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Elcio Abdalla, coordenador do projeto e professor do Instituto de Física da USP: “são como ondas
do mar”.
Elcio Abdalla, coordenador do projeto e professor do Instituto de Física da USP: “são como ondas do mar”.| Foto: Graciele Almeida de Oliveira/USP

Não temos como saber quem, milhares de anos atrás, foi o primeiro ser humano a olhar para o céu e se perguntar o que, afinal, era aquele grande tecido escuro salpicado de pontos brilhantes.

O que temos certeza é que essa curiosidade está longe de ser plenamente satisfeita e, a cada resposta encontrada, a humanidade encontra novas perguntas sobre o espaço.

Algumas das maiores delas dizem respeito ao setor escuro e à geometria do Universo - exatamente o objeto de estudo de um novo radiotelescópio que será construído na Serra do Urubu, no limite entre os estados da Paraíba e Pernambuco.

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Para entender o que o "Diamante do Sertão" irá observar, é preciso começar pelo começo. Um telescópio nada mais é do que um objeto que é apontado para o espaço para obter informações, que em geral são ondas eletromagnéticas. O telescópio ótico, ao qual estamos mais acostumados, capta a onda eletromagnética visível - a luz comum. Já um radiotelescópio capta ondas na faixa de rádio - que são invisíveis a olho nu.

Batizado de Bingo, acrônimo para Baryon Acoustic Oscillations in Neutral Gas Observations, este deverá ser o primeiro do gênero a fazer detecções das Oscilações Acústicas de Bárions (BAOs) por meio das ondas eletromagnéticas da faixa de rádio.

"No começo, o Universo não era transparente como é hoje. Ele era mais ou menos como o sol - e você não vê dentro do sol. Existiam flutuações nessa superfície, as chamadas Oscilações Bariônicas Acústicas, que dão nome ao telescópio", explica o professor Luciano Barosi, investigador principal do Projeto Bingo e professor da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).

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À medida que o universo expande, a sua temperatura diminui e, quando ele ficou frio o suficiente, passou a ser transparente. "Aí essas oscilações acústicas se congelam e elas é que dão origem a tudo que a gente vê hoje: aglomerados e superaglomerados de galáxias", diz o professor.

Geradas pela interação dos átomos com a radiação no início do Universo, é por meio das BAOs que será possível medir a distribuição do hidrogênio neutro em distâncias cosmológicas, usando uma técnica chamada de mapeamento de intensidade. O hidrogênio, o elemento mais abundante e que compõe 75% da parte visível do universo, tem uma linha de emissão de rádio específica, que será detectada pelo equipamento. Essas grandes ondas formadas no início do Universo levam o hidrogênio por pressão eletromagnética, mas não levam a matéria escura.

"[As BAOs] são como ondas de mar", conta o coordenador do projeto e professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo, Elcio Abdalla. A matéria escura não impede a passagem da onda, ela é completamente transparente. "A onda do mar continua [se movendo] porque ela se forma a partir de um mecanismo que depende da viscosidade da água, do vento e da gravitação. Se você apagar a gravitação, é como se essa onda de mar tivesse se congelado numa certa posição". Em certos lugares dessas ondas congeladas no espaço exterior há picos de hidrogênio e de matéria escura. Sabendo a forma das BAOs, fazendo medições e comparando tudo isso com modelos teóricos, será possível observar a geometria do Universo e estudar a energia escura. "Em termos um pouco mais técnicos, estaremos medindo os parâmetros cosmológicos que regem a geometria do Universo.”

"A maioria dos radiotelescópios é bem focada. Já o Bingo é feito para ter uma abertura muito grande e pegar um pedaço muito grande do céu. Nós não estamos interessados em [analisar] galáxias, mas no Universo mesmo. Há poucas galáxias comparadas com a quantidade de espaço vazio no Universo e a gente quer estudar a estrutura como um todo", acrescenta Barosi.

"O Universo está acelerando e ninguém sabe exatamente o que causa a aceleração nem a dinâmica dela. Sabemos a velocidade da aceleração hoje, mas não sabemos como era no passado e é isso que queremos estudar. Vamos olhar para os espaços vazios para descobrir como o Universo está acelerando.”

Outra questão científica que os pesquisadores poderão investigar são as Fast Radio Bursts, ou rajadas rápidas de rádio - pulsos eletromagnéticos de alta energia com duração de apenas alguns milissegundos. Elas existem na mesma frequência que será analisada pelo Bingo, mas sua origem ainda é desconhecida. "O nosso radiotelescópio vai ver frequentemente essas emissões e a gente quer saber do que elas se tratam. Elas são muito rápidas, extremamente energéticas, vêm de distâncias muito grandes no universo e não sabemos o que são. Queremos analisá-las e descobrir se elas cabem em alguma das nossas teorias", conta o professor da USP.

Fugindo do ruído

Medições tão precisas quanto as que o Bingo fará exigem isolamento e é por isso que o local escolhido para sua instalação foi a Serra do Urubu. Os pesquisadores estudaram instalar a estrutura no Uruguai e em diversas regiões do Brasil, mas foi na Paraíba que encontram as condições ideais. "É uma região que não tem poluição eletromagnética e está protegida em volta por cumes que impedem a entrada de outro barulho que venha de regiões um pouco mais distantes", afirma Abdalla.

Como a frequência usada nas observações é muito parecida com a da telefonia celular, se esse tipo de sinal fosse captado, os cientistas não conseguiriam ver nada. Assim, a serra funciona como uma barreira física. "É um buraco mesmo, uma coisa bastante encavada na terra, coberta por todos os lados, por isso é bom", completa Barosi.

A estrutura que abrigará o Bingo e começará a ser construída em breve terá dimensões parecidas com as de um campo de futebol. O aparelho contará com dois "espelhos" (parábolas refletoras) de aproximadamente 40 metros de diâmetro cada e uma estrutura de 45 metros de altura que abrigará 50 "cornetas". Os espelhos refletem a radiação do céu para as cornetas, que, por sua vez, enviam os sinais para o sistema eletrônico que os transformará em dados que poderão ser analisados pelos pesquisadores.

Tanto os materiais usados para a fabricação das cornetas, quanto os filtros e receptores eletrônicos e os softwares de análise de dados e inteligência artificial são subprodutos de inovação tecnológica derivados do telescópio. Outro paralelo são produtos audiovisuais de divulgação científica e atividades educacionais de extensão. Uma vez por mês, a equipe de Barosi visita escolas do município de Aguiar, cidade de 5 mil habitantes onde o Bingo será instalado, para conversar com os alunos sobre astronomia e ciência.

Colaboração internacional

Para chegar a objetivos tão ousados, uma grande equipe está se dedicando ao Bingo. São quase 100 pessoas envolvidas ao todo, sendo que o projeto é liderado por pesquisadores de três instituições brasileiras: USP, UFCG e Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). No momento, o equipamento está sendo construído em São Paulo e sua estrutura será transportada para a Serra do Urubu, no município paraibano de Aguiar, e deverá começar a funcionar até 2020.

A maior parte do financiamento é da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), que está entrando com R$ 13 milhões para a compra de equipamentos, além das verbas para bolsas de pesquisa. Hoje há, ainda, fomento do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e do Estado da Paraíba que, juntos, somam aproximadamente R$ 4,5 milhões. Para os próximos meses, estão previstas verbas da University of Manchester, do University College London, do Eidgenossiche Technische Hochshule e da Agência Chinesa de Pesquisas através das Universidades de YangZhou e Jiao Tong.

As instituições internacionais participam, também, por meio de pesquisadores especialistas. Além dos ingleses, suíços e chineses, também há colaboração de cientistas de Portugal, Estados Unidos, Uruguai, França e África do Sul. "Radiotelescópios cooperam entre si com dados e você consegue enriquecer a sua análise com os dados de outros radiotelescópios que olham para a mesma parte do céu. E isso vem acontecendo já há uns 50 anos. Então é natural para essa área fazer esse trabalho porque precisa, não tem como [não ser assim]. Nada vai acontecer em radioastronomia se você não conseguir produzir esse tipo de colaboração", aponta o professor da UFCG.

Em grandes pesquisas de astronomia e exploração espacial, a colaboração científica internacional é praticamente a regra. Isso porque o Universo é grande demais para que consigamos fazer coisas tão ousadas quanto fotografar um buraco negro isoladamente, em apenas um país. "Em todo momento que houver um projeto de big science, necessariamente você vai ver uma coalizão internacional acontecendo", garante.

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