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“Se eu não trabalhasse como autônomo, eu não teria como sobreviver. No mercado formal, você concorre com pessoas que não têm limitação; aí é complicado.” Evandro Marcondes de Carvalho, massoterapeuta | Marcelo Elias/Gazeta do Povo
“Se eu não trabalhasse como autônomo, eu não teria como sobreviver. No mercado formal, você concorre com pessoas que não têm limitação; aí é complicado.” Evandro Marcondes de Carvalho, massoterapeuta| Foto: Marcelo Elias/Gazeta do Povo

Participação

Famílias também empreendem

A participação das famílias dos deficientes na experiência empreendedora é tida como fundamental pela equipe da Universidade Livre para a Eficiência Humana (Unilehu), organização não-governamental que atua na preparação das pessoas com deficiência para o mercado de trabalho. "A família acompanha a pessoa com deficiência em muitos espaços, inclusive no trabalho. Ela precisa participar da sua experiência empreendedora também", explica o coordenador de projetos da Unilehu, Enéias Pereira. Segundo ele, a família precisa se livrar dos sentimentos de superproteção e até mesmo da dependência da pessoa com deficiência.

Para incutir essa consciência nas famílias de pessoas com deficiência, a Unilehu vai promover um encontro especial com esse público para conversar sobre empreendedorismo. O evento "Famílias em ação" acontece no dia 22 de novembro, das 9 h às 12 h, na Unilehu (rua Baltazar Carrasco dos Reis, 1787 - Rebouças). Mais informações no telefone (41) 3333-6921. (EHC).

Elas representam pouco mais de 14% da população brasileira, mas ocupam menos de 1% das vagas formais de trabalho no país, segundo o Ministério do Trabalho. Apesar da Lei de Cotas, que garantiu a sua contratação em médias e grandes empresas, as pessoas com deficiência ainda enfrentam o preconceito e a falta de preparação das empresas para carimbarem em definitivo sua carteira de trabalho.

Diante da desproporção estatística, começar um negócio próprio surge como alternativa à falta de oportunidades no mercado formal e ao preconceito – e ainda garante a oportunidade de autonomia e o descobrimento de novas possibilidades de trabalho.

Não há estatísticas de quantos são os deficientes físicos ou mentais, cegos ou surdos que se aventuraram nas trilhas do empreendedorismo. O Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) do ano 2000 indica apenas que 9 milhões de pessoas com deficiência trabalham no país – o equivalente a 36% dos deficientes brasileiros. Se considerarmos que apenas 348,8 mil das vagas formais do país são destinadas a pessoas com deficiência, temos mais de 8 milhões delas trabalhando como autônomas ou na informalidade – a maioria por necessidade, e não necessariamente por vocação ou oportunidade, como explica Andréa Koppe, presidente da organização não-governamental Universidade Livre para a Eficiência Humana (Unilehu), que atua na qualificação de pessoas com deficiência para o mercado de trabalho. "Ainda falta oportunidade para as pessoas com deficiência trabalharem. Quem está em idade laboral hoje não teve uma educação inclusiva, mas o emprego formal exige mais escolarização. Também falta estrutura nas próprias empresas para receber essas pessoas. Como, muitas vezes, as famílias são de origem humilde, as pessoas com deficiência acabam vendendo coxinha, pano de prato, salgadinhos, artesanato... E normalmente para a vizinhança."

Caminho difícil

Da venda de coxinhas até a abertura da própria empresa, baseada em estudos e oportunidade, opina ela, poucas são as pessoas que conseguem traçar o tortuoso caminho, e mesmo as que o fazem sonham com a segurança da carteira assinada e o holerite no fim do mês. A diferença da opção pelo empreendedorismo, na opinião de Andréa, está na possibilidade de se trabalhar com o que se gosta, um fator especialmente importante no caso de pessoas com deficiência. "Ter um próprio negócio abre possibilidades, mostra novas perspectivas de vida. Isso é extremamente importante para essas pessoas."

Para o deficiente visual Evandro Marcondes de Carvalho, de 37 anos, a principal vantagem em ser autônomo é ter contato com pessoas diferentes. "A todo momento eu estou conversando, trocando experiências, tirando proveito do que as pessoas falam. Para mim, há muito crescimento." Evandro, que tem catarata congênita (ele tem apenas 5% da visão), é massoterapeuta e também atua como agente de viagens. Só trabalhou com carteira assinada por duas vezes, durante um período que não ultrapassou três anos. Durante todos os outros, desde os seus oito anos, se virou conforme dava: vendia salgados e panos de prato feitos pela mãe, cortava grama ou vendia produtos de catálogo. Aos 21 anos, fez sua primeira viagem como guia de turismo, à cidade de Aparecida. "Meu professor de Ensino Médio organizava viagens e eu ajudava em algumas, mas ele me largou sozinho nessa. Na época, eu não percebi que ele fez isso para que eu caminhasse com minhas próprias pernas", lembra ele.

O sucesso da primeira experiência fez com que, semanas depois, Evandro lotasse mais dois ônibus para excursionar, novamente, a Aparecida. Desde então, sempre como autônomo, já viajou para Foz do Iguaçu, Serra Gaúcha, Paranaguá e Nova Trento, em Santa Catarina, entre outros destinos. A carreira de massoterapeuta surgiu em 1998, depois que fez um curso técnico. "Eu fiz para ajudar quem eu conhecia e que tinha alguma doença, como problemas no nervo ciático ou estresse. Depois, as pessoas me procuraram e começou a entrar dinheiro."

Necessidade

Apesar de realizado com sua experiência de empreendedor, Evandro afirma que seu sonho é ter a carteira assinada, porque "trabalhar como autônomo é igual roça: você nunca sabe como vai ser a colheita". O desejo revela que ele é um empreendedor por necessidade, e mostra as dificuldades que ainda enfrentam as pessoas com deficiência no mercado formal. "Se eu não trabalhasse como autônomo, eu não teria como sobreviver. No mercado formal, você concorre com pessoas que não têm limitação; aí é complicado." Para ele, o principal empecilho à pessoa com deficiência não é nem a falta de vagas, uma vez que a Lei de Cotas reserva até 5% delas para trabalhadores como ele, mas a falta de preparação das empresas para lidar com esse funcionário. "Não adianta simplesmente colocar o deficiente numa vaga só para preenchê-la. Você precisa prepará-lo, treiná-lo, dar oportunidade para que ele progrida na empresa."

Mesmo com o sonho do holerite, Evandro é entusiasta do negócio que toca – ainda na informalidade, já que o dinheiro é pouco para formalizar o negócio e montar um pequeno capital de giro. "Meu sonho ainda é um emprego formal, mas não dá para ficar esperando. Nós precisamos fazer a coisa acontecer, e aproveitar as oportunidades que nos aparecem."

Foi o que ele fez naquela viagem a Aparecida do Norte, quando foi guia de um grupo de 30 pessoas – e acabou encontrando um caminho também para si.

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