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Michelle: “Permiti que o trabalho tomasse uma proporção bem grande do meu tempo” | Albari Rosa/ Gazeta do Povo
Michelle: “Permiti que o trabalho tomasse uma proporção bem grande do meu tempo”| Foto: Albari Rosa/ Gazeta do Povo

Mundo corporativo

Companhias valorizam quem se dispõe a trabalhar fora do horário

Se existe uma área em que a fronteira entre tempo de trabalho e tempo livre praticamente não existe é o mercado corporativo. Não se trata de uma exigência explícita das empresas por profissionais dispostos a abrir mão do seu tempo ocioso em função do trabalho, mas todos sabem que a disponibilidade para o negócio é bem vista pelas companhias, afirma o gerente do escritório de Curitiba da Michael Page, Leandro Muniz.

"O período de férias, por exemplo, era um dos últimos refúgios sagrados para os profissionais, mas a maioria já não consegue se desconectar para desfrutar do descanso com a família ou amigos. Além disso, quanto mais o profissional sobe na hierarquia da empresa, mais concessões ele precisa fazer", afirma Muniz.

Segundo ele, essa invasão do trabalho no tempo ocioso das pessoas gera falta de foco e compromete e a produtividade. De acordo com a pesquisa do Ipea, quase metade das pessoas (48,8%) não gosta de dedicar o tempo livre ao trabalho, mas a maioria dessas (36,7%) já se conformou com a situação por medo de perder o emprego.

  • Grimberg:

Faz pouco mais de um mês que a consultora Michelle Thomé, de 38 anos, deixou o cargo de gerente de comunicação em uma multinacional para se dedicar a um projeto pessoal. Desde então sua rotina desacelerou, mas ela ainda não conseguiu se livrar de um hábito adquirido no mercado corporativo: todos os dias, ao acordar e antes de dormir, ela passa cerca de 30 minutos lendo e respondendo e-mails.

INFOGRÁFICO: Cerca de 40% das pessoas acham que o tempo dedicado ao trabalho prejudica a qualidade de vida

Um levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) feito com 3.769 pessoas mostra que, assim como Michelle, quase metade dos entrevistados (45,4%) têm dificuldades para se desligar totalmente do trabalho após o fim da jornada diária. E cerca de 40% sentem que o seu tempo livre encurtou, especialmente por causa do excesso de tarefas e da necessidade de levar atividades para casa.

Curiosamente, dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE, mostram que a permanência no ambiente de trabalho diminuiu nos últimos anos, principalmente por causa da limitação da jornada legal. Ou seja, embora a jornada "oficial" esteja mais curta, estamos cada vez mais envolvidos e conectados ao trabalho.

De 1992 para 2009, o porcentual de pessoas que trabalham mais de 45 horas por semana caiu dez pontos percentuais, mas as exigências e o acumulo de funções cresceram. Quase 42% dos profissionais admitem ser responsáveis por atividades que antes eram exercidas por mais de uma pessoa e 47% afirmam que são cobrados para fazer essas tarefas com grande velocidade. Além disso, mais da metade dos entrevistados considera alta a exigência para se comunicar bem – escrita e oralmente – e atender bem aos clientes e fornecedores.

Não é à toa que 40% das pessoas acham que o tempo dedicado ao trabalho compromete a sua qualidade de vida, na medida em que gera cansaço e estresse (13,8%) e afeta as relações amorosas e familiares (9,8%). Na prática, a dedicação ao trabalho além da jornada estabelecida faz com que 70% das pessoas não consigam manter outros compromissos regulares, como atividades educacionais, esportivas ou até mesmo outro emprego remunerado.

A disseminação de smartphones, tablets e computadores portáteis parece dificultar a separação entre trabalho e vida pessoal. "A hiperconectividade trouxe a empresa e o trabalho para dentro da casa das pessoas, e vice-versa", avalia a psicóloga Rita Passos, da Associação Brasileira de Qualidade de Vida.

As empresas estão mais enxutas, competitivas e exigentes, e os profissionais são muito mais demandados. Por outro lado, existem dezenas de pequenas distrações que nos fazem perder o foco no trabalho e minam a nossa produtividade. "Passamos 20% do nosso tempo fazendo atividades realmente importantes, e os outros 80% gastamos em coisas bem menos relevantes. Em algum momento o tempo mal aproveitado no trabalho vai fazer falta", alerta a psicóloga.

Engrenagens

Pular o almoço era quase rotina

Pular o almoço para "render mais" era praticamente uma rotina da consultora Michelle Thomé antes de deixar o emprego em uma multinacional, há cerca de um mês. Para ela, o ambiente corporativo é como uma grande engrenagem que funciona na base da interdependência, com cada profissional desempenhando um papel fundamental.

"No meu caso, como gosto muito do que faço, queria dar o meu melhor o tempo todo e não deixar ninguém sem resposta, mas o volume de atividades era muito grande e eu fui permitindo que o trabalho tomasse uma proporção bem grande do meu tempo", conta ela, que deixou a empresa para tocar um negócio próprio.

Um mês depois, Michelle comemora os prazeres proporcionados por mais tempo livre. "Tenho feito todas as refeições tranquilamente; me dedicado mais à prática de atividades físicas; além de ter mais disponibilidade para os meus amigos", diz.

Longo Expediente

Primeiro a chegar e último a sair

A conta diária das horas de trabalho e tempo livre do empresário Gilles Grimberg, de 42 anos, anda bastante desequilibrada. Diretor de uma empresa com escritórios em Cingapura, Israel, Canadá e Suíça, ele chega a fazer jornadas de 16 horas por dia para dar conta do volume de atividades que a posição exige.

"Quando se atinge um nível gerencial, é preciso ter consciência de que o trabalho não termina às 18 horas. O comprometimento precisa ser constante", diz. O smartphone é companhia inseparável – não sai das mãos de Grimberg nem mesmo na hora de preparar o café da manhã. A raquete de tênis, por sua vez, está abandonada no porta-malas do carro por falta de tempo para outras atividades.

Mas, se tudo ocorrer como planeja Grimberg, essa rotina tem data para acabar. "Mais três anos. Depois quero tirar o pé do acelerador e aprender a delegar funções. Estou na minha fase mais produtiva e encaro isso como um investimento em mim e na minha empresa", diz Grimberg, que passou o Dia dos Pais viajando para atender um cliente no Norte do país.

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