim e a arrecadação está caindo.

O mercado está valorizando mais essa visão de longo prazo, de que a nova equipe está ajustando e readequando a economia. Mas o custo [do ajuste] em termos de atividade econômica está altíssimo.

Então, mais importante do que acertar o número do superávit, é a visão de longo prazo que interessa ao mercado?

O mercado está valorizando mais essa visão de longo prazo, de que a nova equipe está ajustando e readequando a economia. E, mesmo que o número não seja atingido, a política está na direção do que o mercado acha interessante. Mas o custo em termos de atividade econômica está altíssimo. Estamos subindo os juros, que desacelera o crédito; há aumento de imposto, que desacelera investimentos; corte de gastos, que também desacelera a atividade; um choque negativo que terá uma consequência muito pesada para a atividade econômica.

Há um risco de espiral negativa, em que o ajuste impacta as contas públicas gerando mais ajuste, em um ciclo mais longo do que o esperado?

Acho que existe esse risco. A boa notícia é que o Banco Central está chegando ao fim do ciclo de alta de juros. Na minha opinião, sobe só mais 0,25 ponto porcentual e para. Eventualmente ele vai poder reduzir os juros no fim deste ano ou no começo do ano que vem. Isso pode ajudar a estancar essa espiral.

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Na sua opinião o BC já conseguiu segurar as expectativas de inflação?

Ele não conseguiu ainda, mas está muito próximo de conseguir. Muitos economistas de mercado já acham que o Banco Central foi longe demais. Vamos esperar mais alguns indicadores para entender melhor essa dinâmica. Até a próxima reunião do Copom, virá o PIB, que na minha opinião deve vir muito ruim, uma queda de 0,5% na comparação trimestral e uma queda anual de até 2%.

Podemos dizer que a recuperação da economia depende hoje da ancoragem das expectativas de inflação? Há algum outro fator que pode aparecer?

O principal é a inflação mesmo, que pode abrir caminho para o início do corte dos juros. O ajuste fiscal contribui para que haja a convergência da inflação para a meta e para acelerar o processo de redução dos juros. E é só a queda dos juros que vai reanimar os espíritos empresariais. Hoje o quadro é desolador. A gente vinha de um ciclo de crédito muito forte. O crédito saiu de 20% do PIB para 60% nos últimos dez anos. Isso provocou crescimento econômico, mas essa onda acabou com o aumento da taxa de juros.

O governo vai anunciar o pacote de concessões em infraestrutura. Pode ser um fator para reanimar a economia?

O pacote é o canal mais rápido para aumentar a produtividade no curto prazo e traria algum otimismo. O problema é que o apetite dos empresários está muito baixo. Tenho dúvidas sobre o sucesso desse pacote no curto prazo. Existe um potencial enorme nesses projetos, que têm rentabilidade alta por causa das deficiências do país nessa área. Mas o momento em termos de confiança e de expectativas em relação ao futuro é ruim. Com a taxa de juros no patamar atual, fica muito difícil viabilizar projetos.

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A indústria começou a puxar o ciclo de desaceleração e parece não ter encontrado o piso ainda. O que está acontecendo com o setor?

É o setor que está em situação mais grave porque a taxa de câmbio, que é uma variável chave, ainda está desequilibrada. Precisamos de uma taxa de pelo menos R$ 3,50 para tornar a produção industrial brasileira competitiva. Isso em um mundo de deflação de preços industriais, uma situação de excesso de capacidade instalada na China, Europa e Estados Unidos. O Brasil tem de competir com a indústria de países com escala maior e infraestrutura melhor.

Alguma chance de o câmbio ser corrigido?

Na cabeça da nova equipe econômica parece estar bem claro essa agenda de reposicionamento de preços relativos. Dentro disso, provavelmente eles vão acabar com o programa de swaps, que vai ser desmontado dentro de um ou dois anos. Os swaps foram bons para segurar a volatilidade e dar proteção a empresas, mas eles seguraram uma desvalorização mais acentuada da taxa de câmbio que beneficiaria a indústria. Além disso, nosso déficit em conta corrente está enorme, na casa de US$ 100 bilhões, o que também aponta para uma desvalorização do real.

O câmbio sozinho resolveria?

Não. Teria de vir junto um choque de infraestrutura. Há também o trabalho de convergência entre TJLP e Selic e o reposicionamento do BNDES, para que ele seja um fomentador de um mercado privado de capitais, que estão sendo tocados pela equipe econômica. O problema é que tudo isso vai demorar um ano ou dois anos.

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