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Trabalho de Andria mudou a realidade de crianças e adultos de uma região que lidera os índices de assassinatos em toda a Inglaterra. |
Trabalho de Andria mudou a realidade de crianças e adultos de uma região que lidera os índices de assassinatos em toda a Inglaterra.| Foto:

“Tudo é uma questão de ser altamente inclusivo, abraçar todas as culturas, crenças e ter um forte senso de comunidade”. 

É dessa forma que Andria Zafirakou, de 39 anos, professora britânica de educação artística, resume seu trabalho junto a uma escola em uma comunidade multicultural em Londres, que a levou a faturar o Global Teacher Prize de 2018, espécie de Prêmio Nobel da Educação.

Professora da Alperton Community School, em Brent, ao norte de Londres, o trabalho de Andria mudou a realidade de uma região que lidera os índices de assassinatos em toda a Inglaterra. 

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Por ser uma localidade com presença maciça de imigrantes, a educadora entendeu que era preciso aprender conceitos básicos de 35 idiomas diferentes para conversar com cada um de seus alunos e adaptar o currículo escolar a essas culturas – para muitas daquelas crianças, o inglês não é o principal idioma. 

Em entrevista à Gazeta do Povo, Andria fala sobre a emoção de ser reconhecida por seu trabalho, os desafios que encontrou ao longo do caminho para transformar o dia a dia de crianças e de que modo a inclusão dos pais dos alunos no cotidiano escolar fez toda a diferença. Confira:

O que significa o Global Teacher Prize? Foi sua primeira vez como finalista do prêmio? 

Sim, foi minha primeira vez, e nunca sonhei que pudesse vencer! É um sentimento maravilhoso e uma verdadeira honra vencê-lo, especialmente por ter tantos professores inspiradores em busca desse título. 

Onde você encontrou tempo e motivação para realizar tanto trabalho? Aprender conceitos básicos de 35 idiomas diferentes e adaptar o currículo escolar para essas mesmas 35 culturas diferentes parece significar um bocado de trabalho extra... 

Os alunos da minha escola vêm de algumas das famílias mais pobres da Inglaterra, muitos deles estão expostos à violência das gangues e vivem em casas compartilhadas por diversas famílias. A maioria das crianças chega à escola com conhecimentos limitados do idioma e se sentem isoladas. 

Os estudantes da minha classe podem ter uma barreira [para o aprendizado] devido à falta de confiança. Sua auto-estima e o impacto da pressão dos colegas, somada à realidade de seus contextos domésticos, pode levar a bloqueios significativos. Desenvolver relacionamentos com eles e seus pais fez toda a diferença. 

Cada professor de Alperton está comprometido em ajudar os alunos a perceber seu potencial pleno. Trabalhei acompanhada de outros professores para redesenhar o currículo de modo a torná-lo relevante para a vida e a experiência dos nossos estudantes, e trabalhei muito próxima de professores com iniciativas simples, como criar um calendário alternativo para permitir que os esportes praticados somente por garotas não ofendessem comunidades conservadoras. 

Minha motivação é ver a confiança deles despontar e saber que eles estão em um lugar muito melhor para atingir seu potencial pleno. 

Pode citar alguns exemplos sobre como a adaptação do currículo ajudou as crianças nas atividades escolares, levando a Alperton a estar entre as cinco melhores escolas da Inglaterra e do País de Gales? 

Nos certificamos de introduzir assuntos e temas que estivessem relacionados aos alunos. Por exemplo, trazendo artes e elementos da cultura deles (islâmica, africana, asiática e tantas outras) para a classe e ajudando-os a se interessar pela arte. Apresentamos a eles artistas contemporâneos que usam e exploram temas atuais. 

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Ouvimos suas solicitações sobre como preferem aprender. Algumas meninas acreditavam que não podiam se expressar e se sentiam envergonhadas de trabalhar com meninos, então para alguns assuntos separamos as classes por gênero. Contratamos funcionários que falavam os idiomas deles e que podiam ajudá-los nas tarefas como professores assistentes. Também criamos um calendário flexível para as crianças que atendesse suas necessidades de aprendizado. 

Como o ensino da arte, ou mesmo a arte em geral, podem ser usados para transformar um ambiente desfavorável em um espaço para educação? 

Meus alunos se envolvem com o pensamento criativo à medida que exploramos e aprendemos novas técnicas. Quando os apresento ao que é feito no mundo inteiro por meio de artistas, designers e movimentos artísticos, eles embarcam em uma jornada para explorar suas próprias inovações. 

O papel de tipos diferentes de mídias e recursos ajuda a estimular seu design inovador à medida que transformam objetos. A desconstrução e a reconstrução de materiais e objetos desafiam suas percepções e as envolvem na criação de uma nova forma, que é a maior forma de inovação criativa. Assumir riscos para estender um trabalho que eles acham que é completo, mas que pode evoluir, é um impacto notável no dia a dia da sala de aula – e os ajuda a se desenvolver como indivíduos. 

As disciplinas criativas também têm um impacto positivo no desenvolvimento dos alunos em outras áreas de estudo, pois ajudam a estimular suas mentes e as incentiva a assumir riscos e fazer perguntas.  

No Brasil temos situações semelhantes com as que você lidou no Alperton Community College em escolas públicas nas periferias das grandes cidades – não relacionadas a culturas e idiomas diferentes, mas porque na maioria das vezes os alunos estão cercados pela pobreza e pela violência. O que você diria aos professores brasileiros para motivá-los a tentar transformar a realidade que os cerca? 

Sempre acreditei que nossa escola poderia ser um refúgio seguro para os alunos. Não importa quais desafios eles enfrentem no dia a dia, ela oferece o suporte para eles perceberem seu potencial pleno. Nossa escola demonstra também valores que promovem a compreensão de culturas diferentes. Estamos localizados em uma das partes mais multiculturais de Londres e trabalhamos muito para garantir que o aprendizado ocorra em uma cultura de respeito mútuo. No fundo, tudo é uma questão de ser altamente inclusivo, abraçar todas as culturas e crenças e ter um forte senso de comunidade.

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