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O antropólogo Victor Hugo de Souza Barreto escolheu uma abordagem peculiar para sua tese de doutroado na Universidade Federal Fluminense: decidiu frequentar festas de orgias gays no Rio de Janeiro durante mais de dois anos. O trabalho final descreve cenas de contato físico entre eles e os participantes desses eventos, embora não haja menção a nenhuma relação sexual com participação do pesquisador. A dissertação de mestrado dele já havia tratado das saunas gays no Rio, e se transformou em um livro que será lançado nesta sexta-feira pela Editora da UFF. Victor Hugo conversou com a Gazeta do Povo sobre suas pesquisas.

Qual foi a reação na academia sobre o tema da sua tese e o método usado?  

De certa forma as pessoas costumam atribuir a você as características e os preconceitos que elas têm sobre aquilo que você estuda. A recepção de algumas pessoas do meio acadêmico não foi tão diferente assim daquela da sociedade de forma geral, principalmente nos últimos tempos onde há a percepção dessa onda conservadora que vem tomando determinados locais de debates, principalmente virtuais, que tomam a preocupação com a diversidade e a diferença como algo “menor” ou não “merecedor” de um debate acadêmico.  

Como você vê as críticas de que trabalhos como esse não deveriam ser financiados com recursos públicos, já que tratariam de temas pouco relevantes face a pesquisas mais urgentes e com potencial de impacto maior? 

As críticas e difamações não costumam ser só sobre pesquisas de gênero e sexualidade, mas também aos trabalhos sobre religiões de matriz africana, uso de substâncias psicoativas, funk, feminismos etc. O problema dessas pesquisas é que elas fazem pensar, colocam em xeque nossas concepções de desejo, de gênero e sexualidade, de família ou religião, e mesmo de cultura; apontam nossos preconceitos e mostram como somos uma sociedade que ainda prega valores que nos desigualam em vários aspectos, seja socialmente, economicamente, racialmente etc. Acho importante que cada vez mais apareçam pesquisas sobre esses temas, até porque através desses estudos poderemos construir políticas públicas que nos torne uma sociedade mais justa e igualitária, e contribuir para isso é um bom uso de recursos públicos.  

Leia também: Dez pesquisas com temas incomuns financiadas com recursos públicos

Por que a escolha por um método "autoetnográfico"? 

Não uso o referencial teórico da "autoetnografia" em nenhuma das duas pesquisas. Nos dois livros parto de uma pesquisa etnográfica antropológica, a partir de um trabalho de campo realizado com observações, entrevistas e material bibliográfico e virtual.

A proposta de publicação da sua dissertação de mestrado nesse formato partiu de você ou foi um convite da editora? 

A dissertação de mestrado foi uma das selecionadas para publicação em livro pela EdUFF em edital aberto anualmente para trabalhos da Universidade. Já a publicação da tese de doutorado foi numa chamada aberta pela Editora Devires específica sobre estudos em gênero e sexualidade. 

Você crê, como disse o release da editora, que sua obra também pode ser vista como uma resposta ao "conservadorismo"? 

Ela é uma resposta possível sim, no sentido que aponta como mesmo em contextos onde um conservadorismo em nome de um determinado modelo único de moral, de pensamento ou de família toma conta cada vez mais da sociedade, há pessoas que resistem criando formas próprias de existir e de pensar. 

De forma geral, você crê que seu livro também traz uma mensagem política? 

Acredito que a mensagem política principal é que não importa o quanto se tente perseguir a população LGBTQI, trata-la como "doente", criminalizá-la ou negar a ela o acesso a direitos civis vários, haverá sempre a criação de espaços de socialidade, de troca, de prazer, de luta, de resistência. 

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