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Ensino em casa, apesar de não reconhecido pela legislação brasileira, não é bagunça: as filhas de Manoela Martins têm lugar e horário determinado para estudar | Marcelo Andrade/Gazeta do Povo
Ensino em casa, apesar de não reconhecido pela legislação brasileira, não é bagunça: as filhas de Manoela Martins têm lugar e horário determinado para estudar| Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo

Frequentar a escola não faz parte da rotina dos cinco filhos da ilustradora Manoela Martins. As crianças de 8, 6, 3 e 2 anos e outra de 5 meses estudam em casa. Matemática, inglês, história geral e ciências não são ensinados por professores, mas pela própria mãe.

Para quem não está acostumado, o método da família Martins pode soar estranho. Difundido principalmente nos Estados Unidos e Portugal, mas também em outros países, o homeschooling – ou educação domiciliar – está ganhando força no Brasil. Uma pesquisa realizada em 2016 pela Associação Nacional de Educação Domiciliar (Aned), nos 26 estados brasileiros mais o Distrito Federal, revelou que o país possui 3.201 famílias que adotaram esse modelo de educação, um número que vem crescendo nos últimos anos (veja quadro).

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Mesmo que a educação familiar ainda seja ilegal no Brasil, as motivações para arriscar por esse caminho são várias, desde a qualidade ruim das instituições de ensino no país até as de ordem econômica, religiosa, moral ou filosófica. E cada vez mais pais unem-se à Aned para conseguir o reconhecimento dos ensinamentos repassados aos filhos no lar.

INFOGRÁFICO: confira a evolução de famílias que adotaram a educação domiciliar em 5 anos

“Optamos pelo homeschooling porque achamos que a qualidade do desenvolvimento físico, social e moral é melhor quando a criança está mais tempo em casa com a família”, defende Manoela. “A escola toma muito tempo do dia da criança e o homeschooling dá a possibilidade da criança aprender em espaços mais naturais compatíveis com o que vai ser a vida adulta, ela aprende na vida, não no simulado”, diz Manoela.

Diploma, como conseguir?

Uma das grandes questões da Educação Domiciliar é em relação ao diploma de conclusão do Ensino Médio. Para os estudantes desse método, o caminho é fazer a prova do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio). “O MEC [Ministério da Educação] involuntariamente ajudou todas as famílias, por conta dos exames nacionais que ele faz. O Enem é o grande exemplo. Para se inscrever basta ter 18 anos, não é preciso ter frequentado a escola, e feita a pontuação mínima a pessoa consegue o certificado de conclusão do ensino médio. E com esse certificado, pode frequentar a universidade”, esclarece Moreira.

Ela explica que o método não é uma forma contrária à escola, mas um modelo que depende da realidade de cada família, de sua estrutura e dos seus objetivos. “Trabalhamos com bastante disciplina e temos uma rotina estruturada. Tem o horário de começar a estudar, as matérias de cada dia, a quantidade, as metas, o período destinado aos estudos. E, além disso, eles têm algumas atividades extracurriculares, também em horários fixos”, explica.

Para especialistas no tema, como Maria Celi Vasconcelos, doutora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), que observou o ensino em diversas famílias e conduziu um estudo sobre a inserção de homeschooling na legislação educacional no Brasil e em Portugal, a educação domiciliar não prejudica a formação de crianças e adolescentes se for bem feita. “Eu não acho que o homeschooling possa atrapalhar o futuro dessas crianças. As crianças que eu entrevistei em nada se diferenciavam das que estavam na escola”.

Já a pedagoga com habilitação infantil, Jeanine Grivot, que acompanha alguns pais em Curitiba, um dos benefícios do método é o de respeitar o direito que os pais têm de educarem os seus filhos como quiserem. “Não vejo problema nem restrição na educação domiciliar quando os pais têm disponibilidade e empenho para fazer esse trabalho”.

É o caso de Manoela. Desde que ela e o marido optaram pelo homeschooling, ela precisou adaptar a sua rotina profissional. “Como sempre fiz home office, foi apenas uma questão de adequar a minha carga horária para poder me dedicar às crianças”.

Socialização

Apesar das vantagens apontadas pelos entusiastas, o método suscita fortes críticas no Brasil e no mundo. Uma delas é a dificuldade real dos pais de conseguirem que os filhos alcancem a excelência necessária para serem bons profissionais no futuro. Outra característica apontada como desvantagem é a falta de sociabilização.

“O modelo de educação em casa não apresenta vantagens”, afirma a doutora em psicologia da Unicamp, Ângela Soligo. “O homeschooling tira a oportunidade de conviver com os outros e de aprender a lidar com as diferenças de estilo, cultura, comunidade”, continua.

O que diz a lei

A legislação brasileira não trata especificamente do homeschooling, o que dá margem para interpretações. De acordo com a Constituição, a educação é dever do Estado e da família. Para a Lei de Diretrizes e Bases da Educação e para o Estatuto da Criança e do Adolescente, os pais ou responsáveis têm a obrigação de matricular os seus filhos nas escolas.

Além disso, o artigo 246 do Código Penal assegura que o comportamento divergente, sem justa causa, pode ser considerado crime de abandono intelectual, sendo a pena aplicada de detenção, de 15 dias a um mês, ou multa.

Apesar das complicações, o diretor jurídico da Associação de Educação Domiciliar (Aned), Alexandre Magno Fernandes Moreira, defende que o método não é ilegal. “É possível interpretar o homeschooling como legal com base na Constituição e nos Tratados de Direitos Humanos, mas como o assunto é novidade, nem sempre os operadores jurídicos aceitam”.

A pesquisadora Maria Celi Vasconcelos, da UERJ, explica que a regulamentação do homeschooling respeitaria a autonomia dos pais e possibilitaria a fiscalização do que é ensinado. “Nos países em que o homeschooling está legalizado, como em Portugal, as crianças são matriculadas em uma escola, fazem avaliação e há a proteção no ensino, não consiste simplesmente em tirar os filhos da escola e deixá-los em casa, há um controle”, diz.

Quando não há aceitação jurídica, os pais enfrentam processos e muitas vezes acabam pagando multas. De acordo com Moreira, a Aned cuida hoje de seis processos pelo país, um deles tramita no Supremo Tribunal Federal (STF). “Esse é um processo fundamental porque ele está discutindo a constitucionalidade da educação domiciliar, ou seja, a partir do momento que o Supremo disser que é constitucional, qualquer insegurança jurídica acabou. Mas, se disser ao contrário, será complicado para as famílias”.

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