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Angella e seu filho Jonas: gestações atrasaram os estudos | Arquivo pessoal
Angella e seu filho Jonas: gestações atrasaram os estudos| Foto: Arquivo pessoal

A dona de casa Angella Cristina, de Macapá (AP), tem 26 anos e abandonou os estudos duas vezes. 

Aos 17 anos, ela descobriu que estava grávida do primeiro filho, o pequeno Jonas – atualmente com 9 anos. Angella ainda retornou para a sala de aula quando o bebê completou seis meses, mas a falta de estrutura do colégio onde estudava provocou a interrupção do ensino médio. 

Ela só conseguiu terminar o ensino médio em 2014, cinco anos depois. 

“Não senti nenhum tipo de rejeição na escola, nem durante e nem depois da gravidez. Até porque costumava serem comuns os carrinhos de bebês nas salas de aula. Os colegas ajudavam e os professores nunca reclamaram, mas eu era muito ausente, porque, quando ele adoecia, não tinha como levá-lo e a rotina era estressante. Ele dormia desconfortavelmente no meu colo e quando precisava trocar a fralda era um sufoco”, explica. 

Depois de concluir o ensino médio em 2014, Angella ingressou em um curso técnico em radiologia, mas uma segunda gravidez fez com que ela suspendesse novamente os estudos no primeiro semestre de 2017. Dessa vez, o abandono das aulas foi mais cedo, aos três meses de gravidez, porque a gestação era de risco. O segundo filho, Lucca, nasceu no primeiro dia de 2018. 

O caso de Angella faz parte de uma realidade escolar comum no Brasil. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) Educação, divulgada no fim de 2017, 54% dos brasileiros entre os 14 e os 29 anos não frequentam uma instituição de ensino. 

Entre as mulheres que estão fora da escola ou da faculdade, 26,1% deixaram a sala de aula por causa dos afazeres domésticos ou o cuidado de crianças, idosos ou pessoas com deficiência. 

Na região Norte, onde Angella vive, o percentual é de 29,9%. No Nordeste, a média é ainda mais alta: 36,4%. 

No Norte e no Nordeste, os afazeres domésticos são a principal razão para as mulheres deixarem a escola. Já no Centro-Oeste, Sul e Sudeste, o trabalho ou a procura por emprego apareceram como as justificativas mais citadas. 

Entre os homens, o total dos que estão fora da escola para se dedicar à família ou aos afazeres domésticos é de apenas 0,8% no país. 

Rotina 

A professora Carolina Lazameth dá aulas em uma escola da periferia de Macapá no turno da noite para alunos matriculados na Educação de Jovens e Adultos (EJA) e já presenciou situações idênticas à de Angella. Para ela, os afazeres domésticos e cuidados com a família acabam virando motivação para a evasão porque essas tarefas recaem apenas sobre a mulher. 

“Quando as meninas e mulheres engravidam e ainda estão cursando o ensino médio, essa gravidez não foi planejada. Isso implica em falta de estrutura mínima para criar uma criança. Na maioria das vezes não tem quem fique com a criança e é preciso arcar com as despesas da casa”, diz ela. 

Doutor pela Universidade Federal do Pará (UFPA), o pedagogo Adalberto Ribeiro acredita que existe uma questão de gênero por trás da evasão escolar de mulheres jovens. 

“As causas, de fato, que levam as mulheres a sair da escola ainda são uma profunda desigualdade de gênero. As jovens gestantes que foram surpreendidas com a gravidez são pressionadas ainda mais a realizarem tarefas domésticas em sua própria casa ou como empregada noutras a fim de sustentar o filho”, diz o pedagogo. 

Ribeiro acrescenta que o próprio estado também desempenha um papel resultante da evasão escolar. No caso de Angella Cristina, por exemplo, devido a falta apoio estrutural onde estudava tornou-se inviável levar o filho para o colégio. 

“As escolas públicas não têm estrutura para receber as crianças. Essas mães, quase sempre, não têm com quem deixar os filhos pequenos e os levam consigo para a escola. Em Macapá, no turno da noite, é comum encontrarmos várias mães com seus bebês em sala de aula”, afirma. 

Com os afazeres domésticos, cuidados com a família e procura de emprego para auxiliar na renda da casa, as mulheres ainda enfrentam dificuldade para o retorno à sala de aula. O desânimo em continuar os estudos, por exemplo, é citado por 31,9% das mulheres como principal motivação para não cursar mais o ensino médio, técnico ou graduação, segundo revelou a PNAD Educação. O índice está bem acima do desinteresse, que registrou 12,4%. 

No entanto, pelo menos desse indicador da pesquisa a dona de casa Angella Cristina não tende a fazer parte. Ela diz não esperar chegar o momento do pequeno Lucca completar seis meses para voltar ao curso de técnico em radiologia. Se por um lado, os filhos pesaram para interromper os estudos, por outro, eles viraram a principal motivação em um futuro recomeço. 

“Hoje meus filhos são a razão da minha existência. Quero voltar a estudar para ser exemplo para eles”, diz.

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