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Islamismo: adaptação à religião dos países que os recebem e a forma como ela se relaciona com a educação. | Shane T. McCoyPH1
Islamismo: adaptação à religião dos países que os recebem e a forma como ela se relaciona com a educação.| Foto: Shane T. McCoyPH1

Praticado por mais de 1,8 bilhão de fiéis no mundo, o islamismo é a segunda maior religião do planeta e também aquela que mais ganha novos adeptos ao redor do mundo – mas, nos países do Ocidente, seus praticantes são invariavelmente enquadrados como minorias. 

Emigrados de suas terras natais por vontade própria ou como refugiados, os muçulmanos se deparam com culturas muito diferentes e, frequentemente, com o temor de serem confundidos com extremistas. Entre as várias situações novas com que se deparam, está a religião dos países que os recebem e a forma como ela se relaciona com a educação. 

Choque cultural 

A situação é particularmente delicada em países que já sofreram com o terrorismo e passaram a adotar medidas mais restritivas em relação às populações de imigrantes. Nos EUA, com a memória de 11 de setembro de 2001 ainda guiando a política (como na tentativa recente de Donald Trump de proibir a entrada de imigrantes de determinados países acusados de patrocinar o terrorismo), estudantes muçulmanos dizem ser alvo de preconceito. 

De acordo com a ACLU (União Americana pelas Liberdades Civis, na sigla em inglês), nenhum estudante em solo norte-americano pode ser proibido de praticar sua fé – qualquer que seja a religião – em ambiente escolar, desde que não perturbe os colegas. 

“No entanto, o direito de iniciar uma oração voluntariamente não inclui, por exemplo, o direito de manter uma audiência cativa ouvindo sua reza, nem o de compelir outros estudantes a participar”, acrescenta a ACLU. As particularidades das orações islâmicas, com rituais que chamam a atenção por serem distintos dos costumes cristãos, acabam sendo muitas vezes utilizados pelas direções escolares para justificar uma restrição à reza. 

 Na França, onde o princípio da laicidade do Estado é fortemente reproduzido nas escolas públicas, manifestações religiosas são desencorajadas e, em alguns casos, até mesmo proibidas por lei. A polêmica mais comum no caso francês é o banimento do hijab, o véu usado pelas mulheres, em ambiente escolar. Outra medida que vem causando controvérsia é a decisão de algumas escolas do interior do país de voltar a servir carne de porco em suas refeições, contrariando restrições alimentícias não só do islamismo, mas também da tradição judaica. 

“Na segunda-feira após os ataques terroristas em Paris, salas de aula ao redor da França discutiam o que havia acontecido. Eram discussões valiosas, mas elas precisam ser feitas com cuidado para garantir que todos os estudantes, independentemente de sua origem, se sintam seguros”, diz Nassim Elbardouh, do Comitê por Ação e Justiça Social (CASJ), do Canadá, que analisou a repercussão de episódios de extremismo em escolas. “Parece absurdo associar a Ku Klux Klan ao cristianismo, mas a mesma distinção raramente é feita quando se tratam de muçulmanos [e grupos terroristas]”. 

Contexto brasileiro 

No Brasil, o islamismo é uma religião ainda mais minoritária do que na Europa ou na América do Norte. Enquanto cerca de 3% da população francesa se identifica como muçulmana, o último Censo realizado aqui, em 2010, registrou pouco mais de 35 mil pessoas (em um total de 200 milhões) como seguidoras da religião. Já organizações independentes ligadas ao Islã no país costumam dar estimativas que chegam até cerca de 1,5 milhão de pessoas, praticantes ou não. 

Os primeiros muçulmanos a chegar no Brasil foram negros escravizados trazidos da África, ainda na época colonial. Árabes seguidores da fé islâmica só começariam a chegar no final do século XIX, vindos principalmente da Síria e do Líbano. Em anos mais recentes, o fenômeno da conversão de jovens pobres em periferias, além da chegada de refugiados dos conflitos no Oriente Médio, ajudou a alterar um pouco mais o perfil tradicional dos muçulmanos brasileiros. Mesmo assim, trata-se de um grupo pequeno em uma nação majoritariamente católica, onde a religião está tão enraizada no dia a dia que, diferentemente da França, por exemplo, traços do cristianismo ainda são vistos cotidianamente em repartições, tribunais e escolas públicas. 

Sem ter sofrido historicamente com o terrorismo, o Brasil costuma ser apontado como um caso onde há menos confrontos no dia a dia escolar, mas uma reclamação frequente da comunidade islâmica é a ausência de laicidade no sistema educacional público: das aulas de ensino religioso centradas em leituras da Bíblia às comemorações coletivas de datas como a Páscoa e o Natal. 

“É preciso ensinar sobre o Islã de forma sensível”, defende a antropóloga Jessica Winegar, da Northwestern University (EUA), especializada em estudos de Oriente Médio. “Se não fizermos isso, podemos alienar uma geração inteira de crianças que não se sentirão bem-vindas”. 

Adequações à realidade nacional 

Em busca de alternativas para a preservação de sua cultura, comunidades de imigrantes passaram a se organizar em sociedades beneficentes de auxílio mútuo, que com o tempo começaram a administrar escolas próprias. Ao redor do Brasil, diversos colégios particulares funcionam voltados aos muçulmanos, ainda que abertos a estudantes de qualquer religião. São os casos, por exemplo, da Escola Islâmica Brasileira, fundada há 47 anos em São Paulo, que atende desde a educação infantil até o ensino médio. Em Curitiba, a principal instituição do tipo no estado é a Escola Árabe-Brasileira do Paraná. 

Nesses colégios, os refeitórios utilizam alimentos halal, há pausa para orações e a oferta de disciplinas costuma incluir aulas sobre cultura islâmica e idioma árabe, que não são encontradas em outras escolas. Em 2011, chegou a tramitar no Congresso Nacional um projeto de lei que pretendia tornar obrigatório o ensino de “cultura árabe e tradição islâmica” em todas as escolas do país, abordando os tópicos no conteúdo das disciplinas de Educação Artística, Literatura e História. - o projeto acabou sendo retirado pelo próprio autor poucos meses depois. 

Nas universidades brasileiras, as polêmicas sobre o ensino costumam ser menores, mas os muçulmanos ainda convivem com situações inesperadas. Em 2015, uma estudante de Direito foi interrompida durante o Exame da OAB por estar vestindo um véu, tendo de concluir a prova em uma sala reservada. O edital da prova proibia uso de “acessórios” na cabeça que pudessem esconder dispositivos que permitissem trapacear na prova, mas nada falava sobre a indumentária religiosa. À época, a OAB disse que se tratava de um caso inédito e que revisaria seus procedimentos para a edição seguinte, e garantiu, em nota: “a necessidade de fiscalização não pode em hipótese alguma sobrepor a liberdade religiosa dos candidatos”.

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