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Escolas parque: por que o modelo pensado por Anísio Teixeira não deu certo
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A construção de uma nova capital parecia a oportunidade perfeita para a implementação de um modelo educacional inovador. Junto com Brasília, deveria surgir uma nova forma de educar. Mas o modelo de ensino integral pensado por Anísio Teixeira nunca passou da fase embrionária.

Na época, Teixeira era diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP), vinculado ao Ministério da Educação. O projeto do educador incluía a construção de 28 escolas parque na cidade para atender a todos os alunos da educação básica. Essas instituições, em complemento às “escolas classe”, teriam aulas de esportes, artes e outras atividades criativas.

Mas, na capital do país, hoje, apenas sete escolas de contraturno, que oferecem atividades fora do eixo curricular tradicional, como música e artes, estão funcionando. Ao todo, elas atendem a menos de 5% dos alunos matriculados na rede do Distrito Federal (DF). “Atender toda a demanda de alunos no modelo pensado por Anísio Teixeira é inviável”, admite Fábio Sousa, subsecretário de Planejamento, Acompanhamento e Avaliação do DF.

Vários motivos ajudam a explicar o insucesso do projeto do influente educador baiano, que hoje empresta seu nome ao próprio INEP. Um dos fatores é a descontinuidade dos modelos de políticas públicas de ensino no país e nos estados, que sofrem mutações conforme o embalo das trocas de governo. Alguns educadores citam a rotina atribulada em que vivem os pais nos dias de hoje - muitas vezes, os responsáveis não conseguem sequer encontrar tempo para levar seus filhos à escola. Pesa, também, o crescimento imprevisto da população de Brasília, o que acabou criando uma demanda escolar muito acima do esperado na época da criação das escolas parque.

Mas o principal aspecto recai sobre o alto custo desse modelo de educação integral. De acordo com Sousa, a despesa com manutenção da escola parque (EP) é o triplo da de uma escola convencional. O cálculo do governo é de que o custo mensal chegue aos R$ 1.400 por aluno. Por ano, a despesa chega a R$ 336 milhões. Já o investimento na construção de uma EP é o dobro do de uma obra escolar normal. Atualmente, as cinco EPs do Plano Piloto atendem somente a estudantes dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (EF). Nas sedes de Brazlândia e Ceilândia, o raio de alcance se estende aos demais alunos do EF e ao Ensino Médio.

Desde o início de 2017, quando o governo distrital decidiu destinar as vagas das EPs somente aos estudantes matriculados na educação integral, cerca de 20 mil alunos - todos oriundos de classes sociais mais baixas - são beneficiados com o sistema de contraturno. Com oferta de diversas atividades lúdicas e culturais, eles passam cinco horas diárias nas escolas classe, onde têm aulas das disciplinas tradicionais, e outras cinco nas escolas parque.

O tempo de aula nas EPs é uma hora a mais do que o previsto no plano original de Anísio Teixeira. A recente mudança, apesar de ter retirado a vaga de milhares de estudantes de tempo parcial da rede pública, resgata um traço do modelo original do educador, cujo ideal era uma escola frequentada diariamente pelos alunos. No plano original de Teixeira, porém, esse modelo seria universalizado e replicado em outros estados - o que nunca ocorreu. No Brasil, além da capital federal, apenas Salvador (BA) conta com uma EP (a primeira do Brasil), onde são atendidos 2.500 alunos - quantidade que representa 0,29% dos estudantes matriculados na rede pública do Estado.

Segundo o governo do DF, para que a integralidade dos alunos fosse atendida pelo modelo, seria necessária a construção de pelo menos mais sete escolas. Uma meta que pode ser considerada impossível, ao menos para os próximos dez anos. O plano de metas para a educação do atual governo prevê a construção de cinco EPs até 2025. O objetivo, porém, é pouco provável que saia do papel. Outras problemas, como a ampliação de vagas na educação infantil, estão à frente na lista de melhorias.

Muito diferente do original 

A desconfiguração do modelo pensado por Anísio Teixeira não é um fato recente. De acordo com o estudo “Escola Parque de Brasília: uma Experiência de Educação Integral”, escrito pelas professoras Eva Pereira e Lúcia Maria da Rocha, poucos anos depois do início do funcionamento das EPs de Brasília já foram feitas as primeiras mudanças. Em 1962, ocorreu a redução do período de permanência dos alunos na instituição - de quatro para duas horas diárias. Houve, também, a redução da jornada de trabalho dos professores - de oito para seis horas. A situação se agravou com a expansão de matrículas registrada nos anos seguintes, o que resultou em uma demanda maior do que as EPs suportariam.

Escola Parque de SalvadorSecretaria de Educação da Bahia

O estudo cita o descontentamento de Teixeira com as modificações proposta naquele período. “O próprio plano de Brasília não está funcionando em condições adequadas. O crescimento da matrícula já começa a pôr em perigo o programa em sua integridade e a instaurar a escola de tempo parcial e semiparcial”, criticou o educador.

Um dos desafios para pôr em prática a proposta de Teixeira, de acordo com o texto das educadoras, foi a própria arquitetura escolar do projeto. Construção considerada complexa, a EP exigia a edificação de um conjunto de locais diferentes, onde fossem misturados os aspectos da escola tradicional com os da oficina, do clube, do comércio, do restaurante, do teatro - era, em suma, um espécie de “universidade mirim”. A EP também tinha a intenção de ser uma réplica da sociedade dentro de um ambiente de ensino.

Para que o modelo vingasse, os espaços físicos adequados e equipados, embora fundamentais, não eram suficientes para a garantia de uma nova prática escolar. Segundo o estudo, era vital para o projeto a contratação de professores qualificados e dispostos a se transferirem para a cidade. Os relatos da época dão conta de que os primeiros docentes das EPs tinham graduação na área educacional e especialização no segmento de atuação. “Os professores da escola parque tinham qualificação em diferentes cursos de especialização, como o de artes industriais, promovido pelo Inep e o Senai, e o de arte-educação, mantido pela Escola de Artes do Brasil”, diz o estudo das professoras.

Atualmente, porém, o rigor no processo de seleção diminuiu substancialmente. Segundo Rommel Maia, diretor da Escola Parque 313/314 - Asa Sul, os professores que são aprovados no concurso público e manifestam a intenção de trabalhar na escola passam apenas por uma entrevista. Não há uma exigência de formação acadêmica específica. “Até um tempo atrás, qualquer professor pegava uma vaga na escola. Hoje, ao menos, o profissional passa por uma entrevista e tem que elaborar de um plano de aula”, diz.

“O modelo pedagógico proposto por Anísio Teixeira não existe mais, se perdeu. Partia-se do pressuposto de que as crianças, por meio de projetos, tivessem acesso a pesquisas, para que elas percebessem o movimento do conhecimento. Não era algo estático, mas dinâmico”, explica Sandra Cassol, professora do Departamento de Fundamentos da Educação, da Universidade Estadual de Maringá (UEM), no Paraná.

Autora de um artigo intitulado “Escola Parque: Notas sobre a Proposta de Anísio Teixeira para o Ensino Básico no Brasil”, a educadora cita o alto custo das escolas como um elemento muito criticado na época da sua concepção. Como resposta, Teixeira costumava comparar o investimento em educação com o gasto na guerra. “É custoso e caro porque são custosos e caros os objetivos a que visa. Não se pode fazer educação barata – como não se pode fazer guerra barata”, disse o educador. “A ideia dele já é interrompida em 1964, com a ditadura militar. O projeto que se tinha teve outro encaminhamento. Antes, caravanas de fora do Brasil vinham para conhecer o modelo de perto”, resgata Sandra.

Diretor-geral da escola parque Carneiro Ribeiro, em Salvador, Gedean do Nascimento lamenta a falta de empenho dos governos em investir pesado no modelo pensado por Teixiera. Para ele, a proposta só teria efeito se houvesse uma política pública de Estado, e não de governo. “O custo de manutenção não chega nem próximo de uma escola normal”, compara o gestor educacional.

Construída em uma região pobre da capital baiana, no bairro da Liberdade, a escola atende a 2.500 alunos seguindo alguns dos princípios idealizados na origem da proposta. A EP de Salvador é a única em atividade na Bahia, e foi criada em 1952, quando Anísio Teixeira fora secretário da Educação. Na proposta original, estavam previstas a abertura de mais nove escolas nesse modelo - o que nunca ocorreu. Na época, na capital baiana, apenas 20% das crianças frequentam alguma escola.

O que era o projeto 

Antes de ser implantado em Brasília, o modelo de escola parque já havia sido colocado em prática em Salvador, na Bahia, onde Anísio Teixeira exerceu o cargo de secretário da Educação. Os registros mostram que Brasília, porém, era o projeto mais “audacioso e inovador”, que organizaria uma política para o ensino primário no país. Teixeira era um admirador confesso do modelo escolar norte-americano. O educador bebia dos conceitos de John Dewey, de quem foi aluno ao fazer um curso de pós-graduação nos Estados Unidos.

No plano elaborado para Brasília, estava previsto, para cada quadra, uma escola parque. Ela era destinada a atender, em dois turnos, a cerca de 2 mil alunos de quatro escolas classe. As atividades consistiam em iniciação para o trabalho - para alunos de 7 a 14 anos - nas pequenas oficinas de artes industriais (tecelagem, tapeçaria, encadernação, cerâmica, cartonagem, costura, entre outros), além da participação dos alunos da mesma idade em atividades artísticas, sociais e de recreação (música, dança, teatro, pintura, exposições).

Uma das exigências descritas no projeto original era a lotação de professores de tempo integral e alunos de tempo integral, que cumpriam uma jornada de oito horas diárias de trabalho e estudos, apenas interrompida pelo almoço.

De acordo com o artigo “Um Plano Educacional para um Novo Tempo: Anísio Teixeira e as Escolas Classe/Escola Parque de Brasília”, escrito pelo sociólogo Edilson de Souza, professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Teixeira acreditava que o Distrito Federal era o cenário ideal para a criação de uma nova escola pública e de um novo sistema educacional. Na nova capital, havia disponibilidade de espaços físicos para a construção de grandes complexos escolares.

Ao iniciar as suas atividades, em 1960, a primeira escola parque de Brasília contava apenas com 270 alunos, todos oriundos da 4ª série, das escolas classe 108 e 308 - Asa Sul. Em 1961, esse atendimento foi ampliado para os alunos da 1ª à 5ª séries, matriculados nas Escolas Classe 107, 108 e 308 - Asa Sul. No ano seguinte, foram incluídos os alunos da escola classe 106 Sul, chegando a atender 1.492 alunos.

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