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| Foto: Henry Milleo/Gazeta do Povo

O presidente interino Michel Temer (PMDB) quer apresentar até meados de junho uma proposta de consenso para a reforma da Previdência, construída em conjunto com centrais sindicais. Mas é pouco provável que medidas consensuais sejam capazes de evitar o colapso do sistema previdenciário nas próximas décadas.

As mudanças realmente capazes de prolongar a vida útil da Previdência vão contrariar os interesses dos trabalhadores e atacar questões que os sindicalistas não aceitam discutir, a começar pela fixação de uma idade mínima para aposentadoria que valha para quem já está no mercado de trabalho.

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“Se a idade mínima valer só para os novos trabalhadores, levará décadas para fazer efeito. Será muito grande o risco de o país ter de fazer uma mudança muito mais brusca lá na frente”, adverte o economista Rogério Nagamine Costanzi, que já dirigiu o Departamento do Regime Geral de Previdência Social.

Costanzi publicou em abril um estudo listando 39 países que mudaram regras de aposentadoria nos últimos anos. Quase todos elevaram a idade mínima. A dispensa desse requisito é um luxo: entre 177 nações, apenas 13 permitem ou já permitiram aposentadoria por tempo de contribuição sem exigência de idade, segundo o especialista.

R$ 26.438

foi o benefício mensal médio dos aposentados do Legislativo federal em 2014.
Os servidores civis do Executivo receberam em média R$ 6.422. O benefício médio do INSS, por sua vez, é de R$ 1.207 por pessoa – e 62% dos aposentados e pensionistas recebem um salário mínimo.

Há dois anos, um estudo da seguradora Allianz classificou o regime brasileiro como o segundo menos sustentável de um grupo de 50 países. Não é por menos. O Brasil gasta mais com aposentadorias e pensões que o Japão, que, proporcionalmente, têm mais que o triplo de idosos.

A principal razão para isso é que os brasileiros se aposentam cedo, aos 57,5 anos, em média. Nos países da OCDE, o grupo dos mais desenvolvidos, a média é de 64,2 anos.

Como os brasileiros estão vivendo mais, a despesa vai subindo. Se para este ano espera-se um déficit equivalente a 2,1% do PIB no INSS, em 2036 o rombo passará de 4%, segundo técnicos da Previdência. Duas décadas depois, o buraco engolirá quase 10% das riquezas geradas pelo país. A conta recairá sobre a população toda, na forma de impostos, e em particular sobre os futuros aposentados, que terão benefícios ainda menores.

Jogos de azar

As centrais sindicais têm sugestões para fortalecer a Previdência, como o fim da desoneração da folha de pagamento, mais fiscalização nas aposentadorias por invalidez e a legalização dos jogos de azar, que elevaria a receita de impostos. São medidas que podem aliviar, mas dificilmente reverterão a tendência de piora nas contas.

“O melhor caminho para a sobrevivência do sistema previdenciário será uma expressiva reforma, que o adapte à boa prática internacional. Insistir na manutenção das regras atuais implicará aumento da sua insolvência e corresponderá à rota mais rápida e eficaz para sua decadência”, defendeu, num estudo publicado há oito anos, o novo secretário da Previdência, Marcelo Caetano, encarregado por Temer de elaborar a reforma.

De lá para cá, o governo criou o fundo complementar dos servidores públicos e apertou ligeiramente as regras para as pensões por morte. Em sentido oposto, criou a fórmula 85/95 progressiva, que facilita a aposentadoria integral. Com isso, a previsão para o déficit em 2026, que era de 1,64% do PIB, saltou para 2,79%.

Mesmo assim, as centrais consideram a nova regra “uma maldade” e sustentam que ela já “resolve” a questão da idade mínima, o que dá uma ideia do impasse que Temer terá de superar.

Outros países se planejaram com muito mais antecedência que o Brasil, em situações de mudança demográfica muito mais lenta e tendo sistemas previdenciários muito mais equilibrados. Isso provavelmente nos obrigará a fazer uma transição mais curta.

Luis Eduardo Afonsoprofessor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP.

Regras devem ser iguais para servidores e celetistas

Obrigar os trabalhadores a adiar a aposentadoria é a principal, mas não a única necessidade da Previdência. Especialistas defendem que o país restrinja as pensões por morte, que seguem mais generosas que a média mundial. Também propõem igualar as regras de acesso para homens e mulheres. E, ainda, equiparar as normas de aposentadoria dos funcionários públicos, mais benevolentes, às dos trabalhadores celetistas.

O déficit do Regime Próprio (RPPS) dos funcionários da União tem diminuído nos últimos anos graças a pequenas reformas feitas a partir de 2003. A mais recente foi a criação do fundo de previdência complementar do servidor, o Funpresp. Com ele, todos os que ingressaram no serviço público a partir de fevereiro de 2013 terão teto de aposentadoria igual ao do INSS.

Financiamento

Paulo Régis de Souza, vice-presidente da Anasps, a associação dos servidores da Previdência, propõe que primeiro o governo reforme o financiamento da Previdência, e só depois os benefícios. Ele observa que o sistema perdeu receitas com a criação de benefícios sem financiamento (como o Supersimples e o Microempreendedor Individual) e a desoneração da folha.

Mas o Funpresp levará três décadas para fazer efeito. E, mesmo declinante, o déficit do RPPS, que tem 1 milhão de beneficiários, ainda é gigantesco. Até 2014, era maior que o do Regime Geral (RGPS), que paga aposentadorias e pensões a mais de 28 milhões de pessoas.

O novo secretário da Previdência, Marcelo Caetano, é antigo defensor de novas reformas no RPPS. Não só para reduzir o déficit, mas para diminuir a concentração de renda. “Toda a sociedade é tributada para transferir renda para indivíduos no topo da pirâmide social”, apontou Caetano num estudo apresentado em 2015 em parceria com Valéria Porto, assessora técnica da Escola Nacional de Administração Pública (Enap).

Problema mais grave é o das previdências de servidores estaduais e municipais. “É um problema de finanças ao qual demos muito pouca atenção. E alguns, como o Rio de Janeiro, já começam a ter problemas de solvência em seus regimes”, observa Luis Eduardo Afonso, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP.

Afonso defende uma redução gradual das diferenças nas regras para homens e mulheres, como ocorre na maioria dos países, mas pondera que ela deve ser feita “com muito cuidado”. “Simultaneamente temos de adotar políticas de proteção à maternidade, que afasta a mulher do mercado de trabalho”, diz. “Tem de ter licença estendida, creche em período integral perto de casa, eventualmente até uma licença-paternidade maior. E impedir que as empresas tenham políticas discriminatórias.”

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