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PIB
Brasileiro está mais comedido na hora de ir às compras: consumo das famílias cresceu apenas 0,2% no primeiro trimestre.| Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

O forte desempenho da agropecuária nos primeiros meses do ano pode estar passando uma imagem distorcida sobre a situação do conjunto da economia brasileira. Enquanto os produtores rurais colhem uma supersafra que infla resultados e projeções do Produto Interno Bruto (PIB), setores como a indústria seguem estagnados. Consumo e investimento produtivo também decepcionaram.

Graças ao impulso do agro, o PIB avançou 1,9% no primeiro trimestre, acima das expectativas. O dado levou a uma onda de revisões nas projeções de economistas para o ano todo. De uma semana para outra, a mediana das expectativas saltou de 1,26% para 1,68%, e as apostas mais otimistas passaram de 2,3% para 3%, segundo o boletim Focus, do Banco Central.

A questão é que, enquanto a produção no campo aumentou quase 22% na comparação com o último trimestre de 2022, outros setores estão em marcha bem distinta. O PIB industrial recuou 0,1%, a segunda retração seguida. Os serviços, por sua vez, cresceram 0,6%.

Os resultados sob a ótica do consumo não foram melhores. A chamada absorção interna – a soma de consumo das famílias, investimento produtivo e gastos do governo – veio mais fraca que o esperado. O consumo das famílias cresceu somente 0,2%, os gastos do governo avançaram 0,3% e o investimento produtivo encolheu 3,4%.

Consumo das famílias cresce pouco, mesmo com impulso fiscal

O consumo das famílias desapontou no primeiro trimestre. “Dada a recuperação do emprego, os impulsos fiscais via o programa Bolsa Família e o reaquecimento da massa real de salários, o crescimento trimestral do consumo foi decepcionante”, destaca o economista-chefe do banco Fibra, Marco Maciel.

Um fator que pressiona negativamente é a inadimplência, que sobe sem tréguas desde o início do ano, conforme os cálculos da Serasa Experian. Em abril, 71,4 milhões de pessoas tinham restrições ao crédito, ou 43,8% da população adulta brasileira. É o maior número da série histórica iniciada em março de 2016.

As dívidas com bancos e financeiras estão em alta. Segundo a Serasa, elas correspondiam a 46,7% do total em abril, ante 40,5% um ano antes.

As famílias também estão com mais compromissos financeiros. Pesquisa feita pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) aponta que, em abril, 78,3% das famílias tinham dívidas a vencer (cheque pré-datado, cartão de crédito, cheque especial, carnê de loja, crédito consignado, empréstimo pessoal e/ou prestação de carro e de casa).

A expectativa da entidade é de que a situação piore nos próximos meses. “O risco de inadimplência se acirrou na classe média”, diz a economista Izis Ferreira. Ela aponta que quem tem dívidas atrasadas há mais tempo segue enfrentando dificuldade de sair da inadimplência em razão dos juros altos, que elevam as despesas financeiras.

Investimento se retrai e dificulta crescimento futuro do PIB

O investimento teve uma queda de 3,4% no primeiro trimestre, o pior começo de ano desde 2009 para o indicador. Segundo a economista-chefe do banco Inter, Rafaela Vitória, a retração, assim como a do consumo das famílias, foi influenciada pelas taxas de juros mais restritivas.

Maciel, do Fibra, faz uma relação entre as fortes quedas do investimento e das importações, que recuaram 7,1%: a utilização de componentes estrangeiros nas máquinas e equipamentos produzidos no Brasil é muito elevada, o que faz com que parte da forte queda das importações esteja associada ao encolhimento no investimento produtivo.

Outro fator que pesa na retração do investimento é a situação financeira das empresas. Segundo os economistas da XP, Alexandre Maluf e Rodolfo Margato, elas estão mais endividadas. A situação financeira delas também piorou no último ano.

Um estudo feito pela TC Economática a partir da performance de 312 empresas brasileiras aponta que a receita operacional líquida nominal (não incluída a inflação) teve um crescimento de 4,51% no comparativo entre os primeiros trimestres de 2022 e 2023. Enquanto isso, o resultado operacional ou geração de caixa, medido pelo Ebitda, caiu 4,19%.

O lucro líquido caiu ainda mais: 37%. E 31% das empresas fecharam o primeiro trimestre no vermelho, com prejuízo.

A retração no investimento desperta preocupações entre os economistas, já que é um elemento essencial para impulsionar o crescimento econômico sustentável.

A taxa de investimento caiu do equivalente a 18,9% do PIB no último trimestre de 2022 para 17,7% nos três primeiros meses deste ano. É o menor índice dos últimos nove trimestres.

Essa retração, de acordo com a economista-chefe do Inter, reflete o arrefecimento dos setores ligados a commodities, bem como o impacto dos juros sobre a construção.

Primeiros números do segundo trimestre mostram piora no quadro

Os primeiros números do segundo trimestre mostram que esse comportamento continua. A produção física de bens de capital caiu 8,3% no primeiro quadrimestre de 2023, em relação ao ano anterior.

“Esses números refletem o aperto da política monetária, a menor lucratividade das empresas e a queda pronunciada na produção de caminhões”, diz Rodolfo Margato, economista da XP Investimentos.

Mas não são só os bens de capital que estão sendo afetados pelo cenário adverso. A situação também se repete entre os bens de consumo durável. Apesar de ainda registrarem um crescimento de 5,8% no comparativo entre os primeiros quadrimestres de 2022 e 2023, a trajetória é de queda.

Em abril, a produção física encolheu 6,9% em comparação a março e de 2,6% na base trimestral. “Crédito mais caro e elevado grau de endividamento vem impactando tal atividade”, afirma Margato.

Projeções do PIB para os próximos trimestres

As projeções são de desaceleração do crescimento do PIB nos próximos trimestres. Os economistas Natália Cotarelli e Matheus Fuck, do Itaú, veem uma perda de fôlego nos próximos trimestres, com crescimento ligeiramente positivo na economia.

“A retração da absorção doméstica no primeiro trimestre reforça essa visão. Afinal o forte crescimento do PIB no primeiro trimestre foi, em grande parte, impulsionado por setores menos sensíveis ao ciclo econômico”, complementam os economistas da XP, em referência à agropecuária e a indústria extrativa, que cresceu 2,3% no início do ano.

Para Maciel, do banco Fibra, a expectativa é de que os bons resultados da safra tenham reflexos até julho, contribuindo para manter o PIB robusto no segundo trimestre e para a desaceleração da inflação de alimentos no domicílio.

Os investimentos deverão continuar tendo um ritmo fraco, devido à manutenção dos juros em níveis elevados. Para o consumo, as expectativas são de crescimento frágil. “As despesas pessoais com bens e serviços devem continuar em arrefecimento nos próximos meses”, dizem os economistas da XP Investimentos.

Por um lado, há o mercado de trabalho mais resiliente e a renda real sendo beneficiada pela queda na inflação. Por outro, há a pressão causada pelos juros e pelas condições deterioradas dos orçamentos domésticos.

Vitória aponta que a queda da inflação e o esperado início do ciclo de cortes na taxa básica de juros (Selic) no segundo semestre podem resultar em uma recuperação do crescimento a partir do fim do ano.

“Mas ainda devemos ver baixo crescimento até 2024”, diz a economista. Em sentido oposto às perspectivas para 2023, a mediana das projeções para o PIB de 2024 recuou de 1,4%, um mês atrás, para 1,28% no boletim Focus mais recente.

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