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| Foto: DANIEL CASTELLANO/DANIEL CASTELLANO

Uma tese econômica recente defendida por dois ganhadores do Prêmio Nobel ajuda a explicar por que episódios como o encontrado pela Operação Carne Fraca ocorrem em uma economia de mercado. George Akerlof e Robert Shiller argumentam no livro “Pescando Tolos: A Economia da Manipulação e Fraude” (editado no Brasil pela Alta Books) que há situações em que o equilíbrio em um mercado não está na relação ganha-ganha entre clientes e empresas, mas sim em uma situação de perde-ganha, que os autores chamam de “pesca de tolos”.

Consumidores atentos podem até dizer que essa é uma constatação óbvia, mas não é assim que pensa a maioria dos economistas. A maior parte do arcabouço teórico em economia é construído sobre a ideia de que as pessoas são racionais, fazem as melhores escolhas e os mercados são, por isso, eficientes – a chamada economia neoclássica. A maquiagem de produtos e manipulação de preços são apenas pontos fora da curva em um modelo que tende a estar sempre em um equilíbrio perfeito.

Para a economia neoclássica, o equilíbrio é positivo porque não é racional que consumidores comprem um produto de má qualidade, quando podem escolher coisa melhor. Não é racional, também, pagar mais do que o produto vale. Do ponto de vista das empresas, o racional é bater a competição em preço e qualidade para conseguir mais consumidores.

Falhas de mercado já são estudadas há bastante tempo e, por isso, o livro de Akerlof e Shiller não é um trabalho original na essência. Há muito tempo economistas debatem questões como as chamadas “externalidades”, efeitos negativos que podem ocorrer com uma atividade econômica (a poluição de um rio por uma fábrica, por exemplo), ou as informações assimétricas, quando um agente sabe mais do que outro dentro do mercado (quem já comprou um carro usado sabe como é difícil saber se o vendedor diz a verdade sobre a origem do veículo).

Mas os dois economistas trazem pelo menos dois pontos novos e interessantes. Associam as falhas de mercado à limitação da nossa racionalidade e dizem que os mercados tendem a se aproveitar dessa limitação para buscar um equilíbrio no estilo perde-ganha.

Como consumidores, poupadores e investidores, somos bastante influenciados por emoções que não compõem as variáveis da teoria neoclássica. Compramos produtos influenciados por estratégias de marketing emotivas das quais nem desconfiamos, tendemos a ignorar efeitos de longo prazo em troca de recompensas no presente, como promoções, e entramos em pânico quando algo dá errado. O normal, na visão da economia comportamental explorada por Akerlof e Shiller, é comprarmos um produto na alta e vendermos na baixa, o contrário do que é racional.

Ironicamente, um dos primeiros exemplos usados pelos autores foi um escândalo sanitário no mercado de carnes e derivados dos Estados Unidos ocorrido há cerca de um século. O que se descobriu na época é que o mercado tinha entrado em um equilíbrio em que a rentabilidade dos negócios era mantida às custas da saúde dos consumidores. O resultado das denúncias foi a criação do sistema de inspeção que passou a garantir a qualidade dos produtos.

O caso brasileiro provavelmente não é tão sério quanto o dos EUA cem anos atrás, mas pode ser um desses equilíbrios de “pesca de tolos”. Se comprovada a extensão da influência dos grandes frigoríficos sobre o sistema de inspeção federal, o mercado teria atingido um equilíbrio de rentabilidade sem precisar se preocupar com o rigor dos inspetores. Algo similar foi comprovado no mercado de leite, em que a prática de adição de formol e soda cáustica era difundida em um grande número de empresas.

O lado bom da tese é que esse equilíbrio pode ser rompido com a atuação de entidades de defesa do consumidor, a atuação de empresas com fortes traços éticos, que jogam por uma regulamentação mais rígida, e a interferência da polícia.

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