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O pedido de recuperação judicial da PDG, que já foi a maior incorporadora do país listada na Bolsa de Valores de São Paulo, deve ter consequências para o setor de construção, um dos mais afetados pela recessão. A crise da PDG — com mais de 23 mil credores, dívidas totais de R$ 7,8 bilhões, dos quais R$ 6,2 bilhões foram incluídos no pedido à Justiça de proteção contra credores — deve tornar o crédito mais caro para as empresas, além de aumentar a cautela dos consumidores em relação à compra de imóveis na planta.

“O crédito deve ficar mais caro, principalmente para empresas de porte intermediário. Os bancos vão começar a olhar com um pouco mais de cuidado o segmento na hora de emprestar, porque o risco de crédito do segmento aumenta com esse movimento”, explicou Marcelo Motta, analista do JPMorgan. “Tem ainda um impacto, que é menos óbvio, junto aos consumidores. Quem vai comprar imóvel na planta pode ficar com o pé atrás por causa da repercussão de notícias como essas.”

Os grandes bancos lideram a lista de principais credores da PDG, já que são eles os principais financiadores dos empreendimentos imobiliários no país. Ao menos R$ 2,2 bilhões em dívidas foram originadas em operações de empréstimo com Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, Bradesco, Itaú Unibanco e GDC Partners. A parcela referente às instituições financeiras pode ser ainda maior, já que o valor se refere apenas aos créditos classificados com e sem garantia. Há muitas operações ainda que estão em nome de 56 sociedades de propósito específico (SPEs) incluídas no documento apresentado à Justiça.

As SPEs que entraram na recuperação judicial são sociedades criadas para cada empreendimento de responsabilidade da PDG. Isso é feito para maior controle das obras, mas serve também como uma espécie de proteção ao comprador, já que os créditos e débitos de um determinado empreendimento não se misturam com outros no chamado patrimônio de afetação. Estas sociedades entram no pedido de recuperação porque seus terrenos ou unidades que não foram vendidas servem como garantia aos bancos credores. Há uma lista de SPEs que não entraram na recuperação porque têm sócios que não autorizaram o processo, estão inativas ou têm condições financeiras e posição jurídica que não justifica ingressar no processo.

Desde o ano passado, o governo tenta incentivar o setor da construção. Uma das medidas mais significativas foi o aumento do limite do valor do imóvel que pode ser financiado com FGTS para R$ 1,5 milhão. O esforço não é a toa. Relatório recente do JPMorgan calcula que, entre as nove maiores empresas listadas na Bolsa, os estoques somam 24 meses, totalizando R$ 23,4 bilhões. Os problemas se concentram nos ramos de média e alta renda. Para o fim deste ano, estima-se que o prazo cairá para 19 meses, valendo R$ 22,4 bilhões. Apesar da queda dos juros, a expectativa é que os preços dos imóveis continuem a cair pelo terceiro ano seguido. Nos últimos dois anos, a queda real foi de 14%. Para este ano, o recuo deve ficar entre 2% e 3%, calcula o banco.

Fila de recuperações

Segundo fontes do setor, no Rio de Janeiro, haveria ao menos quatro construtoras de médio porte que já estudam entrar com pedido de recuperação judicial. No ano passado, foram registrados 1.863 pedidos de recuperação judicial, dos quais 259 foram feitos por grandes empresas. Uma delas foi a incorporadora Viver, com dívida em torno de R$ 1,2 bilhão.

“Um dos grandes benefícios da recuperação judicial é que você ganha a suspensão de ações contra a empresa. Até a aprovação do plano, que ainda vai levar uns 30 dias úteis, nada pode ser feito. Agora a empresa tem uma chance real de se recuperar e voltar a fazer lançamentos”, explicou Rafael Carlos, executivo da consultoria Alvarez & Marsal que está tocando a Viver durante o processo de recuperação.

Um especialista do setor que pede para não ser identificado diz que a falta de liquidez das companhias é geral diante da queda nas vendas e da explosão dos distratos. “Se o plano da PDG for inteligente, vai estimular outras construtoras a pedirem proteção à Justiça para blindarem suas operações e seguirem em atividade”, avalia.

Na avaliação de Motta, do JPMorgan, as empresas de construção e incorporação passaram por uma “tempestade perfeita” nos últimos anos, prejudicadas pelo rápido aumento dos juros a partir de 2013 e pela desaceleração da economia, que levou à alta do desemprego e, consequentemente, à explosão dos distratos (desistência do imóvel). O movimento atingiu o setor como um todo, mas características próprias da gestão da PDG tornaram mais aguda sua crise em comparação com a das rivais.

Apenas no terceiro trimestre de 2016, o percentual de distratos sobre o total de imóveis vendidos da PDG foi de 101%, já que as rescisões podem ser referentes a vendas feitas anteriormente àqueles três meses. Nesse mesmo período, a taxa de distratos no mercado foi de 44,8%. Diante do pedido de recuperação, as ações da PDG voltaram a desabar ontem e fecharam em baixa de 30,56%, a R$ 2.

Para Motta, o único caminho para a PDG é a negociação de um desconto expressivo da dívida. “A dívida atual nos parece impagável. Então, em nossa visão, duas coisas têm que acontecer: uma delas é que a dívida precisa sofrer uma redução da ordem de 50% a 60% para que a PDG, com os estoques e projetos que têm para gerar caixa, tenha condições de pagá-la. Hoje a PDG está sem dinheiro até para pagar distratos. E, obviamente, obter a redução dos juros associados a essa dívida.”

Para sair dessa situação, a empresa espera levantar recursos com a venda de alguns bens, como terrenos. No entanto, eles também servem como garantia de créditos tomados no passado.

Os clientes que compraram imóveis ainda não entregues pela PDG têm uma chance de se livrar do processo de recuperação judicial da empresa, que implicaria entrar na fila de seus credores. A empresa espera ganhar fôlego durante os próximos 60 dias para conseguir dar continuidade a parte das 14 obras que estão paralisadas em seis estados (Amazonas, Bahia, Maranhão, Pará, Rio de Janeiro e São Paulo).

“A PDG envidará todos os seus esforços para acabar as obras o quanto antes. Assim, a princípio esses clientes não entrariam na categoria de credores. Via de regra, a PDG priorizará os interesses de consumidores nessas situações”, informou a empresa.

Terrenos

O plano que vem sendo costurado para manter a PDG de pé está sendo construído para maximizar a recuperação de crédito dos credores por meio de diferentes opções de negociação. Entre as opções estão o alongamento do fluxo de pagamentos, a conversão da dívida da companhia em capital e a criação de mecanismos que incentivem os credores a liberar dinheiro novo para a PDG, explicou uma fonte próxima ao grupo.

“A PDG pode oferecer aos próprios clientes cotas de ativos ou dos empreendimentos em garantia aos pagamentos. Com a retomada do mercado, podem ser vendidos e usados para indenizar as pessoas. A partir do momento que a empresa pede recuperação, todo cliente com valores ou imóvel a receber já é credor”, explica um especialista em recuperação de empresas.

A PDG suspendeu os pagamentos de multas e distratos devidos a consumidores, afirmam fontes de mercado. A companhia poderia recorrer a seu banco de terrenos, vendendo áreas para obter recursos ou realizando, posteriormente, lançamentos que renderiam vendas a partir da retomada da economia. Na petição enviada à Justiça, porém, a incorporadora explica que esses terrenos estão “onerados em favor de alguns credores do Grupo PDG”.

“Não se sabe de qualquer negociação de ativos ou terrenos no mercado. A questão é que, além do momento econômico ruim, os terrenos e projetos da PDG não são atrativos para as empresas do segmento”, diz um empresário que atua no mercado imobiliário.

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