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Prédio da Universidade Federal de Viçosa. |
Prédio da Universidade Federal de Viçosa.| Foto:

Este artigo é também uma reação ao texto publicado neste veículo de comunicação “O último bunker da esquerda: a universidade” e o faço por dentro de todo o complexo aparato que envolve a questão: sou docente universitário, gestor de uma unidade universitária e me alinho ao pensamento de esquerda. 

Mais uma informação sobre as linhas que seguem: por escolha, não farei um texto com formato acadêmico, como fora efetuado no artículo interlocutor, ao considerar a abrangência do meio de comunicação, o faço com formato de artigo de opinião. 

E de saída, contesto a informação: não, a universidade, mesmo a universidade pública, no Brasil ou fora dele, não é mais detentora de um pensamento hegemônico de esquerda em seu interior - se é que um dia foi - pois essa instituição é plural.

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Se é possível dizer que existe uma corrente teórica, que também é prática, no interior da universidade, condizente com os dias atuais, pode-se salientar o chamado pensamento pós-moderno. Trata-se de uma corrente acadêmica que, inclusive se coloca diametralmente oposta ao pensamento de esquerda, ou melhor, de sua materialização acadêmica expressa no marxismo. 

O pós-modernismo se coloca contra essa e outras “meta-narrativas”, ou seja, contra teorias e métodos que se centram em uma grande teoria, um paradigma central de compreensão do mundo, da ciência e da sociedade. O pensamento pós-moderno descarta a verdade e afirma que a realidade é composta pela diversidade das verdades, dos discursos e das práticas. E essa tendência está presente de forma mais evidente na universidade, em suas diversas áreas de conhecimento. 

Sim, coexistem no interior da universidade o pensamento de esquerda, de direita, os marxistas, os liberais, os existencialistas, os positivistas. E, felizmente, ocorre a coexistência! Pois assim, a universidade continua fazendo jus ao radical latino de sua nomenclatura, universo, universal, totalidade, conjunto. 

É justamente tal conjunto universal que faz da instituição universidade um dos espaços mais exitosos das sociedades contemporâneas. 

No Brasil, por exemplo, onde é gerado ciência, tecnologia e inovação que perpassam a vida cotidiana? Onde se localiza a matriz de produção das próteses neurais, os chamados exoesqueletos, para a reabilitação de pacientes que sofrem de paralisia corporal, do grande cientista brasileiro Miguel Nicolelis? E a matriz tecnológica da produção aeronáutica da Embraer, referência mundial? Ou de onde vêm os cientistas brasileiros que integram o projeto Genoma Humano? 

E não só na ciência, a produção de energia hidrelétrica brasileira, produtividade agropecuária, arquitetura e áreas de serviços, enfim, a produção nacional. E não é diferente no resto do mundo: tudo isso tem relação direta com a Universidade. 

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Agora é um misto de ingenuidade e tolice filiar diretamente o pensamento universitário à esquerda. Muitos dos feitos já descritos e outros que agregam valores a bens e produtos geram riquezas e poder, estão estreitamente vinculados ao mercado. Portanto, a universidade tem de forma proeminente uma face liberal e, ouso dizer, é essa face que mais dispõe de recursos para produção científica, acadêmica, tecnológica e de inovação no interior das práticas universitárias nos duas atuais. 

Escrever um texto ignorando esse aspecto, o que alguns pensadores chamam de “capitalismo acadêmico” é uma prova de desconhecimento e incompreensão absurda da realidade universitária. 

A universidade é um espaço no qual coexistem divergentes posições políticas, ideológicas e científicas. É essa universalidade que faz dela uma instituição proeminente e essencialmente crítica. Talvez seja essa confusão que cause tais ataques à universidade! Um aviso aos “analistas” de plantão: ser crítico e ser de esquerda não são necessariamente sinônimos! 

Infelizmente, existem pessoas na esquerda sem criticidade e também há inúmeros colegas pós-modernos, até mesmo liberais convictos dotados de exímio pensamento crítico. Talvez seja essa criticidade que incomode os trogloditas obtusos. Qualquer intelectual crítico, seja de direita ou de esquerda rechaça, por exemplo, esse maniqueísmo e essa polarização absurda entre bem e mal, direita e esquerda, nós e os outros... Isso é nocivo, só acrescenta ódio ao debate social e não faz avançar em nada a formação intelectual do povo e das pessoas. 

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O pensamento crítico, seja Jacobino ou Girondino, não admite excessos que atentem contra a humanidade de qualquer sujeito. Não é possível compactuar com a inferiorização, a violência contra as mulheres, seja nas piadinhas machistas ou na violência institucional de menores salários para o sexo feminismo. Não se tolera o racismo, muito menos a falácia de que não há racismo no Brasil. Não faz parte do pensamento crítico qualquer discriminação de gênero, muito menos a aceitação da violência e morte que sofrem as pessoas que padecem em virtude de sua orientação sexual. 

E por fim, a vida humana é central independente de posição social, cor, ativismo político, posto de trabalho. É inadmissível a morte do policial, do ativista social e também a do contraventor, pois valores não se negociam. É isso que indica a criticidade e isso não é coisa de esquerda! São ações de seres humanos que pensam, refletem, além do ódio, da vingança, do medo, da manipulação. 

Poderia ainda intensificar o debate sobre as questões humanitárias, de justiça social, e defender o posicionamento de esquerda como necessário para indicar alternativas ao estado de coisas atuais, mas vou me manter no propósito do texto, defender a universidade, que não está essencialmente guinada à esquerda. 

O que é necessário, neste momento, é evidenciar a formação crítica, fundamentada e racional que faz a universidade. Alertar para posicionamento que ocultam um forte ataque a tal instituição e que quer, de fato, sua extinção no formato que a conhecemos. 

Como já fora dito, as universidades e, quase que exclusivamente as públicas ou as subsidiados pelo Estado, é que produzem ciência, tecnologia e inovação no Brasil. Abdicar de tais instituições é abdicar de tais produtos. E vejam que essa é uma pauta muito mais liberal do que de esquerda. O que será do Brasil sem suas universidades? A quem interessa o fim delas? Pensar criticamente tem como conclusões questionamentos e não premissas irrefutáveis.

*Fernando José Martins é professor universitário, pedagogo, mestre e doutor em Educação, atualmente, diretor geral da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, em Foz do Iguaçu.

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