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Passada a fase de empréstimos bilionários custeados pelo Tesouro Nacional e de apoio indiscriminado às chamadas “campeãs nacionais”, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) precisa concentrar sua atuação nas áreas em que o mercado de crédito privado não funciona bem. E o banco de fomento também precisa ter cuidado ao financiar pequenas e médias empresas: o ideal é dar sustentação ao crescimento das mais produtivas e deixar que as pouco eficientes fechem as portas ou sejam adquiridas por outras.

As recomendações são de Sérgio Lazzarini, um dos principais estudiosos das relações entre empresas privadas e o setor público no Brasil. Professor do Insper, Lazzarini é autor dos livros Capitalismo de laços e Reinventando o capitalismo de Estado, em que investiga as conexões e principais características do que poderia ser chamado de “capitalismo à brasileira”.

Ele avalia que o gigantismo do BNDES – em especial após a crise financeira mundial que estourou em 2008 – inibiu o florescimento de um mercado privado de crédito no país. “Hoje estamos numa situação um tanto complicada, em que as fontes estatais secaram e não existe um mercado privado para compensá-las”, diz.

Lazzarini concedeu, por telefone, a seguinte entrevista à Gazeta do Povo:

Como você avalia a atuação do BNDES nos governos de Lula e Dilma?

No primeiro mandato do Lula, que foi mais ortodoxo, o BNDES não se expandiu muito. Ele teve um salto a partir de 2007, quando o Luciano Coutinho entrou e começou a implementar a ideia de ter grandes grupos patrocinados pelo estado, uma grande participação estatal na economia, e aí começou a se dar um impulso à atividade do banco, por meio de empréstimos e de participações acionárias. Muitas dessas movimentações já estavam sendo engendradas antes da crise financeira de 2008. A fusão que levou à criação da Oi, por exemplo, já estava sendo discutida antes. É claro que com, a crise, se deu um impulso para realmente irrigar a economia, e começou ali a prática de transferir dinheiro do Tesouro para capitalizar o banco. Mas depois a coisa não parou. Durante a crise, a gente até pode dizer que é importante o crédito estatal. Mas depois que o país saiu da crise o banco só fez crescer, e com pouca efetividade. Até 2007, o BNDES tinha desembolso anual de mais ou menos 1,9% do PIB. Posteriormente isso saltou para 3,3% do PIB, em média. E a taxa de investimentos da economia permaneceu estagnada.

Foi ruim o banco ter crescido tanto?

O banco expandiu muito com pouca efetividade, não se observou o que ele estava gerando de resultado. Começou a emprestar, emprestar, emprestar para tudo, inclusive para grandes companhias que poderiam se capitalizar de outra forma. E aí as empresas começaram a pegar o dinheiro por causa dos subsídios, sem muito ganho de competitividade ou produtividade ou mais investimentos.

Qual o efeito dessa atuação sobre o Tesouro?

O Tesouro transferiu R$ 450 bilhões para o BNDES, o que contribui bastante para o aumento da dívida bruta do setor público, que só cresce. Fora isso, tem a conta dos subsídios, ao redor de R$ 30 bilhões por ano. É tudo muito caro, muito custoso.

E o efeito sobre o mercado de crédito?

Quando a economia estava se recuperando, o BNDES poderia ter colocado um pouco mais de pé no freio e dizer: acabou, não vamos fazer campeão nacional, dando dinheiro a torto e a direito. Vamos tentar atrair capital privado para fazer os financiamentos. Mas o que ele fez? Pegou a nata do mercado, Vale, grandes grupos, que o setor privado poderia financiar, e deu recursos. Aí não há como competir com o BNDES, porque ele aplica subsídios e pega a nata do mercado. Tudo indica que o banco provocou um grande “efeito expulsão”. Sua expansão inibiu a emergência de um mercado de crédito privado. E hoje estamos numa situação um tanto complicada, em que as fontes estatais secaram e não existe um mercado privado para compensá-las.

O que você espera para a nova gestão do banco?

A Maria Silvia [Bastos Marques, presidente do BNDES desde o início de junho] sabe que o papel do banco de desenvolvimento não é dar recursos para todo mundo indiscriminadamente, mas localizar áreas em que realmente sua atuação é necessária. O grande balizador é o seguinte: posicionar o banco em áreas onde o mercado não está funcionando. Se vou fazer a concessão de uma rodovia com grande fluxo de veículos, o concessionário pode pegar recursos do mercado privado. Mas se for concessão de uma rodovia importante, mas menos movimentada, então tudo bem, o BNDES pode entrar. Aporte para grandes grupos sem contrapartida, esquece. E é interessante experimentar algumas alternativas além do empréstimo direto. O BNDES pode tentar trabalhar com garantias. Em vez de emprestar, ele pode dar garantia a parte do crédito que a empresa vai pegar no mercado privado.

Como o BNDES deve atuar com pequenas e médias empresas?

Elas em geral têm mais restrição de crédito, menos acesso. Então se enquadram naquela categoria de colocar o BNDES onde o mercado não funciona. Mas não se deve dar um apoio indiscriminado. No Brasil temos um problema de produtividade, que está muito concentrado nessas empresas pequenas e médias. Então é preciso fazer crescer as mais produtivas e deixar as menos produtivas sair do mercado ou ser adquiridas por outras empresas.

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