• Carregando...
A produtividade da indústria brasileira diminuiu entre 1995 e 2021, enquanto a dos serviços avançou pouco e a da agropecuária deu um salto.
A produtividade da indústria brasileira diminuiu entre 1995 e 2021, enquanto a dos serviços avançou pouco e a da agropecuária deu um salto.| Foto: Pixabay

A produtividade brasileira por hora trabalhada vem crescendo pouco há mais de duas décadas, e esse movimento está concentrado principalmente no campo.

Um estudo feito pela Fundação Getulio Vargas (FGV) mostra que o indicador cresceu a uma média de apenas 0,9% ao ano entre 1995 e 2021. Se por um lado a produtividade da agropecuária avançou 5,6% ao ano, nos serviços o crescimento médio foi de 0,4%. Pior ainda foi a indústria, que ficou menos produtiva no período, com recuo médio de 0,2% ao ano.

Por mais que possa ser pouco perceptível no dia a dia, a estagnação da produtividade tem efeitos na vida de todos. A literatura econômica mostra um país só consegue aumentar renda e qualidade de vida de forma duradoura se conseguir gerar mais riquezas com os mesmos recursos. E isso será ainda mais necessário em meio à transição demográfica que, dentro de alguns anos, passará a reduzir a força de trabalho do país.

Quatro fatores são determinantes para esse cenário:

  • falta de um ambiente adequado de negócios;
  • infraestrutura deficiente;
  • baixa escolaridade da mão de obra; e
  • falta de reformas estruturais.

O pesquisador Fernando Veloso, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV), lembra que entre 1950 e 1980 o ritmo de expansão da produtividade brasileira foi um dos maiores do mundo, baseado em um processo de transformação estrutural de nossa economia. O período foi marcado pela urbanização do país, que acompanhou a transição de uma economia agrária para uma fundamentada na indústria e nos serviços.

“Era um modelo baseado no Estado, via substituição de importações, subsídios concedidos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico [BNDE, atual BNDES] e incentivos tributários”, explica Veloso.

Só que a manutenção daquele ritmo de expansão dependia de mudanças no modelo, com o favorecimento do crescimento setorial. O que não ocorreu. “A partir dos anos 80, era necessária uma participação mais ativa do setor privado, com a realização de privatizações e menos subsídios”, diz o pesquisador.

Segundo ele, apesar de avanços na abertura da economia e a realização de privatizações nos anos 1990, não houve uma evolução no modelo econômico, que permaneceu disfuncional. “Sem a mudança, e com a manutenção de políticas de proteção a empresas, as mais produtivas não cresceram porque recursos foram canalizados para as menos produtivas”, destaca.

O ambiente de negócios e os impactos na produtividade

Um dos fatores que inibem o crescimento da produtividade, segundo a gerente de políticas industriais da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Samantha Ferreira e Cunha, é a falta de um ambiente adequado de negócios para o país.

“O ideal, para a realização de investimentos, seria que tivéssemos um ambiente de baixa incerteza, com crédito adequado, um sistema tributário bem menos complexo, pois o atual dificulta a exportações, menos burocracia, qualidade melhor de infraestrutura e um menor custo da energia elétrica”, diz.

Segundo ela, um cenário mais adequado possibilitaria que os custos de produção brasileiros não fossem maiores que o dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Algumas iniciativas facilitaram o acesso ao crédito nos últimos anos, como o cadastro positivo, o Pix, o Open Finance e a duplicata eletrônica. Mas fatores conjunturais, como a necessidade de aumentar os juros por causa da alta na inflação, atenuaram os ganhos com essas medidas.

Infraestrutura deficiente

Mas não são apenas a CNI e a FGV que vêm alertando para a baixa produtividade do país. Um estudo realizado pelo Banco Mundial em 2016 concluiu que o país enfrenta uma estagnação nessa área.

“A baixa qualidade da infraestrutura é amplamente considerada uma das razões para as taxas de crescimento no país”, afirma o estudo. Nos últimos dez anos, segundo o FMI, o Brasil cresceu ao ritmo de 0,27% ao ano, enquanto a economia mundial avançou em um ritmo dez vezes maior.

“Estamos gastando menos em infraestrutura”, afirma o especialista da FGV. Uma análise feita pela Associação Brasileira da Infraestrutura e das Indústrias de Base (Abdib) sinaliza que seria necessário investir ao menos R$ 284,4 bilhões por ano, até 2031, para que o país possa superar os gargalos, principalmente nas áreas de saneamento e de transporte e logística. Porém, para este ano, está prevista a aplicação de pouco mais da metade disso – cerca de R$ 151,2 bilhões, segundo estimativas da consultoria Inter.B.

Baixa escolaridade também atrapalha

Outro problema, segundo Valoso, é a qualidade da educação no Brasil. Em 2018, no último Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa, na sigla em inglês), que avalia os conhecimentos adquiridos por alunos de 15 anos, o país teve um desempenho médio pior do que os integrantes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em leitura, matemática e ciências.

Apenas 2% dos estudantes tiveram elevada performance em ao menos uma disciplina, contra 16% nos países da OCDE. E 43% dos estudantes apresentaram fraco desempenho, abaixo dos níveis de proficiência, nas três matérias.

“O Brasil gasta muito em educação, mas não tem tradição de bons resultados”, destaca Samantha.

O cenário poderia ser pior, diz Veloso. A escolaridade média do trabalhador brasileiro deu um salto nos últimos 30 anos. Segundo a FGV, em 1992 cerca de dois terços dos trabalhadores brasileiros não tinham o ensino fundamental completo. Em 2021, proporção semelhante tinha o ensino médio completo. Os trabalhadores com ensino superior completo passaram de 5,8% para 21,4% do total no período.

“Isto contribuiu para uma redução na informalidade ao longo do tempo e para o aumento do trabalho com carteira assinada. Os ganhos seriam maiores se não fosse a crise causada pela pandemia”, diz o pesquisador.

Mas, diante de um cenário de profunda transformação digital, o país será obrigado a fazer duas coisas ao mesmo tempo: conduzir esse processo e investir em mão de obra de maior qualidade. “E não é só termos mais engenheiros, matemáticos e programadores. É familiarizar os estudantes com tecnologias digitais”, enfatiza Samantha.

O Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) aponta que o Brasil precisa qualificar 9,6 milhões de trabalhadores em ocupações industriais até 2025 para repor inativos, preencher novas vagas e assegurar a atualização da mão de obra.

Falta de reformas impacta na produtividade

A falta de reformas, a proteção a empresas menos produtivas, a manutenção de tarifas elevadas de importação, as renuncias tributárias e a manutenção de créditos subsidiados contribuíram para que o custo Brasil fosse mantido.

Mas há alternativas que podem assegurar ganhos de produtividade ao país. Elas dependem de complexas negociações internacionais: uma delas é o acordo comercial Mercosul-União Europeia, que depende da homologação pelos mais de 30 países envolvidos; outra é a adesão à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Na sexta-feira (10), o comitê de ministros da instituição aprovou o plano com os termos e condições para o ingresso no Brasil, que ainda deve levar de três a cinco anos para ser concluído.

Outro caminho para destravar os problemas de produtividade é a aprovação da reforma tributária, apontam os especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo. Há pelo menos duas propostas de emenda constitucional (PECs) na Câmara e no Senado para serem analisadas. A expectativa é de que sua tramitação avance em 2023.

“Complexidade tributária e incentivos fiscais são fatores que aumentam o custo Brasil”, diz Veloso, do Ibre/FGV. Um estudo divulgado pelo Banco Mundial em 2020 mostra que o Brasil tem o sétimo pior sistema tributário do mundo, à frente apenas de República do Congo, Bolívia, República Centro-Africana, Chade, Venezuela e Somália.

Segundo a KPMG, um bom crescimento da produtividade é um elemento-chave para que os países emergentes consigam alcançar a renda dos mais desenvolvidos. “Os ganhos de eficiência são normalmente associados aos esforços de empresas ou setores na forma de inovações tecnológicas, investimento em capital (ativos) e melhorias no processo produtivo.”

O país está atrasado nesse quesito, não tendo boa adaptação às mudanças estruturais (qualificação profissional devido a mudanças na indústria e seus processos) ao longo das últimas décadas, nem respondeu positivamente ao efeito tecnológico (adoção de tecnologias nas tarefas que antes eram feitas manualmente).

“No Brasil, ainda é necessário avançar em relação à adoção de tecnologias emergentes e ao cenário estrutural das organizações, suas equipes e seus processos, principalmente no setor de infraestrutura, onde há a maior lacuna de produtividade”, cita relatório da KPMG sobre infraestrutura publicado no fim de abril.

Um estudo feito no ano passado pelos economistas Jens Arnold e Robert Grudtke, da OCDE, sinaliza que a recuperação da crise causada pela Covid-19 exigirá aumento de produtividade por meio de reformas estruturais. “Isto implica mudanças nas políticas econômicas”, afirmam.

Eles apontam que, com grandes partes da economia afastadas da competição, as empresas têm pouco estímulo para se tornarem mais produtivas. “Parcelas consideráveis de trabalho e capital estão presas em empresas de baixa produtividade que sobrevivem graças ao apoio de políticas que causam distorção.”

Mas Veloso destaca que as reformas, por si só, não podem ser consideradas como uma “bala de prata”. Segundo ele, os ganhos em produtividade dependem também da expansão da demanda. E isto pode ser conseguido por meio de uma maior participação no comércio internacional, melhoria na infraestrutura e uma estabilidade política e econômica que dê segurança para os empresários.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]